Continuando nossa série de posts relacionados ao paciente em ECMO devemos ficar atentos a algumas possíveis complicações relacionadas a esse tipo de suporte circulatório, abaixo, destacamos algumas (uma descrição mais abrangente pode ser encontrada nas referências):
- Isquemia de membro: em paciente com punção arterial (em ECMO Veno-arterial (VA)) pode haver redução do fluxo distal ao sítio de canulação. Isso pode ser mitigado através da colocação de uma cânula de perfusão distal. A correta canulação do membro por um time com expertise no procedimento auxilia a reduzir esse tipo de complicação. Deve-se ativamente, ao menos 2-3 x ao dia, checar a perfusão distal através de medida de tempo de enchimento capilar, temperatura, cor e, se disponível, através do Doppler para detecção de pulso arterial distal.
- Complicações associadas ao sítio de punção: perfuração de outro vaso (veia ao invés de artéria e vice-versa), perfuração de eixo nervoso, hematoma local, são complicações pertinentes a qualquer tipo de acesso vascular. Contudo, em pacientes com ECMO, dado o maior calibre das cânulas, podem representar efeitos colaterais mais graves ao paciente. Por isso, a punção guiada por ultrassonografia deve ser considerada em todos os pacientes candidatos a ECMO e uma vigilância de toda equipe multidisciplinar deve ser feita em busca desse tipo de situação que, em algumas vezes, pode não ser detectada no momento da punção (por exemplo, hematoma que vai aumentando o volume ao longo de horas após a canulação da ECMO). Além disso, via de regra, esses pacientes estão submetidos a algum tipo de anticoagulação, que poderá amplificar as consequências de um acidente de punção.
- Pneumotórax: naqueles doentes com ECMO Veno-Venosa (VV) os sítios mais comuns de canulação são: cânula de drenagem (veia femoral) e cânula de retorno (veia jugular interna direita). Devido ao calibre da cânula, bem como a própria situação do pulmão do paciente, não é incomum a ocorrência de pneumotórax, que poderá, rapidamente, evoluir para pneumotórax hipertensivo, com deterioração pulmonar e hemodinâmica do paciente. Sendo assim, fique muito atento ao seguimento das radiografias de tórax e, a menor suspeita, realize USG de Tórax beira-leito, que tem maior sensibilidade para detecção de pneumotórax nessa situação.
- Sangramento: pacientes em ECMO estão mais susceptíveis a complicações hemorrágicas, seja pela anticoagulação sistêmica, seja por disfunção plaquetária associado ao sistemas de cânulas/membrana. Fique atento ao nível plaquetário (idealmente > 50 mil), níveis de TTPa ou Tempo de coagulação, idealmente monitorizados de 6/6h, bem como a quedas inexplicadas de valores de hemoglobina. A depender da situação clínica deve-se ajustar as faixas de anticoagulação para tentar manter o equilibrio entre o controle de sangramento e o risco de trombose do sistema.
- Tromboembolismo: as taxas de tromboembolismo venoso não são desprezíveis nesse perfil de pacientes. Alguns trabalham apontam taxas tão altas quanto 16-20% de tromboembolismo venoso e 70% de tromboembolismo em membros inferiores. Por isso, tenha um alto grau de suspeição. Frente a um paciente apresentando piora hemodinâmica, episódios de taquicardia sem causa aparente, deve-se pensar nessa possibilidade e avaliação através de ultrassonografia de membros inferiores e ecocardiograma, focado na função do ventrículo direito, sinais de hipertensão pulmonar, deve ser sempre buscada.
- Trombose da membrana: deve-se ficar atento ao surgimento de coágulos no circuito que podem resultar na trombose da membrana de troca. Por isso, deve-se manter sempre o nível de anticoagulação adequado, um gradiente transmembrana estável (em geral < 30-40 mmHg) e níveis adequados de ganho de PaO2 e queda de PCO2, quando comparamos as gasometrias pré e pós membrana. O que se espera é que na gaso pré-membrana o paciente tenha valores baixos de PaO2 e mais altos de PCO2 e na gaso pós-membrana os valores de PaO2 subam (idealmente para acima de 200 mmHg) e o PCO2 caia para valores dentro da normalidade (35-45 mmHg). A falha em se conseguir essa otimização mesmo com a FiO2 mais alta, mesmo com otimização dos parâmetros, deve ser uma sinalização de falha do funcionamento da membrana.
- Eventos neurológicos: a presença de AVC isquêmico ou hemorrágico pode ocorrer em até 10% desses pacientes (em séries de ECMO VA, podem chegar a valores altos quanto 50%). Sendo assim, deve-se ter um alto grau de suspeição para essas complicações.
- Síndrome de Arlequim: em pacientes com ECMO VA periférica, onde a canulação ocorre nos vasos femorais (cânula de drenagem na veia femoral e cânula de retorno na artéria femoral), pode ocorrer uma perfusão desigual entre as a extremidade superior e a extremidade inferior. Essa complicação ocorre por um dificuldade do sangue ‘oxigenado’ conseguir vencer o fluxo ‘contra-corrente’ do sangue ‘bombeado’ pelo coração que vai no sentido oposto ao do fluxo da ECMO (Fluxo cardíaco: coração -> aorta, Fluxo da ECMO: aorta ->coração). Sendo assim, pode haver uma menor perfusão das extremidades superiores, detectada por uma diferença nas PaO2 dos membros superiores e inferiores. Sendo assim, deve-se, preferencialmente, realizar a monitorização da saturação de oxigênio nos membros superiores (idealmente através da monitorização da radial direita), ao invés de membros inferiores (Felizmente, esse é o padrão mais utilizados nas rotinas de UTI!).
- Hemólise: monitorizar marcadores de hemólise (bilirrubinas, DHL, hapoglobina, bilirrubina, esquizócitos, fibrinogênio, tromboelastograma) pois essa é uma complicação possível que poderá requerer ajustes na vazão no débito do console da ECMO.
Referências:
Clinical complications during veno-arterial extracorporeal membrane oxigenation in post-cardiotomy and non post-cardiotomy shock: still the achille’s heel. J Thorac Dis. 2018 Dec; 10(12): 6993–7004.
Extracorporeal Membrane Oxygenation in Adults – Variants, Complications during Therapy, and the Role of Radiological Imaging. Rofo 2017; 189(02): 119-127
Veno-Arterial Extracorporeal Membrane Oxygenation for Cardiogenic Shock An Introduction for the Busy Clinician. Circulation. 2019;140:2019–2037. DOI: 10.1161/CIRCULATIONAHA.119.034512