Cardiologia Geral Medicina perioperatória

Febre no pós-operatório de cirurgia cardíaca: diagnóstico diferenciais e abordagem prática

A febre no pós-operatório é uma situação relativamente comum. Em geral, quanto maior a carga inflamatória e o stress cirúrgico do procedimento realizado maior a probabilidade do doente experimentar aumento de sua temperatura, que pode estar associado a causas infecciosas ou não.
No pós-operatório de cirurgia cardíaca não é diferente. A necessidade do uso de circulação extra-corpórea, a idade avançada dos pacientes – e suas morbidades correlatas –  a necessidade de se realizar a pericardiotomia, uso de múltiplos cateteres/drenos e permanência prolongada em ambiente de UTI contribuem para as mais variadas complicações pós-operatórias resultando, com um dos seus sinais, em febre.
A estimativa é de que no pós-operatório (PO) de cirurgia cardíaca o paciente desenvolva febre em cerca de 60-70% das vezes. Felizmente, a minoria dos casos irá tratar-se de doença infecciosa, com estimativas em torno de 10-15% desses casos.
                           FEBRE COM < 48-72 HORAS DA CIRURGIA CARDÍACA
Geralmente está relacionada a trauma cirúrgico. Causas infecciosas habitualmente não se manifestam tão precocemente. Leucocitose nesse cenário não ajuda a distinguir de causas infecciosas, com especificidade apenas de 15%. Obviamente, as cirurgias cardíacas com CEC tendem a dar mais febre que as sem CEC. 
Contudo, lembre-se de que o paciente poderia estar com alguma infecção no pré-operatório que não foi adequadamente identificada. Por isso, revisar os dados clínicos do paciente – sobretudo quando este ficou sob regime de internação hospitalar aguardando cirurgia – pode ser fundamental para que possamos detectar um quadro infeccioso pré-operatório.
Lembre-se também de reações a hemoderivados e a medicações, sobretudo quando surgimento repentino.

                       FEBRE COM > 48-72 HORAS APÓS A CIRURGIA CARDÍACA
Após esse período, as causas infecciosas ganham mais força: infecções de ferida operatória, pneumonia, infecção do trato urinário e associada a cateter venoso. Quanto mais ‘devices’ presentes maior deve ser sua preocupação: sempre questione qual motivo daquela ‘sondinha vesical’, do cateter central em paciente que já não precisa de droga vasoativa ou monitorização avançada (..). Quanto mais invadido maior risco do doente.
Lembre-se do risco de sinusite no doente com sonda naso-enteral! 
Retirado de: Evaluation of Fever and Infections in Cardiac Surgery Patients. Seminars in Cardiothoracic and Vascular Anesthesia 19(2). 2015, Vol. 19(2) 143–
Algumas causas de maior interesse:

MEDIASTINITE

Quadro mais grave habitualmente relacionado a contaminação cirúrgica no intra-operatório. Paciente que tem muita tosse no pós-operatório ou em que a F.O. é deixada aberta por algum motivo também tem maior risco. Pacientes idosos, diabéticos, obesos, com tempo prolongado de cirúrgica ou necessidade de re-abordagem estão tem maior chance de serem acometidos e, portanto, devemos ter alto grau de suspeição nesses subgrupos.
Habitualmente manifesta-se em torno do sétimo dia de P.O através de toxemia sistêmica ( febre, mal-estar, taquicardia) e local: hiperemia, com ou sem drenagem de pus pela F.O. A ausência de sinais sistêmicos ajuda no diagnóstico diferencial para quadros de limitados a ferida superficial.

Lembrar que a especificadade da TC Tórax antes de 2 semanas da cirurgia para o diagnóstico dessa condição é baixa e que deve-se tomar muito cuidado ao valorizar a presença de coleção retroesternal no PO recente, haja vista que essa é um achado habitual após cirurgia cardíaca.

COMPLICAÇÕES VASCULARES
Lembrar sempre da possibilidade de IAM, AVC isquêmico ou hemorrágico cursando com aumento de temperatura. Obviamente, a presença de déficit motor e alteração enzimática acaba facilitando esses diagnósticos.

PNEUMONIA

Exames de imagem de tórax – sobretudo a TC podem ajudar a identificar focos de pneumonia quando a clínico do doente deixar dúvidas. Coletas de cultura de escarro e hemoculturas podem ajudar.

TEP / TVP
Sempre uma possibilidade a ser lembrada na investigação da febre no pós-operatório, sobretudo em paciente que, por algum motivo, tiveram sua profilaxia para embolia venosa no POi.
ATELECTASIA ??
Cada vez mais tem se colocado em cheque a tão falada atelectasia como causa de febre no pós-operatório. Uma metaanálise recente de 2011 publicada no CHEST, avaliando 8 estudos – disponível na nossa leitura sugerida – aponta para o fato da existência de evidência clínica que suporte a atribuição causa efeito em relação a atelectasia e febre no pós-operatório e até mesmo a atelectasia como causa de febre em qualquer outro contexto.
SÍNDROME PÓS-PERICARDIECTOMIA

Está condição inflamatória está presente em até cerca de 20% dos indivíduos após cirurgias transfixando a pleura e o pericárdio. A suspeita surge no doente com aumento de PCR, Leucocitose, Febre, alterações do segmento ST difusas – sugestivas de pericardite – e/ou derrames cavitários sem outras causa identificada. Portanto, deve-se, antes de pensar nesse diagnóstico, excluir infecção ativa. Os sintomas podem ocorrer no P.O. precoce ou tardio ( semanas após). O tratamento baseia-se no uso de corticóide e anti-inflamatórios. A colchicina parece ter algum fator preventivo, porém as custas de muito efeitos colaterais, sobretudo gastro-intestinais.

Na figura abaixo, onde os Dr, Rhee, C e Sax, PE propõem um algoritmo ‘da cabeça aos pés’ do racional do exame físico e da sequência de exames complementares a serem feitos no paciente febril após cirurgia cardíaca.

Retirado de: Evaluation of Fever and Infections in Cardiac Surgery Patients. Seminars in Cardiothoracic and Vascular Anesthesia 19(2). 2015, Vol. 19(2) 143–

Grande parte dessa publicação foi baseada na leitura do seguinte artigo, o qual deixamos em destaque e sugerimos fortemente a leitura:
Chanu Rhee, MD1, and Paul Edward Sax, MD1. Evaluation of Fever and Infections in Cardiac Surgery Patients. Seminars in Cardiothoracic and Vascular Anesthesia 19(2). 2015, Vol. 19(2) 143–
153. 

Leitura Sugerida:

Andrade CL, Olvera S, Reyes PA. Fever and infection afterheart surgery. A prospective study of 75 cases. Arch InstCardiol Mexico. 1989;59:487-491.

Miholic J, Hiertz H, Hudec M, Laczkovics A, Domanig E. Fever, leucocytosis and infection after open heart surgery. A log-linear regression analysis of 115 cases. Thorac Cardiovasc Surg. 1984;32:45-48.

Mavros MN, Velmahos GC, Falagas ME. Atelectasis as a cause of postoperative fever: where is the clinical evidence? Chest. 2011;140:418-424. Disponível aqui

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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