Medicina perioperatória

Medicina perioperatória: profilaxia de embolismo venoso em cirurgias ortopédicas – o que se tem feito atualmente ?

Uma das respostas mais procuradas pelo ortopedista que solicita uma avaliação perioperatória é a respeito dos cuidados a serem tomados em relação a profilaxia de tromboembolismo venoso em seu paciente.
As cirurgias ortopédicas, de maneira especial, apresentam um potencial trombogênico importante pois resultam, em boa parte das vezes, em grau importante de imobilidade no período pós-operatório.
Sobretudo nas cirurgias ortopédicas maiores, deve-se ter atenção especial para profilaxia dessa condição.
Utilizamos nessa revisão as recomendações baseada em publicação de 2012 da CHEST sobre profilaxia de TEV em cirurgias ortopédicas, a qual serviu de base para diretrizes americanas do NGC, vinculado ao Departamento Americano de Saúde, bem como as orientações das II Diretrizes de Avaliação perioperatórias nacionais e outros estudos relevantes publicados desde então. 
CIRURGIA ELETIVA DE PRÓTESE DE QUADRIL OU DE JOELHO
Recomenda-se o uso de profilaxia para embolia venosa por 10-14 dias com um dos seguintes agentes: Heparina de Baixo Peso Molecular ( HBPM), fondaparinux, apixabano, dabigatrana, rivaroxabana, Heparina Não-Fracionada (HNF) ou varfarina com INR. Há uma grande tendência de especialistas em se considerar a ampliação da indicação por até 35 dias nesses cenários.

Com grau menor de evidência, mas ainda sim suportado pelo painel de especialistas, estaria a indicação de meias de compressão pneumática intermitentes (MCPI)  também como opção ao uso.
Desses fármacos, a grande experiência tem sido com as HBPM, notadamente a enoxaparina e, nos últimos anos, com os novos anticoagulantes orais, os quais tem a grande facilidade pelo seu uso ORAL e com cada vez mais estudos mostrando que, no cenário eletivo, a utilização desses fármacos parecem ser seguros

Quando houver risco de sangramento elevado ou alguma contra-indicação a terapia farmacológica, como: plaquetopenia, coagulopatia com INR > 1,5, HAS descontrolada ( PAS > 180 e/ou PAD > 110), úlcera péptica ativa ou sangramento ativo, recomenda-se o uso de MCPI.

Não se recomenda o uso de AAS ou uso de meia elástica compressiva (MEC) de maneira isolada para fins de prevenção. Conduto, sobretudo a meia elástica, pode ser utilizada de maneira adjuvante a profilaxia química.

Na prática:

– Enquanto internado ( tanto em joelho quanto em quadril):
Profilaxia farmacológica com HBPM preferencialmente + MCPI (se não houver MCPI no seu serviço, faça uso MEC de média/alta compressão)
– Após a alta:
Prótese de quadril: profilaxia farmacológica por 35 dias da cirurgia + MEC de média/alta compressão pelo menos período
Prótese de joelho: profilaxia farmacológica por 14 dias da cirurgia + MEC de média/alta compressão pelo menos período. Pode-se extender por até 35 dias a depender do julgamento clínico e número dos fatores de risco adicionais
Caso seja contra-indicado a profilaxia farmacológica: MCPI por 35 dias
CIRURGIA DE FRATURA DE QUADRIL
Recomenda-se o uso de profilaxia para embolia venosa por pelo menos 10-14 dias com um dos seguintes agentes:
Heparina de Baixo Peso Molecular (HBPM) – p.e. a enoxaparina, Heparina Não-Fracionada (HNF) ou varfarina com INR.  Há uma grande tendência de especialistas em se considerar a ampliação da indicação por até 35 dias nesses cenários.

Com grau menor de evidência, mas ainda sim suportado pelo painel de especialistas, estaria a indicação de MCPI também como opção ao uso. 

A grande diferença é que, em um cenário não eletivo, ainda não se recomenda o uso dos novos anticoagulantes orais e que a HBPM assumiria um papel mais vantajoso em relação aos outros fármacos subcutâneos.

Não se recomenda o uso de AAS ou uso de meia elástica compressiva (MEC) de maneira isolada para fins de prevenção. Conduto, sobretudo a meia elástica, pode ser utilizada de maneira adjuvante a profilaxia química.

