Como eu faço? Terapia Intensiva Cardiológica

Swan-Ganz para cálculo das resistências pulmonares e sistêmicas: como fazer beira-leito?

É indiscutível que nos últimos anos houve uma nítida diminuição do uso do famoso cateter de Swan-Ganz, sobretudo com o desenvolvimento de outras ferramentos para monitorização hemodinâmica em tempo real. No entanto, esta ferramente ainda tem espaço na avaliação das pressões intra-cardíacas, em casos selecionados. Com esse post, buscamos trazer, de forma simples, o passo a passo para a correta aferição dessas variáveis. Ao final, trazemos um caso real onde o uso das variáveis fornecidas pelo cateter mudaram a conduta clínica.

Uma vez o cateter posicionado adequadamente deveremos seguir uma sequência de passos para obter as variáveis desejadas.

  1. Anotar os parâmetros:
    1. Dose das drogas vasoativas (em mcg/kg/min)
    2. Registre se há assistência ventricular conectada ao paciente. Por exemplo, presença de balão intra-aórtico em atuação 1:1
    3. Frequência cardíaca, pressão arterial sistêmica sistólica, diastólica e média através de PA invasiva.
    4. Anotar o valor da pressão venosa central (PVC)
    5. Anotar outros parâmetros auxiliares: Hb/Ht, saturação venosa central, lactato, (..)
  2. Deixe o paciente em decúbito zero.
  3. Coloque o dômus do medidor pressórico no mesmo nível do átrio esquerdo, utilizando como referência a linha axilar do paciente.
  4. ‘Zerar o sistema’. Para isso, ‘feche’ a via do dômus do Swan-Ganz e da PVC para o doente e abra a via para contato com a atmosfera. Após isso, dirija-se ao monitor do paciente e selecione a tecla ‘zerar sistema’ (ou algo com nomenclatura semelhante a esta em seu aparelho). Observe nas curvas pressóricos do monitor se, de fato, isso ocorre, ou seja, as linhas ficam retilíneas e o valor vai a zero. Após isso, feche o sistema para atmosfera e retorne ac onexão entre o cateter e o paciente.
  5. Anotar os valores de pressão artéria pulmonar média (PAPm)
  6. Realizar o encunhamento da artéria pulmonar, para se conseguir estimar a pressão capilar pulmonar média (pressão de encunhamento). Lembre-se de deixar o balão insuflado por alguns segundos até que se obtenha uma curva estável de pressão. A medida da pressão capilar pulmonar deve ocorrer durante a expiração do doente.

Após realizar esses procedimentos, utilize os valores achados para realizar o cálculo das resistências pulmonares e sistêmica. Esses dados podem ser colocados em espaço próprio de alguns monitores cardíacos ou calculados manualmente de forma simples através das fórmulas abaixo:

Resistência Vascular Sistêmica (RVS) = PAM – PVC / Débito Cardíaco = valor em Woods -> se multiplicarmos por 80 = valor em Dynas

Resistência Vascular Pulmonar (RVP)= PAPm – PCPm / Débito Cardíaco = valor em Woods -> se multiplicarmos por 80 = valor em Dynas

Onde: PAM = Pressão arterial média / PVC = Pressão de venosa central / PAPm = Pressão média de artéria pulmonar / PCPm = Pressão média do capilar pulmonar ( também conhecida como pressão de encunhamento).

1 Dyna = 80 Woods

Veja na tabela abaixo os valores médios e sua faixa de normalidade.

valores-do-swan

Retirado de: https://www.uptodate.com/contents/image?imageKey=CARD%2F70326&topicKey=PULM%2F1595&source=outline_link&search=swan%20ganz&selectedTitle=2~150

Na prática (..)

Vamos tomar como exemplo uma paciente com insuficiência cardíaca onde foi passado o cateter de Swan-Ganz para auxílio no manejo de estratégia medicamentosa.

A paciente estava recebendo NO por relato de ‘hipertensão pulmonar’ com possível componente primário, ou seja, não secundário a disfunção ventricular, mas sim por patologia vascular pulmonar. Será que esse NO realmente tinha espaço na terapêutica da doente?

Os dados hemodinâmicos eram:

FC: 112 bpm

PA invasiva: 105 x 61 ( 76 ) mmHg

PVC: 25 mmHg

Débito Cardíaco (estimado por monitor Vigilance II): 3,5 L/min

Pressão de artéria pulmonar (PAP): 67 x 31 (42) mmHg

Pressão do capilar pulmonar (PCP): 43 x 28 (33) mmHg

Ora:

RVS = 76 – 25 / 3,5 = 14,5 W , que, multiplicado por 80 = 1,165 dynas

RVP = 42 – 33/ 3,5 = 2,57 W, que, multiplicado por 80 = 205 dynas (discretamente aumentada)

A luz do contexto clínico da doente como interpretar esses dados?

O gradiente transpulmonar é obtido pela diferença entre a PAPm (42) menos a PCPm (33) e seu valor é normal até por volta de 12-15 mmHg. Nesse caso, observamos o valor de 9. Isso nos mostra, portanto, que a causa do aumento da PAPm, que é considerada anormal quando acima de 25, resulta de aumento secundário a disfunção ventricular esquerda e não por quadro intrínseco de vasculopatia pulmonar.

Que condutas podemos tomar baseado nessa informação?

A primeira é a de se suspender o óxido nítrico, uma vez que não há benefício dessa medicação no contexto de HP secundária a disfunção ventricular esquerda. Além disso, esses dados nos mostram que a paciente, se houver indicação clínica, poderá ser incluída em fila de transplante cardíaco, uma vez que resolvida a disfunção ventricular, os valores de PAP tendem a normalizar após-TX cardíaco

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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