Esta postagem é a primeira postagem sobre dispositivos de assistência circulatória, que será dividida em outras 7:
I) Indicações
II) Cuidados ao se indicar um dispositivo
III) Características gerais dos dispositivos
IV) Os principais dispositivos
V) Efeito hemodinâmico dos dispositivos
VI) Manejo habitual de um paciente com dispositivo
VII) Complicações relacionadas aos dispositivos
VIII) Manejo de um paciente com dispositivo de assistência ventricular no pronto-socorro: Caso Clínico
I) Indicações
Os dispositivos de assistência circulatória começaram a serem utilizados para auxílio no manejo de pacientes com choque cardiogênico refratário a inotrópicos e vasopressores. No entanto, com a evolução tecnológica destes dispositivos e consequentemente aumento da sua segurança e resistência, passou-se a ampliar as indicações para manejo de pacientes que não estavam em choque franco, mas que permaneciam extremamente sintomáticos a despeito de terapia médica otimizada, ou ainda como uma tentativa de melhorar a qualidade de vida em pacientes com contraindicações absolutas ao transplante cardíaco. As indicações subdividem-se de acordo com a sua finalidade – suporte circulatória de maneira transitória ( “curto prazo”) ou de longa duração ( “longo prazo”).
O uso do Balão Intra Aórtico se iniciou no fim da década de 60, inicialmente em pacientes cirúrgicos, com rápida progressão do seu uso para o choque cardiogênico.
A) Indicações de implante de dispositivo ‘curto’ prazo: nesta categoria o suporte circulatório visa ou ajudar o paciente a se recuperar de uma situação extremamente crítica ou fornecer suporte por um período temporário em que algum procedimento planejado possa comprometer temporariamente o status hemodinâmico do paciente.
– Angioplastia de alto risco
– Tratamento percutâneo de valvopatias de alto risco
– Choque cardíaco refratário a inotrópicos/vasopressores
– IC avançada com instabilidade hemodinâmica importante ( pacientes provavelmente que não suportariam um implante de dispositivo de médio/longo prazo, implanta-se um dispositivo de curto prazo – que tem menor risco relacionado ao procedimento – para depois definir-se o implante de outro dispositivo). Chamado de “ponte-para-ponte”
– Dificuldade de saída de circulação extra-corpórea após cirurgia cardíaca
– Arritmias secundárias a isquemia e refratárias a tratamento clínico
– Falência aguda de transplante cardíaco (tanto de Ventrículo Esquerdo ( falência primária de enxerto) como de Ventrículo Direito( por Hipertensão Pulmonar) com suportes esquerdo e direito, respectivamente).
As principais opções para curto-prazo são: Balão Intra Aórtico, Impella, ECMO, CentriMag e Tandem Heart
B) Indicações de dispositivos para uso a médio/longo prazo podem ser dividas em:
1) Ponte para Transplante: paciente com falência de desmame de inotrópicos ou necessidade de uso de balão intra aórtico para suporte circulatório ou ainda com progressão de disfunção orgânica à despeito de inotrópicos. Usualmente pacientes em classe funcional NYHA IV e em deterioração progressiva. A indicação do dispositivo neste contexto visa a otimização hemodinâmica do paciente para receber o órgão numa condição hemodinamicamente melhor, com melhora da hipertensão arterial pulmonar e melhora do status nutricional. São pacientes que em geral encontram-se muito instáveis para esperar o transplante cardíaco sem nenhuma assistência circulatória.
2) “Ponte para eligibilidade”: indicada para pacientes com contra indicação ao transplante que é potencialmente reversível com o uso do dispositivo ( ex: disfunção orgânica secundária a IC potencialmente reversível, paciente com necessidade de perda ponderal antes de se indicar o transplante), ou para pacientes que necessitam de assistência circulatória mas a decisão sobre o transplante ainda não foi definida (. Nestes pacientes pode-se também indicar um dispositivo de ‘curto-prazo’ para avaliar a melhora da disfunção orgânica após o aumento do débito cardíaco.
