Durante o atendimento de pacientes com insuficiência cardíaca é comum ouvirmos a seguinte queixa: “Doutor quando eu me inclino para amarrar o sapato ou pegar alguma coisa do chão eu sinto muito falta de ar”.
Por anos, a explicação científica para este sintoma, bem como sua relevância clínica, não eram bem determinados na literatura. Isso, inclusive, muitas vezes fazia com que o médico assistente não desse a devida importância a queixa do doente, sobretudo quando não se conseguia flagrar ao exame físico outros indícios de descompensação da doença cardíaca.
Foi quando em 2014, cardiologistas da Universidade do Texas, resolveram investigar este sintoma através de avaliação hemodinâmica (cateterismo direito) nesses doentes em comparação a pacientes que não referiam esta queixa utilizados como grupo controle.
Em alguns doentes também se realizou a avaliação hemodinâmica simultânea ao ato de sentar e inclinar-se para frente. O Artigo foi publicado no JACC em 2014 e incluiu pacientes com IC de FEVE reduzida, a maior parte em CF NYHA III e IV.
Figura: Bendopnéia. Imagem retirada da internet ( http://www.springermedizin.de/services/j_sprsso_security_check) |
Os achados são relevantes: aqueles pacientes que tinham BENDOPNÉIA (definida como falta de ar 30 segundos após inclinação do tronco para frente), apresentavam:
1) Perfil hemodinâmico com pressões de enchimento elevadas ( PCP – Pressão Capilar Pulmonar / PAD – Pressão em Átrio Direito ) e índice cardíaco limítrofe, denotando um perfil hemodinâmico C ( frio e úmido), tanto em decúbito dorsal horizontal como na posição sentado, quando comparados a pacientes sem bendopnéia.
2) Inclinar o tronco para frente aumenta as pressões de enchimento sem reduzir-se o índice cardíaco.
3) O sintoma bendopnéia não tem relação com a circunferência abdominal.
4) A média dos pacientes com bendopnéia foi de 6 segundos após a inclinação para referência do sintoma
Assim como no ESCAPE trial, a única alteração de exame físico destes pacientes que tem relação positiva e estatisticamente significante com a PCP elevada é a elevacão da PVJ ( Pressão Venosa Jugular )
Por que acontece ?
Durante a inclinação do torax para a frente há elevação da pressão intratorácica e consequente elevação da pressão de enchimento ventricular esquerdo e no átrio direito, esta elevação pressórica em pacientes que tem a PAD ) e PCP mais elevados e consequentemente mais próximos ao ‘limiar’ de pressão que causa dispnéia acabam tendo o sintoma quando se inclinam para frente (ex: imagine que o limiar para dispnéia seja uma PCP de 18; Um paciente com PCP 10 ao inclinar-se para frente elevará esta pressão para 16 – não atingindo o limiar e portanto sem dispnéia. Já um paciente com uma PCP de 15 deitado ao inclinar-se para frente eleva essa pressão para 21 ( acima de 18) e sente dispnéia.)
Qual a implicação para a prática clinica ?
Muitas vezes é difícil determinar se o paciente está congesto somente pelo exame físico, pacientes com bendopnéia encontram-se com uma maior probabilidade de terem pressões de enchimento elevadas, além de serem uma subpopulação mais grave pelo índice cardíaco limítrofe e que potencialmente se beneficiará de um tratamento mais agressivo e com retornos ambulatoriais mais precoces
Outro possível aplicação na prática clínica seria no grupo de pacientes com bendopnéia que melhoram deste sintoma após diureticoterapia, servindo este sintoma como um marcador precoce de hipervolemia.
Distribuição do perfil hemodinâmico dos pacientes de acordo com a presença ou não de bendopnéia. Fonte: Thibodeau et al. Characterization of a novel sym[tom of advanced heart failure: bendopnea |
Leitura sugerida:
Characterization of a novel symptom of advanced heart failure: bendopnea. JACC Heart Fail. 2014 Feb;2(1):24-31. doi: 10.1016/j.jchf.2013.07.009. Epub 2014 Jan 8.