Na prática:

– Enquanto internado: HBPM + MCPI (se não houver MCPI no seu serviço, faça uso MEC de média/alta compressão)

– Após a alta: HBPM até 35 dias da cirurgia + MEC de média/alta compressão pelo menos período
– Caso seja contra-indicado a profilaxia farmacológica: MCPI por 35 dias

PROCEDIMENTOS POR ARTROSCOPIA DE JOELHO

A artroscopia do joelha é feita na maioria das vezes em esquema ambulatorial e grande parte da sua população é de jovens. Correspondem a uma boa parte dos procedimentos cirúrgicos no mundo. Nos EUA, é a terceira cirurgia ortopédica mais comum. Uma coorte japonese de 2006-2013, englobando 2623 pacientes com média de idade de 33 anos avaliou complicações relacionadas ao procedimento nessa população. Quando a embolia venosa, nenhum paciente fez uso de profilaxia farmacológica e não foi detectado NENHUM caso de trombose venosa profunda ou tromboembolismo pulmonar. Em outra coorte americana utilizando 4833 pacientes, apenas 18 (0,4%) doentes desenvolveram embolia venosa e sobretudo em idosos, em pacientes internados previamente e com outros fatores de risco ( 1 tinha neoplasia, 1 estava gestante, 2 infecções ativas e 3 com trauma recente )

Em pacientes que não tenham nenhum outro fator de risco para embolismo venoso, recomenda-se apenas a indicação de deambulação o mais precocemente possível.

Caso o doente tenha algum outro fator de risco adicional – ganhando peso a história de embolia venosa prévia – ou que seu procedimento evolua com tempo maior que o esperado pondera-se o uso de profilaxia farmacológica, apesar da baixa evidência de literatura para isso. O tempo não está bem definido nas diretrizes. Acreditamos que manter de 7 dias seria uma opção razoável.
Nesse cenário, prefere-se as HBPM ou os NOACs – rivaroxabana, dabigatrana ou apixabano.

Na prática:


–  Se não há fator de risco a adicional para embolia: deambulação precoce
– Se há fator associado, sobretudo história de TVP/TEP prévio: discutimos junto ao paciente e indicamos profilaxia farmacológica por 7 dias.
– Caso seja contra-indicado a profilaxia farmacológica: MCPI por 7 dias

Figura 1 – Retirado do texto do Projeto Diretrizes sobre profilaxia de embolismo venoso. Disponível aqui

CIRURGIAS ISOLADAS POR PATOLOGIAS DISTAIS AO JOELHO:

Para pacientes que serão submetidos a procedimentos abaixo do joelho ( fraturas, ruptura de ligamento, dano a cartilagem,..)requerendo algum período de imobilização, recomenda-se apenas a indicação de deambulação o mais precocemente possível.

Outras situações devem ser individualizadas entre equipe médica e paciente.

CIRURGIAS DE COLUNA

Há pouca literatura a respeito de cirurgias da coluna e risco de TEV. A publicação mais importante nesse caso é a da North America Spinal Sugery, de 2009, que pode ser vista aqui

Um dos medos em relação a uso de anticoagulação seria a possibilidade de se desenvolver um hematoma epidural.

As abordagens posteriores para procedimentos menores não parecem ser de baixo risco para TEV  e, habitualmente, não requerem profilaxia farmacológica. Em cirurgias maiores, com abordagens combinadas antero-posterior(circunferenciais) ou em pacientes de alto risco – politrauma, neoplasias ou múltiplos fatores de risco para TEV, a profilaxia com medicamentos seria recomendável.

Contudo, não há definição clara e cada caso tem de ser individualizado. Cabe a equipe médica do perioperatório, juntamente ao cirurgião de coluna, pesarem os riscos x benefícios da abordagem.

Na prática:

Em indivíduos saudáveis, sem outras fatores para tromboembolismo venoso ( TEV ) e com cirurgias não-prolongadas e com abordagem posterior: recomenda-se a deambulação precoce, podendo-se associar profilaxia mecânica.

Para indivíduos com fatores de risco adicionais para TEV (vistos na figura 1): considera-se o uso de profilaxia química com HBPM ou HNF podendo ser associados a método mecânico (MCPI ou MEC)

Para indivíduos com fatores de risco adicionais para TEV e que, por peculiaridade cirúrgica, sejam considerados de risco para sangramento, sobretudo hematoma epidural, recomenda-se o uso de método mecânico: MCPI (preferencialmente) ou MEC.

Em todas a situações, quando indicada, a profilaxia mecânica deve ser instituida já no pré-operatório.

