Ficha Técnica

B3 – Fisiopatologia e significado clínico

A presença de terceira bulha (B3) é um achado eventual durante a asculta
cardíaca, sobretudo para quem costuma atender pacientes com insuficiência
cardíaca. Mas você sabe qual o mecanismo de formação da B3 ? Ela sempre é
patológica ?
Para o melhor entendimento do significado da 3a bulha precisamos
recuperar alguns conceitos de fisiologia cardiovascular:
1)  Diástole
Durante a diástole o enchimento dos ventrículos depende de três fases
sequenciais: enchimento rápido, enchimento lento e contração (ou kick) atrial.
Em um indivíduo hígido, cada fase é responsável respectivamente por
aproximadamente 75%, 10% e 15% do volume de sangue que chega aos ventrículos
direitos e esquerdos.
2) Mecanismo de formação da B3
A terceira bulha ocorre durante a fase de enchimento rápido, após a
abertura das válvulas atrioventriculares. O sangue que estava sendo represado
nos átrios chega rapidamente ao ventrículo e é ‘freado’ ou ‘desacelerado’.  Quando a desaceleração da coluna de sangue é
muito abrupta essa desaceleração causa dissipação da energia cinética ( da
massa de sangue em movimento), essa dissipação de energia causa vibração das
estruturas adjacentes, que quando transmitida pela caixa torácica é audível,
formando a terceira Bulha.
3) O que causa a B3 ?
Entendendo o mecanismo de formação da B3 percebe-se que ela pode
originar-se tanto de condições hemodinâmicas que aumentem o fluxo de sangue
durante a fase de enchimento rápido como de condições que façam que a
desaceleração do sangue seja muito abrupta ( por diminuição da complacência
ventricular) ou de uma soma dos dois componentes
Aumentam a velocidade do sangue na fase de enchimento rápido:
–  PVC elevada (onda v do
pulso venoso)
–  Relaxamento do VE (
aumenta a diferença de pressão entre AE-VE)
–  Hipervolemia
–  Estados Hiperdinâmicos (
febre, tireotoxicose, anemia, …)
Principais determinantes da complacência ventricular esquerda
–        Espessura da parede
–        Composição da parede
miocárdica ( fibrose, inflamação, isquemia, infiltrado)
–        Presença ou não de
restrição pericárdica
–        Diâmetros da câmara
–        Grau de relaxamento do VE
( isquemia ou hipertrofia miocárdica causam défict do relaxamento)
–        Curva de pressão/volume
do VD ( disfunção de VD com regimes pressóricos elevados podem afetar a
complacência do VE)
Portanto patologias que afetam a complacência do coração ( que pode ser
explicada como a capacidade do ventrículo de acomodar o fluxo de sangue que
recebe na diástole) por qualquer um destes mecanismos podem levar a formação de
B3 por levar a desacelaração abrupta da coluna de sangue
4)  Dica prática: como
diferenciar B3(TUM-Tá-Tá) de B2 desdobrada (TUM-Trá)
As vezes na asculta em decúbito dorsal é difícil a diferenciação entre
B2 desdobrada e B3. Algumas dicas para ajudar são:
      a) Asculte o paciente em
pé: B3 costuma sumir
      b) Qual foco em que a B3 ou
B2 desdobrada é mais evidente: B2 desdobrada costuma ser mais audível nos 2o e
3o espaços intercostais enquanto B3 é mais facilmente identificada no ápice
      c) Frequência: B2 desdobrada
é uma bulha de alta frequência (mais evidente quando auscultada com o
diafragma) e B3 é uma bulha de baixa frequência (mais clara com a campânula)
 5) B3 é sempre patológica?
Não, nem toda B3 é patológica. Condições de hipervolemia ( ex: gestação)
ou indivíduos jovens com grande capacidade de relaxamento ventricular podem ter
B3 audível e fisiológica.
Diversos estudos já demonstraram que mesmo com múltiplos exames
complementares disponíveis ( ECO, Cateterismo direito, RNM) a presença de B3
ainda é um fator prognóstico importante e independente, sobretudo para
pacientes com IC descompensada.
Leitura sugerida
1-    The clinical meaning  of the third Heart Sound. Joshua Wynne. The
American Journal of Medicine https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=11498071
2-    Third Heard sound: genesis
and clinical importance. International Journal of cardiology
3-    Third heart sound in
hospitalised patients with acuteheart failure: insights from the ATTEND
study.  Int J Clinical Practice
4-    Prognostic value of the
physical examination in patients with heart failure and atrial fibrillation:
insights from the AF-CHF trial (atrial fibrillation and chronic heart failure).
JACC HF
                   https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24622114

Sobre o Autor

Caio de Assis Moura Tavares

Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo. Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Atualmente é médico assistente do Departamento de Cardiogeriatria do InCor-HC-FMUSP.

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