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ADENOSINA: uso clínico e as recomendações do ACLS 2015

A adenosina é uma droga fundamental em qualquer carrinho de parada no atendimento a pacientes com taquiarritmias. Sua atuação, de maneira simplificada, ocorre ao realizar um bloqueio na condução do nodo AV por poucos segundos e, com isso,  interromper a propagação ao ventrículo do estímulo elétrico supra-ventricular.
A importância disso se traduz no fato de que ela irá  CESSAR apenas as taquicardias que, em seu mecanismo de ação, utilizem o nó AV para se perpetuar, sendo ineficaz na terapêutica das taquicardias de origem VENTRICULAR, nas SUPRAVENTRICULARES que utilizem outro ‘circuito’ para chegar ao ventrículo, como em alguns subtipos de taquicardias com feixe acessório, nas taquicardias ditas AUTOMÁTICAS, como a própria taquicardia sinusal ou atrial, e nos casos de FA ou Flutter, onde a gênese da arritmia ocorre em território atrial e o bloqueio do nó AV apenas irá, de maneira transitória, diminuir a repercussão ventricular da mesma.
Logo após sua infusão, podem acontecer fundamentalmente 4 situações:
1) A taquicardia cessa e retorna para ritmo sinusal.
2) Ocorre o ‘bloqueio’ do nodo AV por alguns momentos, mas, como o mecanismo da arritmia era independente dele para funcionar, após segundos a mesma retorna a sua FC habitual. Contudo, apesar de não ser ‘terapêutica’, essa manobra muitas vezes desmascara a real identidade da taquicardia. Por exemplo, quando as ondas de um Flutter atrial aparecem de maneira mais nítida com o efeito da adenosina ( veja exemplo abaixo):

Veja na foto acima que após a administração da adenosina (Adenocard) a condução pelo nodo AV fica lentificada e, apesar de não haver suspensão  da arritmia, após a administração da droga as ondas F do Flutter se mostram bem mais claras e, assim, o diagnóstico é facilitado. Fonte: http://emedicine.medscape.com/article/757549-overview
3) Diminuição lenta da FC de algumas taquicardias, como a sinusal ou a juncional, e retorno a FC de base após alguns instantes.
4) Nenhum efeito. Isso ocorre, habitualmente, quando a origem da arritmia é VENTRICULAR.E o que fala a AHA nas suas últimas diretrizes de 2015 em relação a utilidade da adenosina em taquicardia do QRS estreito e largo?

QRS ESTREITO
1) Em casos selecionados de taquicardias regulares do QRS estreito com sinais ou sintomas de instabilidade, uma tentativa de adenosina antes de se proceder a cardioversão pode ser considerada   (Classe IIb, Nível de Evidência C)
2) Se não houver hipotensão, o pacientes com uma taquicardia regular do QRS estreito ( provavelmente secundária a taquicardia por reentrada nodal ou outras taquicardia supraventricular paroxística) podem ser tratados com ADENOSINA enquanto o material para cardioversão é preparado.  (Classe IIb, Nível de Evidência C)
3) Se a taquicardia supraventricular paroxística não responder a manobra vagal, uma dose de 6 mg de adenosina IV deve ser administrada seguida de bolus de 20 ml de solução salina em uma veia periférica calibrosa ( p.e. na região antecubital).  (Classe I, Nível de Evidência  B)


QRS LARGO
1) Se a etiologia do ritmo não puder ser determinada, se a FC for regular e o QRS largo for monomórfico, há evidência recente sugerindo que o uso de adenosina IV é relativamente seguro para tratamento e diagnóstico ( Classe IIb, Nível de Evidência B) *.

* O racional para essa recomendação é que nesse cenário – QRS LARGO, MONOMÓRFICO, ESTÁVEL – podemos estar diante de uma taquicardia de origem supraventricular que está cursando com aberrância da condução – por isso o QRS largo –  e, assim, a adenosina poderia reverter esse quadro e não porque o ACLS esteja pregando que a adenosina deve ser usada para reverter TV! Por isso mesmo o próprio ACLS, em seus algoritmos, adota uma postura cautelosa de padronizar a abordagem entre QRS estreito e largo e não entre taquicardia supra e ventricular, ok?
2) Contudo, adenosina NÃO DEVE ser dado para taquicardias do QRS LARGO com instabilidade ou com taquicardias do QRS LARGO que sejam POLIMÓRFICAS, uma vez que ela pode causar degeneração dessas arritmias para fibrilação ventricular. ( Classe III, Nível de Evidência C)
POSOLOGIAA dose de adenosina é de 6 mg, podendo ser repetida uma dose de 12 mg e outra de 12 mg, se necessário. Lembrar sempre de fazer em veia periférica de grosso calibre, seguido de flush de 20 ml de solução salina e elevação do respectivo membro.

Se o paciente estiver em uso de dipiridamol ou carbamazepina, for transplantado cardíaco e quando a via de administração for através de acesso venoso central, deve-se aplicar metade da dose.

Para ver um tutorial sobre a sequência de administração de adenosina clique aqui

Leitura Sugerida
1) Part 7: Adult Advanced Cardiovascular Life Support. Web-based Integrated 2010 & 2015 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Disponível aqui
2) Clinical Practice Guideline. 2015 ACC/AHA/HRS Guideline for the Management of Adult Patients With Supraventricular Tachycardia. Disponível aqui

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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