Cardiologia Geral

Monitorizando o uso da varfarina: posso deixar para checar o TP de 6 em 6 meses?

Os pacientes com necessidade de anticoagulação são um dos clientes mais assíduos de todo serviço ambulatorial, uma vez que,além das consultas de rotina, faz-se necessário o contato médico frequente para ajuste das doses do nível do INR/TP (Tempo de Protrombina).

Cada serviço/profissional adota uma estratégia. Alguns, com mais estrutura, dispõem de equipe própria (médico, enfermeiro, farmacêutico e assistente social) em ambulatórios de anticoagulação para execução exclusiva dessa tarefa – as chamadas ‘clínicas de anticoagulação’. Em outros cenários, o uso dos smartphones e seus respectivos serviços de mensagens fazem com que o médico muitas vezes execute as mudanças pertinentes a dose da varfarina de maneira remota, dispensando a ida presencial do paciente para fins exclusivos de ajustes do TP.

Contudo, ainda é muito comum em diversos centros a presença física do doente/familiar para checar o TP e isso acaba resultando em 2 situações:

  1. Sobrecarga da equipe assistencial, uma vez que tem de dividir seu tempo entre atendimentos ambulatoriais em e a ‘fila extra’ para checar o TP.
  2. Transtorno para paciente/família, que muitas vezes acaba deslocando-se de locais distantes do centro hospitalar, perdendo o dia de trabalho, arcando com gastos de transporte e alimentação para realizar a simples coleta do  TP – em geral pela manhã -, aguardar o resultado ser liberado e levar presencialmente o mesmo para a equipe médica realizar os ajustes necessários, ou seja, perde basicamente 1 dia útil apenas para ser feito o controle do TP.

Essa situação acaba gerando um questionamento inevitável por parte dos doentes:

                       ‘Doutor, não dá para deixar para checar meu TP de 3/3 meses? 6/6 meses?’

Em artigo de 2001 publicado na CHEST e intitulado Managing Oral Anticoagulant Therapy os autores apresentam dados interessantes. Um deles é a tabela abaixo utilizando dados de diversos estudos clínicos sobre o uso de varfarina e algumas de suas características. Note que os estudos monitorizavam o TP em uma média não maior a 30 dias ( chegando no máximo a 6 semanas de intervalo).

ttr

Cabe lembrar que a eficácia dos inibidores da vitamina K, do qual o Marevan é o produto comercial mais amplamente conhecido, é medido por um índice que avalia a quantidade de medidas dentro da faixa pré-estabelecida em determinado período de tempo ( do inglês, Time in Therapeutic Range – TTR) e essa, quando avaliada em estudos clínicos, deveria ficar ao menos acima de 65-70%.

Resultados de estudo publicado no JACC, nesse ano corrente de 2016, e intitulado TIME IN THERAPEUTIC RANGE (TTR): ANALYSIS IN A LARGE OBSERVATIONAL COHORT TAKING WARFARIN FOR CHADS2 MEASURED RISK IN NON-VALVULAR ATRIAL FIBRILLATION PATIENTS, que avaliou o TTR em pacientes com FA não-valvar são alarmantes, uma vez que em uma população de mais de 23 mil pacientes, a média de TTR era de 42% e apenas doentes apenas 4% conseguia TTR >70%. Além disso, observou que quanto maior era o risco trombótico do doente, maior a chance de o mesmo não ter um TTR aceitável.

Esse evidência vem a ser somada com a diversos outros estudos, como análise do registro do ORBITY-AF, demonstrando que os indíviduos de maior risco de evento trombótico e de sangramento – aqueles com disfunção renal, IC avançada, fragilidade, cirurgia valvar prévia e valores altos de CHA2DS2-VASc e ATRIA – são justamente os quais ficam o MENOR TEMPO DENTRO DA FAIXA ESTIPULADA DE INR.

Em interessante estudo publicado em 2011 no Annals of Internal Medicina, Schulman, S e cols avaliaram 250 indivíduos em centro no Canadá, em desenho de não-inferioridade, sobre a segurança entre medidas de TP de a cada 4 semanas x 12 semanas.