3) “Ponte para decisão”: para pacientes que necessitam de assistência circulatória mas a decisão sobre o transplante/assistência circulatória ainda não foi definida por exemplo por status neurológico duvidoso. (Nestes pacientes pode-se também indicar um dispositivo de ‘curto-prazo’ para avaliar a melhora da disfunção orgânica após o aumento do débito cardíaco.
4) “Terapia de destino”: para pacientes com contraindicações absolutas ao transplante cardíaco ( vide figura 2) e com expectativa de vida superior a 1 (um) ano. Nos Estados Unidos para haver reembolso pelo convênio (Medicare) desta indicação o paciente precisa obrigatoriamente preencher os seguintes criterios: i) NYHA 4 por mais de 60 dias; ii) VO2 < 14 ou dependencia de dobutamina / BIA; iii) FEVE < 25% e iv) contra-indicação absoluta ao transplante. Atualmente essa é a maior indicação para implante de dispositivo no mundo. Quando a mortalidade estimada por scores prognósticos de Insuficiência Cardíaca ( Seattle / HFSS ) é maior que 50% em 1 ano, a possibilidade de assistência ventricular deve ser aventada.
5) Ponte para recuperação: o uso do dispositivo pode por retirar a sobrecarga do ventrículo esquerdo levar a uma recuperação do miocárdio, levando a melhora da função ventricular e consequente possibilidade de se retirar o dispositivo. Usualmente indica-se um dispositivo com esta finalidade para pacientes com disfunção ventricular progressiva e aguda (ou seja: causas potencialmente reversíveis como miocardite peri-parto, miocardite, rejeição de transplante cardíaco, …). Outro ponto interessante é que pacientes com dispositivo toleram com mais facilidades as doses da medicações testados nos estudos, facilitando uma possível recuperação.
Ressalta-se que atualmente as indicações de dispositivos de longo prazo limitam-se usualmente a paciente com perfil INTERMACS entre 1-3. A indicação para pacientes mais estáveis – NYHA CF IV “menos graves”ou seja sem necessidade de uso de inotrópicos e com INTERMACS entre 4-6 ainda é mais cautelosa e rara. Dados de um estudo não randomizado (ROADMAP ) sugerem melhora de qualidade de vida e qualidade de vida nesta população, sob o custo de eventos adversos ( sangramento, AVE, infecção) relacionados ao dispositivo. Por este motivo a decisão deve ser individualizada de acordo com número de internações por insuficiência cardíaca no último ano com necessidade de uso de inotrópicos, qualidade de vida com medicação otimizada, disfunções orgânicas associadas a insuficiência cardíaca, VO2 máximo na ergoespirometria, mortalidade prevista por scores clínicos e considerando-se os riscos inerentes ao dispositivo. Um estudo observacional prospectivo que abrange esta população (MEDAMACS) e um estudo randomizado (REVIVE-IT) estão em curso e poderão fornecer novas informações sobre o melhor manejo destes pacientes.
Os principais dispositvos de médio/longo-prazo são: Heart Mate II e III, Heart Ware, Jarvik 2000, Berlin Heart, Syncardia.
Ressalta-se que a indicação de dispositivos para pacientes em INTERMACS 3-4 deve ser restrita a pacientes refratários a terapias convencionais ( em geral > 6 meses em terapia médica otimizada), sem indicação de outros tratamentos para Insuficiência Cardíaca ( ex: Terapia de Ressincronização Cardíaca).
Leitura recomendada:
1) Stevenson LW, Pagani FD, Young JB, et al. INTERMACS profiles of advanced heart failure: the current picture. J Heart Lung Transplant 2009
2) Estep et al. Risk Assessment and Comparative Effectiveness of Left Ventricular Assist Device and Medical Management in Ambulatory Heart Failure Patients. Results From the ROADMAP Study. JACC 2015
3) Kirklin et al. Seventh INTERMACS Report
4) McMurray JJ, Adamopoulos S, Anker SD, et al. ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure 2012: The Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure 2012 of the European Society of Cardiology. Developed in collaboration with the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur Heart J 2012; 33:1787
5) Mancini and Colombo. LVAD versus Transplant. JACC 2015
6) 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure