O que existe de alterado neste ECG?
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Imagine que você está atendendo em seu consultório uma paciente de 25 anos de idade e com histórico de uma cirurgia cardíaca prévia na infância. Negava outras comorbidades.
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O Eletrocardiograma inicial desta paciente se encontra evidente acima. Quais as alterações deste ECG?
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As duas maiores alterações que encontramos neste traçado são uma “pausa sinusal” no início do registro do DII longo, em que não existe uma onda P tampouco um QRS, e uma alteração de repolarização de V1-V5 do tipo infradesnivelamento discreto do segmento ST associado a inversão de onda T assimétrica. Se observado com calma, percebe-se ainda uma onda R um pouco maior que o habitual em V1 (complexo RS) e uma voltagem significativa do QRS em V2-V3, ainda com uma “zona de transição precoce”.
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A causa desta “pausa sinusal” é uma Bloqueio Sinoatrial de Segundo Grau Tipo II, e a causa do infra de ST + inversão assimétrica de onda T de V1-V5 é uma Sobrecarga de Ventrículo Direito (VD), sendo este sinal também chamado de strain do VD. Vamos começar com o primeiro e depois discutiremos o segundo achado.
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Os Bloqueios Sinoatriais habitualmente entram no diagnóstico diferencial das chamadas “pausas sinusais”, que é quando temos uma pausa no ECG causada por uma aparente ausência de ondas P (lembrem-se, se a pausa fosse caracterizada por presença de onda P porém sem QRS, por definição temos um Bloqueio Atrioventricular). Sempre que nos deparamos com este achado, devemos pensar em 5 causas principais:
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(1) Parada sinusal por disfunção ou doença do nó sinusal
(2) Bloqueios Sinoatriais em seus mais variados graus
(3) Extrassístoles supraventriculares bloqueadas que estão “escondidas” em ondas T anteriores
(4) Arritmia sinusal (respiratória ou raramente secundário a intoxicação digitálica)
(5) Síndromes bradi-taqui ou taqui-bradi – pausas geradas em contexto de entrada e saída de eventos de arritmias supraventriculares, habitualmente fibrilação atrial e também uma manifestação da doença do nó sinusal.
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Falando especificamente dos Bloqueios Sinoatriais (do inglês, sinoatrial exit block), estes consistem basicamente em uma dificuldade do estímulo elétrico em sair do nó sinusal e então despolarizar o átrio direito. Isto ocorre habitualmente no contexto da doença do nó sinusal, em que a fibrose degenerativa do nó sinusal e seus tecidos dificulta essa passagem, no entanto pode ocorrer também em pós operatórios de cirurgias cardíacas envolvendo o átrio, por cicatrizes atriais próximas ao nó sinusal, ou por procedimentos de ablação envolvendo o átrio D.
Eles são classificados em 3 tipos:
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(1) Bloqueio Sinoatrial de primeiro grau – prolongamento significativo para que o impulso elétrico gerado no nó sinusal alcance os átrios. Este tipo de bloqueio só pode ser identificado durante o Estudo Eletrofisiológico.
(2) Bloqueio Sinoatrial de segundo grau tipo I – prolongamento progressivo do intervalo para saída do estímulo elétrico do nó sinusal até efetivamente bloquear (chamada Periodicidade de Wenckebach). No ECG de superfície identifica-se um intervalo P-P progressivamente menor até finalmente ocorrer uma pausa sem P.
(3) Bloqueio Sinoatrial de segundo grau tipo II – semelhante ao tipo I, porém sem a Periodicidade de Wenckebach. No ECG de superfície observa-se uma pausa precedida por um intervalo P-P regular. A pausa é ainda um múltiplo do intervalo P-P basal.
(4) Bloqueio Sinoatrial de terceiro grau – bloqueio total da saída do estímulo do nó sinusal, que se manifesta como uma ausência de P. O ritmo de base normalmente é comandado por outro sitio (normalmente juncional). É impossível diferenciar este quadro de uma parada sinusal, a não ser no Estudo Eletrofisiológico.
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As Sobrecargas de Ventrículo Direito, por sua vez, são definidas eletrocardiograficamente por:
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(1) Desvio do eixo elétrico do coração para a direita (> 90o em adultos e > 110o em crianças)
(2) Alterações do complexo QRS em V1: ondas R amplas, complexos RS, Rs, Rsr’ ou rS
(3) Alterações da voltagem do complexo QRS: R de V1 > 7mm, S de V1 < 2 mm, R de V1 + S de V5 ou V6 > 10,5mm e onda R em aVR > 5mm.
(4) complexo RS ou rS em derivações precordiais direitas
(5) Aumento do tempo de ativação ventricular em derivações orientadas para a direita
(6) Alterações da repolarização ventricular em derivações precordiais direitas.
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Estes critérios acima são considerados de sensibilidade baixa e especificidade moderada, sendo que frequentemente encontramos apenas alguns destes critérios frente a um paciente com sobrecarga de VD.
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No caso da nossa paciente, ela havia sido submetida a uma correção de CIV aos 9 anos de idade (acesso pelo átrio direito), porém já no pré-procedimento mostrava sinais de Hipertensão Pulmonar por remodelamento vascular. O último Ecocardiograma mostrava VD com dilatação importante, hipertrofia moderada e função preservada, porém com Pressão Sistólica do VD (PSVD) estimada em 94. Provavelmente esse antecedente justifica os achados eletrocardiográficos.
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Referências
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Sanches, Paulo César R. Eletrocardiograma: uma abordagem didática / Paulo César R. Sanches, Paulo Jorge Moffa. São Paulo: Roca, 2010.