Para participar do estudo os pacientes que tinham o  TP em dose ESTÁVEL nos últimos 6 meses e eram acompanhados em clínica de anticoagulação.

Ao final do seguimento, observou-se que a medidas a cada 12 semanas foram não inferiores a cada 4 semanas. Contudo, cabe frisar alguns pontos:

  • O estudo se deu em contexto de usuário de clínica de anticoagulação, com apenas 250 pacientes e em um único centro no Canadá
  • Apesar de só terem o TP avaliado a cada 12 semanas, os pacientes eram avaliados mensalmente pela clínica de coagulação para coleta de ‘TP’ placebo e era reforçada a aderência medicamentosa.
  • Há necessidade de estudos com maior volume de paciente para se avaliar em um cenário mais abrangente a real segurança dessa estratégia

MENSAGENS:

  1. A eficácia e segurança do uso da varfarina dependem do tempo em que o doente está na faixa terapêutica definida.
  2. Uma vez optado pelo uso da varfarina como anticoagulante, busque, incansavelmente, manter o TTR acima de 65-70%.
  3. Medidas em intervalos maiores do que 30-42 dias não foram testadas na grande maioria dos estudos clínicos e, por isso, devemos ter esses intervalos como uma referência na hora de considerar intervalo máximo de medidas entre o TP.  Intervalo maior de checagem entre os TPs ainda precisam ser melhor avaliados por estudos clínicos, mas certamente serão restritos a doentes com inequívoca estabilidade do TP, ou seja, valores repetidamente na faixa por longos períodos de tempo sem necessidade de mudança de dose.
  4. Busque em sua rotina maneiras de facilitar o controle do TP por parte do seu paciente, seja através de monitorização telefônica, via mensagens de texto, email, dentre outras.
  5. A depender do poder aquisitivo de seu doente e da facilidade/dificuldade em dirigir-se a algum laboratório, avalie a possibilidade de aquisição de aparelho portátil para medida do INR. Muitos aparelhos já foram testados em grandes estudos e, de uma maneira geral, se mostram equivalentes a dosagem sérica do TP.
  6. Nos pacientes de maior risco trombótico e também naqueles de maior risco de sangramento, uma monitorização mais frequente ( 15 dias ou menos) poderá ser necessária!
  7. Revise rotineiramente as orientações em relação a alimentação, interação medicamentosa e uso de álcool.
Leitura sugerida:
Managing Oral Anticoagulant Therapy. CHEST 2001; 119:22S–38S
E. Lader e cols. Warfarin therapeutic monitoring: is 70% time in the therapeutic range the best we can do? Journal of Clinical Pharmacy and Therapeutics (2011)
Rose, AJ e cols. Reexamining the Recommended Follow-up Interval After Obtaining an In-Range International Normalized Ratio Value.  Results from the Veterans Affairs Study to Improve Anticoagulation. CHEST / 140 / 2 / AUGUST, 2011Sam Schulman e cols. Warfarin Dose Assessment Every 4 Weeks Versus Every 12 Weeks in Patients With Stable International Normalized Ratios. Ann Intern Med. 2011;155:653-659
STABLE Results: Warfarin Home Monitoring Achieves Excellent INR Control.Am J Manag Care. 2014;20(3):202-209
Pokorney, SD e cols. Patients’ time in therapeutic range on warfarin among US patients with atrial fibrillation: Results from ORBIT-AF registry. July 2015Volume 170, Issue 1, Pages 141–148.e1
Garcia, DA e Hull, RD.Warfarin and other VKAs: Dosing and adverse effects. Uptodate.com/online acessado em set/2016
Orna Reges; Morton Leibowitz; Moshe Hoshen; Yoav Arnson; Ran Balicer; Moti HaiTIME IN THERAPEUTIC RANGE (TTR): ANALYSIS IN A LARGE OBSERVATIONAL COHORT TAKING WARFARIN FOR CHADS2 MEASURED RISK IN NON-VALVULAR ATRIAL FIBRILLATION PATIENTS.J Am Coll Cardiol. 2016;67(13_S):883-883. doi:10.1016/S0735-1097(16)30884-1

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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