A profilaxia farmacológica, quando indicada, deve ser iniciada no pós-operatório, idealmente no primeiro P.O. e, nesse caso, deve-se ter bastante vigilância em relação ao exame neurológico do paciente para rastreio de possíveis alterações secundárias a compressão neural de medula espinhal.

O tempo de profilaxia também não está claro na literatura. Acaba-se fazendo até a alta hospitalar ou prolongando-se a critério da equipe por período a ser determinado caso-a-caso.

CIRURGIAS DE RESSECÇÃO DE TUMOR ÓSSEO

O mix de ‘cirurgia ortopédica associado a cirurgia oncológica’ gera um alerta vermelho em relação ao risco de embolia venosa. Qual conduta então em relação as cirurgias para ressecção de tumores ósseos? Por incrível que pareça, essa é uma pergunta difícil de ser respondida atualmente pelo pouco número de estudos e pacientes envolvidos em pesquisas clínicas, haja vista que os tumores do sistema ósteo-musculares não são tão comuns. A própria epidemiologia da embolia venosa nesse cenário ainda está ‘engatinhando’.

Não há nenhuma recomendação clara envolvendo especificamente esse tipo de paciente em nenhuma diretriz nacional ou internacional vigente. Muito do que se tem feito acaba vindo extrapolado do contexto de pacientes oncológicos, sobretudo os guidelines da ASCO – American Society of Clinical Oncology.

Nesse cenário, não estão aprovados nenhum novo anticoagulante oral. As opções recaem sobre as heparinas:  HBPM (preferencialmente) ou Heparina Não-Fracionada.

O uso concomitante de métodos mecânicos de profilaxia é recomendado, sobretudo quando risco cirúrgico for aumentado.

Na prática:


– Enquanto internado: HBPM + MCPI (se não houver MCPI no seu serviço, faça uso MEC de média/alta compressão)

– Após a alta: HBPM até se completar 14 dias da cirurgia  + MEC de média/alta compressão por igual período. Em pacientes com múltiplos fatores de risco para embolismo venoso, submetidos a cirurgias de ressecção de tumor em quadril ou procedimentos de longa duração, deve-se individualizar caso-a-caso e considerar extensão da profilaxia por 4 semanas.
– Caso seja contra-indicado a profilaxia farmacológica: MCPI ( se não houver MCPI no seu serviço, faça uso MEC de média/alta compressão ) pelo mesmo período acima recomendado.

MEIA DE COMPRESSÃO PNEUMÁTICA INTERMITENTE (MCPI) É A MESMA COISA DE MEIA ELÁSTICA COMPRESSIVA (MEC)?


Não! Quando nos referimos as MCPI durante esse texto estamos abordando é um dispositivo que gera pulsos intermitentes de ar comprimido para insuflar seqüencialmente  múltiplas câmaras em perneiras acopladas ao doente, iniciando-se no tornozelo e
movendo-se através das pernas em direção à coxa. O sistema promove compressões a intervalos pré-estabelecidos de maneira a adequar o tempo para reabastecimento do retorno venoso
conforme a necessidade do paciente, através de um sensor presente na perneira. Eles existem em forma portátil e, para serem considerados efetivos, devem ter sensor de uso adequado – indicando o correto posicionamento do aparelho junto ao corpo do doente – e devem ser utilizados pelo menos 18h durante o dia. O aparelho é colocado, quando possível, horas antes do início da cirurgia e são utilizado continuamente até quando cesse o período indicado de profilaxia. Naturalmente, para procedimentos ortopédicos de membros inferiores, a compressão inicia-se no pós-operatório. Devem ficar juntos ao paciente sempre que estiver em repouso, devendo ser retirados sempre que doente estiver deambulando.

Custo: em uma faixa de 300-500 reais

As meias elásticas de compressão tem muito menos evidência de literatura em relação as MCPI. Contudo, parecem ter efeito na redução de eventos de embolia venosa, mas em menor grau que as MCPI. Sendo assim, só seriam indicadas quando não houvesse nenhuma possibilidade do uso de MCPI . Nesse cenário, indicamos meias de média (18-21 mmHg) ou alta (20-30 mmHg) compressão.

Ilustração de um modelos de MPCI.
Ilustração de um modelo de meia elástica compressiva. Fonte: imagem da internet  aqui

QUANDO DEVE-SE INICIAR A PROFILAXIA ?


