Coronariopatia

Dupla antiagregação plaquetária após implante de stent coronário: 5 princípios e 1 atualização.

1-A dupla antiagregação plaquetária – DAPT: acido acetilsalicílico (AAS) + inibidor do receptor P2Y12 – é obrigatória após intervenção coronariana percutânea com implante de stent coronário principalmente para evitar a trombose desse dispositivo. Atualmente, as diretrizes recomendam que na maioria pacientes com síndrome coronária crônica (SCC) o tempo de DAPT varia entre 3-6 meses e 6-12 meses após síndrome coronariana aguda (SCA) com suspensão posterior do inibidor do receptor do P2Y12 e manutenção do AAS.

Obs: O uso de stent convencional (não farmacológico) ainda é amplamente utilizado no Brasil e na SCC é possível manter a DAPT por 1 mês. Apesar disso, o encurtamento de DAPT por 1 mês (reservado atual para paciente de muito alto risco de sangramento ou em previsão de cirurgia que não pode ser adiada tempo prolongado) deve ser preferencialmente realizado com alguns tipos de stents farmacológicos que apresentaram resultados superiores ao stent convencional.

2-Esse tópico é o MAIS IMPORTANTE. Antes de definir o tempo final de DAPT após implante de stent a análise do risco de sangramento versus risco isquêmico deve ser realizada em todo paciente. Nesse aspecto, os escores PRECISE-DAPT e o DAPT  scores são os mais utilizados e são de grande auxílio (figura 1).

European Heart Journal, Volume 39, Issue 3, 14 January 2018, Pages 213–260

  • PRECISE-DAPT <25: DAPT 6 meses na SCC e 12 meses na SCA.
  • PRECISE-DAPT ≥25: DAPT 3 meses na SCC e 6 meses na SCA.
  • DAPT ≥2: Considerar prolongamento da DAPT até 30 meses na SCC e na SCA nos pacientes que toleraram adequadamente o período inicial de DAPT.

    Além desses scores, também deve-se avaliar outros fatores não adequadamente abordados por essas ferramentas.

A) O tipo do stent: Os stents farmacológicos atuais possuem menor trombogenicidade e devem ser utilizados preferencialmente nas estratégias de encurtamento da DAPT.

B) O uso de imagem intravascular para guiar o implante do stent reduz risco de trombose e quando disponível deve ser utilizado ao se avaliar o encurtamento da DAPT.

C) A complexidade do procedimento: angioplastias de oclusão crônica, bifurcações, enxertos venosos, tronco de coronária esquerda, implante de 3 stents e comprimento total de stent >60mm. Quanto maior a complexidade, maior a duração da DAPT (mínimo de 12 meses).

D) Fatores clínicos diversos: Plaquetopenia/coagulopatias, cirrose hepática, baixo peso/fragilidade, programação de cirurgia que não pode ser adiada por período prolongado….

3-A DAPT na SCC deve ser realizada com aspirina e CLOPIDOGREL. O uso de ticagrelor e prasugrel ainda não foi adequadamente validado nessa população e seu uso é de exceção em casos de trombose de stent em uso de clopidogrel ou angioplastias complexas.

4-Na síndrome coronariana aguda deve-se preferir o uso de ticagrelor e prasugrel em relação ao clopidogrel. Atenção para as contraindicações relativas (>75 anos, <60kg) e a contraindicação absoluta (Acidente vascular encefálico ou ataque isquêmico transitório prévio) do prasugrel.

5-A tripla terapia (anticoagulante + DAPT) deve ser evitada ou encurtada ao menor tempo possível com a suspensão do ácido acetilsalicílico (na grande maioria dos pacientes após alta hospitalar ou após o primeiro mês). Paciente com indicação concomitante de anticoagulação deve utilizar preferencialmente o CLOPIDOGREL, que será mantido por 12 meses com a posterior manutenção apenas do anticoagulante.

