Você sabia?

Pulso femoral durante a parada: arterial ou venoso ?

É comum nos depararmos com as seguintes situações no atendimento da parada cardiorrespiratória intrahospitalar:
1) Algum profissional de saúde fica, durante a realização de compressões torácicas, com a mão no pulso femoral do paciente numa tentativa de “ganhar tempo” e antecipar a verificação do pulso do paciente (Apesar de não haver nenhum recomendação nesse sentido!!)
2) Necessidade de passagem de catéter em veia femoral para administração de fármacos devido a dificuldade de obtenção de acesso venoso periférico. 
Estas situações geralmente ocorrem em ambientes com número elevado de profissionais de saúde durante o atendimento da PCR.
Porém, todos os estudos que foram realizados até o momento afim de distinguir a origem do pulso femoral na vigência de compressões torácicas, sugerem que o pulso na parede seja de origem venoso. Isto é, o pulso que é sentido na região inguinal do paciente durante a realização de compressões torácicas é, na verdade, oriundo do fluxo sanguíneo na veia femoral.
O primeiro estudo datado de 1996 – disponível aqui e publicado na revista da Sociedade Americana de Medicina de Emergência comparou o uso do USG versus referências anatômicas em PCR para obtenção de acesso venoso femoral. O uso da ultrassonografia apresentou uma taxa de sucesso maior, atribuída pelos autores pelo fato do pulso femoral em vigência de compressões torácicas ser venoso ( que já havia sido demonstrado em estudo experimentais de cachorro)
Outro estudo interessante neste contexto e publicado este ano no American Journal of Emergency, testou, através de um modelo experimental de PCR em porcos, a hipótese de que o uso do valor de p02 seria superior a avaliação da cor da amostra em discriminação de pulso arterial ou venoso. No entanto não houve diferença  de acordo com a coloração da amostra (vermelho vivo arterial versus vermelho escuro).
Porque o pulso durante a realização de compressões torácicas seria venoso e não arterial ?

A principal hipóteses dos autores é de que as compressões transmite igualmente ondas de pulso para o sistema arterial e venoso, porém pelo fato das veias serem menos espessas, com menos musculatura e consequemente mais distensíveis a transmissão do pulso ocorre mais facilmente neste sistema.
Pulso femoral ( setas em azul). 1) A esquerda, durante realização de compressão torácica e 2) A direita durante fase de relaxamento. Note distensão da veia femoral com aumento do seu diâmetro durante a compressão, o diâmetro da artéria femoral não varia de acordo com a fase do ciclo de reanimação. 
Comparação da taxa de sucesso de cateterização da veia femoral. Note que o uso a porcentagem de sucesso apresentou p> 0,05 mas com grande tendência a favorecer o acesso por USG

Mas qual a utilidade prática de saber isso ?

1) Cuidado ao checar o pulso durante ritmo elétrico passível de pulso
Muito provavelmente a localização do pulso femoral durante a parada não será no mesma localização do pulso gerado durante as compressões torácicas
2) Cuidado com a técnica utilizada para cateterização da veia femoral durante a parada
Tradicionalmente faz-se a punção 0,5-1,0 medial ao pulso, porém durante compressões torácicas talvez o método mais efetivo seja a punção diretamente sobre o pulso ( uma punção medial ao pulso com direcionamento lateral da ponta da agulha a 45o também parece ser seguro)
3) Se tiver um USG disponível, use-o ( caso tenha experiência em acesso guiado por USG) 
4) Se durante a tentativa de punção da veia femoral obtiver fluxo de sangue vermelho escuro confie que está na veia femoral

Escala de brilho do sangue de acordo com o modelo de cor vermelho,verde e azul ( RGB colour model). No estudo experimental durante a PCR as amostras de sangue arterial oscilaram entre os valores 4 a 7 e as amostras de sangue venoso entre os valores 1 e 2.
Leitura recomendada:

1) Real-time ultrasound-guided femoral vein catheterization during cardiopulmonary resuscitation

2) Reliability of blood color and blood gases in discriminating arterial from venous puncture duringcardiopulmonary resuscitation

Sobre o Autor

Caio de Assis Moura Tavares

Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo. Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Atualmente é médico assistente do Departamento de Cardiogeriatria do InCor-HC-FMUSP.

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