A dor no P.O. é um item importante a ser controlado e, talvez, um dos aspectos que mais impactará física e psicologicamente o paciente. Sendo assim, a algia após esternotomia é assunto que deve sempre chamar a atenção e pesquisada como um sinal vital. Apenas recentemente a dor pós-operatória tem sido reconhecida como um importante fator de risco para cronificação da dor. Apesar de alguns alguns estudos retrospectivos concluírem que a algia pós-esternotomia é considerada de leve-moderada intensidade na maioria dos casos, porém cronifica-se em até 50% dos casos, dos quais até 3% irão experimentar a ‘cronificação’ da dor de forte intensidade.
A dor aumenta a descarga simpática e humoral, prejudica a amplitude respiratória – podendo até mesmo ter correlação com infecção pulmonar – piora a qualidade do sono, está associada a transtornos de ansiedade/depressão no peri-operatório, resulta em demora na deambulação do doente e impacta na relação médico-paciente, uma vez que sua presença gera insatisfação do paciente/família.
Infelizmente, ainda é comum que esse quesito seja negligenciado em muitos pacientes. Além disso, muitas vezes é subtratada por falta de familiaridade com drogas analgésicas e por medo de possíveis efeitos colaterais, fazendo com que o doente fique privado da sensação de bem-estar de ter sua dor controlada.
Especificamente no P.O. de cirurgica cardíaca o doente tem múltiplas causas: a própria esternotomia, a presença de drenos torácicos, a incisão da safenectomia (nos casos de cirurgias de revascularização miocárdica) ou pelo tempo prolongado em decúbito dorsal pela restrição ao leito, que poderá a exacerbar dorsalgias até então controladas antes do ato operatório.Na maioria dos casos, a inserção do dreno e a incisão esternal, principalmente se houver dissecção da artéria mamária, são as principais causas de dor no pós operatório. Geralmente o paciente se queixam de dor em queimação ou pressão no sítio cirúrgico.
A analgesia pós operatória inicia-se antes mesmo do ato cirúrgico, ou seja, durante a visita pré anestésica, onde o anestesista/clínico irá também discutir com o paciente sobre o histórico de dor crônica, uso de opióides prévios , a medicação pré-anestésica e o passado de dor/náuseas em cirurgias anteriores e juntamente com a equipe cirúrgica, a analgesia deve ser combinada em equipe (anestesia-cirurgião-paciente), avaliando os riscos/ benefícios e individualizando para cada caso. Nesse caso o paciente é o ser ativo e sua opinião também é de extrema importância para qual analgesia devemos optar.
Seja um abordagem peridural torácica ou paravertebral, que hoje ganhou bastante espaço com a técnica usada com USG ou bloqueios de parede torácica, como o plano SERRÁTIL, que tem a vantagem de não alterar a hemodinâmica do paciente e isentando também dos riscos de formação de hematomas profundos em pacientes que poderão ficar anticoagulados. Nos casos em que os bloqueios são contra-indicados, a analgesia controlada pelo paciente por via endovenosa(PCA-EV) torna-se a a de primeira escolha.
Estudos mostram que a dor em repouso pós-esternotomia chega até cerca a afetar 50% dos doentes em repouso, em torno de 60% ao realizar algum tipo de movimento e até a 80% ao tossir.
De uma maneira geral, selecionamos 7 tópicos com os quais você deve ficar atento:
1) Não menospreze a sensação de dor do seu paciente. Lembre-se que a sensação de dor é subjetiva. Valorize o relato do doente, pois esse é uma das melhores ferramentas de avaliação. Faça utilização de alguma das várias escalas de dor disponível e faça isso diariamente. Pesquise ativamente tanto a dor em repouso, quando o paciente se encontra relaxado e restrito ao leito, quanto a dor incidental, representada pelos picos de dor durante à movimentação para o banho, fisioterapia ou durante a tosse. Ambas implicam em regimes analgésicos diferentes para o controle da dor
2) Tente deixar, ao menos nos primeiros dias do PO, analgesia de horário. Lembre-se que prevenir que a dor aconteça é mais fácil do que controlar o episódio já instalado.
3) Evite a via intra-muscular como forma de analgesia por dois motivos: a própria via é relacionada a dor e a absorção do fármaco é errática.
4) Não tenha medo dos opióides. Faça uso deles sempre que necessário. A via habitual de infusão ainda é a endovenosa. Contudo, lembre da possibilidade do uso de opióides por via oral como ferramenta para esses doentes. Há estudos comparando formulações de opióides orais (p.e. a oxicodona) com outras formulações parenterais e mostrando taxas de controle de dor semelhantes com as duas vias de administração, com a vantagem de maior facilidade e menor custo com a via oral. Inclusive, a recomendação de 2016 do Guideline de manejo da dor pós-operatória da Sociedade Americana de Dor aponta a via oral como preferível a EV se o paciente tiver condições de deglutir.
5) Se estiver prescrevendo opióides, lembre de vigiar o surgimento de efeitos colaterais, tais como constipação, sedação, pútrido e náuseas
6) Se o paciente for jovem, sem alteração de função renal ou uso concomitante de medicações nefrotóxicas ou fator de risco para doença ulcerosa péptica, considere um ciclo curto (2-3 dias) de uso de anti-inflamatórios como adjuvante ao uso de opióides. Pode- se fazer uso liberal do paracetamol ou dipirona, respeitando as contra-indicações específicas de cada medicação.
7) Se houver dificuldade para ajuste da dor, contacte o serviço de medicina da dor de seu estabelecimento para auxiliá-lo.
(#) Médico com graduação pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Anestesiologista com residência médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente, é residente em Medicina da Dor pela Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Currículo Lattes
Leitura sugerida
Guidelines on the Management of Postoperative Pain. The Journal of Pain, Vol 17, No 2 (February), 2016: pp 131-157. Disponível aqui
Ana Paula Santana Huang, Rioko Kimiko Sakata. Pain after sternotomy – review. Brazilian Journal of Anesthesiology (English Edition), Available online 23 April 2016
A randomised trial of oral versus intravenous opioids for treatment of pain after cardiac surgery. Journal of Anesthesia, 2013, Kurt Ruetzler, Constance J. Blome, Sabine Nabecker, Natalya Makarova, Henrik Fischer, Harald Rinoesl, Georg Goliasch, Daniel I. Sessler, Herbert Koinig
Lahtinen P, Kokki H, Hynynen M. Pain after cardiac surgery: prospective cohort study of 1-year incidence and intensity. Anesthesiology. 2006;105:794—800.