Cardiologia Geral Insuficiência Cardíaca

Dispositivos de Assistências Circulatória – Parte III: Características gerais dos dispositivos

Existem grandes diferenças entre os dispositivos de assistência circulatória atualmente disponíveis no mercado, variando desde local de implantação, mecanismo de funcionamento, pulsatilidade, tipo de funcionamento do motor. Resumimos aqui as principais características destes dispositivos:

1) Posição em relação ao paciente: para corpóreo ou implantável
Dispositivos podem ser para-corpóreos (fora do corpo) ou implantável. A diferença entre eles é grande, dispositivos para-corpóreos limitam a capacidade de deambulação do paciente, apresentam maior risco de trauma, de mau funcionamento por obstrução das vias, de complicações e de durabilidade, sendo os para-corpóreos em geral utilizados como dispositivos de curta duração

2) Mecanismo de inserção: percutâneo ou cirúrgico
Os dispositivos podem ser implantados percutaneamente ou cirurgicamente, os de implantação percutânea são utilizadas apenas como dispositivos de curta duração. Os de inserção cirúrgica podem ser de longa ou curta duração.

3) Tipo de fluxo: contrapulsação, contínuo ou pulsátil
O fluxo do dispositivo pode funcionar em contrapulsação ( Balão Intra Aórtico), contínuo ( funciona constantemente durante o ciclo cardíaco) ou pulsátil (fluxo pelo dispositivo de acordo com o ciclo cardíaco)

4) Ventrículo assistido
Assistência do ventrículo esquerdo, direito ou ambos

5) Mecanismo de funcionamento da bomba: Axial ou Centrífugo ( para bombas de fluxo contínuo)
O tipo de funcionamento da bomba ( axial ou centrífugo) apresenta grande diferença fisiológica em sua funcionamento. A bomba centrífuga funciona como um “arremessador”, ou seja ela captura em suas lâminas e o arremessa para frente, tangencialmente ao plano das lâminas; As bombas axiais funcionam como o ato de “empurrar” ela recebe o sangue o empurra para frente, paralelo ao plano da bomba. A figura 2 resume a diferença entre essas bombas.

Mecanismos de funcionamentos de bombas: axial x centrífuga. Note que em bombas centrifugas o sangue  tem outros caminhos para chegar na vida de saída que não sejam impulsionados pela bomba, enquanto no axial e bomba precisa empurrar todo o fluxo de sangue. Fonte: Left Ventricular Assist Devices: A rapidly evolving alternative to transplant JACC 2014

A importância do mecanismo de funcionamento da bomba reside no fato de que as bombas centrifugas são mais “sensíveis” a mudança da pós-carga e pré-carga e por isso durante o ciclo cardíaco elas variem amplamente o seu fluxo de sangue durante  sístole e diástole, dessa maneira elas são mais efetivas para retirar a carga excessiva do VE, o que tem sido apontado como um dos fatores que induzem a recuperação do VE após o implante do dispositivo. Este conceito teórico ainda não foi confirmado em estudos clínicos.

Fluxo da bomba de acordo com mecanismo de funcionamento. Note que com a mudança da pressão entre o a vida de entrada ( VE) e via de saída ( Aorta) durante o ciclo cardíaco , com variação da diferença de pressão de 40 (sístole) para 80 ( diástole)( A pressão que a bomba “enxerga” (AO – VE) e que representa a pressão que a bomba enfrenta para bombear o sangue para a Aorta, a bomba centrifuga varia o seu fluxo de 10 para 0 L/min enquanto a bomba axial com a mesma variação de pressão varia de 7 para 4 L/min para mesma variação de pressão ( de 40 para 80mmHg). A Bomba Axial é muito menos sensível a pós-carga. A diferença de pressão (ΔP) é menor na sístole pois a contração do VE ajuda a diminuir o gradiente entre VE-Ao, facilitando o trabalho da bomba. Fonte:  Left Ventricular Assist Devices: A rapidly evolving alternative to transplant. JACC 2015
Por conta dessas diferenças a bomba axial apresenta algumas desvantagens com relação a bomba centrífuga principalmente por estimar pior o fluxo da próprias bomba, apresenta maior risco de eventos de sucção (a via de entrada da bomba pode puxar com tanta força que a parede do ventrículo esquerdo pode entupir a via de entrada), é menos pulsátil e portanto descomprime menos o VE.
Principais diferenças fisiológicas entre as bombas axiais e centrífugas.  Fonte: Moazami et al. Comparison of Axial vs Centrifugal Pumps. JHLT 2013

Porquê a pulsatilidade é importante já que o débito cardíaco é o mesmo ? 

– muitas das complicações dos dispositivos tem sido atribuídas a perda da pulsatilidade
– um fluxo não pulsátil aumenta as má-formações arterio-venosas principalmente no TGI ( fonte de sangramento em um paciente com necessidade de utilizar anti-plaquetário associada com warfarina)
– sem pulsatilidade a valva aórtica não abre: aumenta o risco de estenose e subsequente insuficiência além de aumentar o risco de formação de trombo sobre o valva aórtica e possível embolização

6) Tipo de suporte da bomba: mecânico, hidrodinâmico, eletromagnético ou magnético

Essas características determinam basicamente como a ‘casa de máquinas’ suporta o motor propriamente dito, de acordo com o tipo de suporte determina-se a durabilidade do motor ( suporte que não envolvem contato direto entre o motor e o outros componentes tendem a durar mais por terem menos fricção – por exemplo o suporte por levitação magnética dito ‘sem contato’) e também influem no nível de hemólise que o dispositivo induz (pela superfície de contato entre o sangue e o motor) e em sítios para possível deposição de trombo e fibrina

7) Durabilidade: curta ou longa duração

Os dispositivos podem ser de curta duração ( horas-dias-semanas; em geral até 30 dias), de média duração ( 1 mês – 1 ano) ou de longa duração ( meses/anos).

8) Mecanismos pelos quais o dispositivo pode ser efetivo ?

– Mantém o débito cardíaco independente do função “nativa”
– Aumenta a perfusão coronariana
– Diminui o diâmetro do VE ( diminui o raio –> diminui a tensão do VE pela Lei de Laplace –> diminui o consumo de oxigênio)
– Diminui as pressão intracavitárias –> diminui a pressão pulmonar –> melhora a congestão pulmonar

Referências:
1) Mancini and Colombo.  Left Ventricular Assist Devices: A rapidly evolving alternative to transplant. JACC 2015
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26065994
2) 2015 SCAI/ACC/HFSA/STS Clinical Expert Consensus Statement on the Use of Percutaneous Mechanical Circulatory Support Devices in Cardiovascular Care. JACC 2015
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25861963
3) Moazami et al. Comparison of Axial vs Centrifugal Pumps. JHLT 2013
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=23260699
4)  Fiorelli AI et al. Assistência circulatória mecânica: porque e quando.
http://www.revistas.usp.br/revistadc/article/viewFile/59055/62042

Sobre o Autor

Caio de Assis Moura Tavares

Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo. Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Atualmente é médico assistente do Departamento de Cardiogeriatria do InCor-HC-FMUSP.

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