HBPM – Enoxaparina:
Pode-se iniciar 12h antes ou 12h após o procedimento na dose de 40 mg 1xd. Em pacientes com outros fatores predisponentes a embolia venosa: portadores de neoplasia, obesos, com varizes optamos por realizar o início da profilaxia antes mesmo do procedimento, desde que se respeite a distância de pelo menos 12 horas.

HBPM – Dalteparina:
5000 Unidades 12 h antes da cirurgia e depois 5000 Unidades 1x ao dia

Heparina Não-Fracionada:
5000 Unidades 12 h antes da cirurgia e depois 5000 Unidades 3x ao dia

Fondaparinux:
Inicia-se na dose de 2,5 mg cerca de 6-8 horas após o procedimento.


Dabigatrana:
Inicia-se de 1 a 4 horas após a cirurgia na metade da dose, com 110 mg. No dia seguinte. deixa-se a dose de 220 mg 1xd. Em pacientes
com disfunção renal moderada, pacientes acima de 75 anos
e naqueles recebendo amiodarona, preconiza-se reduzir a
dose padrão para 150 mg/dia (dose inicial de 75 mg, seguida
da dose padrão de 150 mg, uma vez ao dia).

Rivaroxabana:
Inicia-se após uma adequada hemostasia. Habitualmente a o medicamento é feito de 6-10h após o procedimento.

Apixabano:
Fazer 2,5 mg iniciando-se de 12-24h após terminada a cirurgia.

Em todos os pacientes deve-se enfatizar a importância da deambulação precoce como medida adjunta.


Para mais detalhes dos novos anticoagulantes veja aqui

BUSCA DE TROMBOSE VENOSA PROFUNDA (TVP) EM PACIENTES ASSINTOMÁTICOS

Não se recomenda o rastreio de embolismo venoso com ultrassonografia em pacientes que não tem sintomas ou sinais de embolismo venoso no perioperatório. Estudos de moderada qualidade não mostraram benefícios em se tratar possível TVP em pacientes sem clínica, mas, de maneira contrária, evidenciaram aumento de risco de sangramento importante associada a essa prática.

EXPECTATIVAS

Nos próximos anos, os anticoagulantes orais devem ganhar cada vez mais espaço nesse cenário a medida que o uso mais abrangente e novos estudos avaliando sua segurança e eficácia, incluindo número maior de doentes, sejam realizados. As novas diretrizes a serem lançadas devem aumentar o elenco de procedimentos em que esses fármacos serem recomendados.

Leitura sugerida:
Prevention of VTE in Orthopedic
Surgery Patients. Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis,
9th ed: American College of Chest Physicians
Evidence-Based Clinical Practice Guidelines – 2012. Disponível aqui

Recomendações do National Guideline Clearinghouse sobre embolia venosa em cirurgias ortopédicas. Disponível aqui

II Diretrizes de Avaliação Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2011. Disponível aqui

Venous
Thromboembolism Prophylaxis and Treatment in Patients With Cancer:
American Society of Clinical Oncology Clinical Practice Guideline Update
2014 Disponível aqui e também aqui

Prevention of venous thromboembolic disease in surgical patients em uptodate.com/online acessado em set/2015. Disponível aqui

Risk and prevention of venous thromboembolism in adults with cancer em uptodate.com/online acessado em set/2015. Disponível aqui

Incidence of Venous Thromboembolism after Elective Knee
Arthroscopic Surgery: A Historical Cohort Study J Thromb Haemost. 2013 July ; 11(7): . doi:10.1111/jth.12283. Disponível aqui

Real-world data confirm clinical trial outcomes for rivaroxaban iorthopaedic patients. Real world data confirm clinical trial outcomes for rivaroxaban in orthopaedic patients. Curr Orthop Pract.  2015. May; 26(3): 299-305. Disponível aqui

Hagino T e cols. Complications after arthroscopic knee surgery. Arch Orthop Trauma Surg (2014) 134:1561–1564. Disponível aqui
Biermann JS. Incidence and Risk Factors for Pulmonary Embolism After
Primary Musculoskeletal Tumor Surgery.Clin Orthop Relat Res (2013) 471:3317–3318. Disponível aqui

Oliveira L e cols. Atualização em tromboprofilaxia em cirurgias eletivas da coluna vertebral. Revisão sistemática.Coluna/Columna. 2014; 13(2):143-6 Disponível aqui

North America Spine Surgery Clinical Guidelines – Antithrombotic Therapies in Spine Surgery. 2009. Disponível  aqui

Figueredo M. A terapia de compressão e sua evidência. J Vasc Bras. 2009;8(2):100-102. Editorial Disponível aqui

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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