6- Atualmente, há uma tendência ainda não incorporada pelas diretrizes, de se encurtar o tempo de DAPT após implante de stents contemporâneos, com a suspensão mais precoce do AAS e manutenção dos inibidores do inibidor do P2Y12, mesmo em pacientes com síndrome coronariana aguda. Isso foi possível devido as menores taxas de trombose aguda com os dispositivos contemporâneos e valiadação através de estudos clínicos (figura 2). Apesar disso, deve-se sempre considerar a complexidade do procedimento pois a angioplastia complexa é subrepresentada.

EuroIntervention 2019;15:e475-e478

*Opinião do autor: O tempo de DAPT deverá sempre considerar o risco individual de sangramento e de eventos isquêmicos. Acredito que a estratégia de encurtar o tempo de DAPT com manutenção apenas do P2Y12 após o terceiro mês (tempo utilizado pela maioria dos novos estudos) é muito atraente após ICP com o uso dos stents farmacológicos atuais. A manutenção isolada deve ser realizada com um P2Y12 mais potente após SCA (o Ticagrelor foi o único adequadamente testado até o momento) e manutenção de Clopidogrel ou Ticagrelor/Prasugrel na SCC, principalmente nos pacientes com angioplastias não complexas. Além de reduzir risco de sangramentos clinicamente relevantes, a suspensão do AAS de maneira mais precoce tem o potencial de facilitar aderência e colocar o foco da terapia em outros fármacos que comprovadamente reduzem o risco cardiovascular.

 

 

Leitura recomendada

  1. Levine GN, Bates ER, Bittl JA, et al. 2016 ACC/AHA Guideline Focused Update on Duration of Dual Antiplatelet Therapy in Patients With Coronary Artery Disease. J Am Coll Cardiol 2016;68(10):1082-1115.
  2. Costa F, van Klaveren D, Feres F, et al. Dual Antiplatelet Therapy Duration Based on Ischemic and Bleeding Risks After Coronary Stenting. J Am Coll Cardiol 2019;73(7):741–54.
  3. Varenne O, Cook S, Sideris G, et al. Drug-eluting stents in elderly patients with coronary artery disease (SENIOR): a randomised single-blind trial. The Lancet 2018;391(10115):41–50.
  4. Watanabe H, Domei T, Morimoto T, et al. Effect of 1-Month Dual Antiplatelet Therapy Followed by Clopidogrel vs 12-Month Dual Antiplatelet Therapy on Cardiovascular and Bleeding Events in Patients Receiving PCI; The STOPDAPT-2 Randomized Clinical Trial. JAMA. 2019;321(24):2414-2427.
  5. Hahn J-Y, Song YB, Oh J-H, et al. Effect of P2Y12 Inhibitor Monotherapy vs Dual Antiplatelet Therapy on Cardiovascular Events in Patients Undergoing Percutaneous Coronary Intervention: The SMART-CHOICE Randomized Clinical Trial. JAMA. 2019;321(24):2428-2437.
  6. Mehran R, Baber U, Sharma SK, et al. Ticagrelor with or without Aspirin in High-Risk Patients after PCI. [published online ahead of print September 26, 2019]. N Engl J Med. doi: 10.1056/NEJMoa1908419
  7. Moon JY, Franchi F, Rollini F, Angiolillo DJ. Evolution of coronary stent technology and im- plications for duration of dual antiplatelet therapy. Prog Cardiovasc Dis 2018;60:478–90.
  8. Valgimigli M, Bueno H, Byrne RA, et al. 2017 ESC focused update on dual antiplatelet therapy in coronary artery disease developed in collaboration with EACTS. Eur Heart J 2018;39:213–60.

Sobre o Autor

Eduardo Bello Martins

Médico com residência em Clínica Médica pelo Hospital Santa Marcelina e residência em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Possui Fellowship em Aterosclerose pelo Departamento de Aterosclerose do InCor-HC-FMUSP. Médico cardiologista do Pronto-Atendimento do Hospital Sírio-Libanes (HSL).

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