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ACLS 2015: Adeus definitivo a vasopressina ?

Quando as atualizações das diretrizes do ACLS ( Advanced Cardiovascular Life Support ) foram publicadas no Circulation no final de 2015, uma verdadeira caça ao tesouro se realizou para documentar quais as grandes novidades em relação as recomendações feitas em 2010.
Uma das que mais chamou atenção foi a ‘Retirada da Vasopressina 40 UI como análago a primeira ou segunda dose de Epinefrina 1 mg, quando indicada’.
Muitos falaram do ‘fim da vasopressina’. Mas será que é isso mesmo ?
O primeiro ponto a se destacar é que, de fato, a retirada da droga nesse cenário se deve não a inadequação da mesma, mas sim para fins de simplificação do algoritmo ( uma vez que cada vez mais vem se percebendo que quanto menos coisas para se saber e mais se focar no básico – leia-se compressões torácica de alta qualidade – melhores desfechos serão conseguidos ). Lembrando que até mesmo a evidência para o uso de epinefrina não provém de estudos de alta qualidade.
Retiro trecho do sumário executivo na página S319: ” Vasopressin was removed from the ACLS Cardiac Arrest Algorithm as a vasopressor theraphy in recognition of equivalance of the effect with other avaliable interventions (eg, epinephrine). This modification valued to SIMPLICITY of approach toward cardiac arrest when 2 THERAPIES WERE FOUND TO BE EQUIVALENT”.
O segundo é que a mesma diretriz que afasta a droga de maneira isolada no manejo avançado a parada cardiorespiratória, introduz o conceito de uso potencial da mesma na chamada associação VEA ( Vasopressina / Esteróides / Adrenalina ) no atendimento da PCR e nos cuidados pós-PCR para pacientes submetidos a PCR intra-hospitalar.
A evidência para essa indicação provém sobretudo do autor grego Mentzelolopoulos e seus colaboradores em estudo publicado no JAMA, em 2013. Sob o título Vasopressin, Steroids, and Epinephrine and Neurologically Favorable Survival After In-Hospital Cardiac Arrest. A Randomized Clinical Trial, o autor avaliou 268 pacientes de 3 Hospitais Gregos submetidos a PCR intra-hospitalar entre 2008-2010, os dividindo em 2 grupos:
1) Grupo VEA ( originalmente ‘VES’ ): onde os doentes receberiam no 1 ciclo metilprednisolona 40 mg + epinefrina 1 mg + vasopressina 20 UI e, nos demais ciclos, a cada 3 minutos, associação de epinefrina 1 mg + Vasopressina 20 UI, até um máximo de 5 ciclos. Após, havendo retorno a circulação espontânea (RCE), os mesmos receberiam hidrocortisona 300 mg/d por 7 dias.
2) Grupo Controle: onde os doentes receberiam epinefrina 1 mg + 2 ampolas de placebo ( substituindo a metilprednisolina + vasopressina) no primeiro ciclo de medicações e, nos demais ciclos, a cada 3 minutos, associação de epinefrina 1 mg + solução salina. Havendo RCE, os mesmo recebiam salina simbolizando a comparação de placebo com a hidrocortisona.
O desfecho primário seria o RCE por 20 ou mais e a sobrevida na alta hospitalar com uma boa capacidade neurológica, utilizando a Glasgow-Pittsburgh Cerebral Performance Category 1 ou 2. Onde, de maneira resumida, 1 paciente com boa capacidade neurológica, 2 com prejuízo moderado, 3 grave, 4 coma e 5 estado vegetativo.
Esse autor incluiu todos os ritmos de parada em seu estudo, com óbvio predomínio dos ritmos não-chocáveis, sobretudo assistolia ( 70%), uma vez que esses são bem mais prevalentes na parada intra x extra-hospitalar, motivo pelo qual, dentro do hospital, é muito mais saudável se trabalhar com a prevenção de PCR e detecção precoce de sinais de alarme pré-PCR, que é bastante enfatizado nas novas diretrizes do ACLS e já é uma prática cada vez mais comuns através dos time de resposta rápida, cada vez mais presentes.
Veja a tabela 1 e 2 abaixo:
A conclusão do estudo foi que a associação de VEA resultou em maior probabilidade de estar vivo ao final da internação associado a um melhor prognóstico neurológico na população estudo quando comparado ao uso isolado de epinefrina ( veja tabela abaixo ):
Obviamente que esse foi apenas 1 estudo com amostra pequena e que necessita de outros estudos randomizados controlados com maior N para que possamos dar maior peso a essa associação medicamentosa no contexto da PCR. Além do que, a amostra da população não permite análises para desfecho em longo prazo, que são tão ou mais importantes do que a própria mortalidade intra-hospitalar.
De qualquer forma, fica o aviso: a vasopressina ainda vive…e seu uso associado a corticóide e epinefrina, pelas diretrizes do ACLS 2015, PODE SER CONSIDERADO em pacientes submetidos a PCR inter-hospitalar.
” As a result of this study, in IHCA ( Intra-Hospitalar Cardiac Arrest ), the combination of intra-arrest vasopressin, epinephrine, and methylprednisolone and postarrest hydrocortisone as described by Mentzelopoulos et al may be considered; however, further studies are need before the routine use of this therapeutic strategy can be recommended ( Class IIb, LOE C-LD)”.
Mais estudos serão necessários para consolidar ou refutar essa associação medicamentosa.

Leitura sugerida:

Mentzelopoulos SD, Malachias S, Chamos C, et al. Vasopressin, Steroids, and Epinephrine and Neurologically Favorable Survival After In-Hospital Cardiac Arrest: A Randomized Clinical Trial. JAMA.2013;310(3):270-279. doi:10.1001/jama.2013.7832. Disponível aqui
Sumário executivo ACLS 2015. Disponível aqui

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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