CardioOncologia

Seguimento cardiológico após radioterapia

A radioterapia para combate de neoplasias torácicas – sobretudo linfomas, neoplasia de mama e pulmão – podem resultar no acometimento cardiovascular em curto e em longo prazo. Os sítios de acometimento são variados e podem resultar em dano valvar, doença arterial coronariana, pericardite constrictiva, dano à grandes vasos intratorácicos e doença do sistema de condução (Figura 1).

Figura 1. Resumo das possibilidades de acometimento cardiovascular secundários à radioterapia.

O acometimento cardiovascular pode ocorrer em um seguimento tão longo quando 10-20 anos. Por isso, o acompanhamento cardiovascular se faz necessário, sobretudo naqueles pacientes que tiveram câncer durante a infância.

Embora nos últimos anos tenham sido desenvolvidas novas tecnologias para diminuição do acometimento cardiovascular (p.e. maior precisão na incidência da radioterapia, uso de coletos de chumbo dedicados a proteger área cardíaca, melhora dos softwares de localização do câncer (com imagens de fusão), mecanismos controle ativo de respiração (‘active breath control’), etc), ainda teremos de lidar durante as próximas décadas com o resultado dos danos cardiovasculares dos pacientes submetidos a radioterapia nas décadas passadas.

Indivíduos com morbidades cardiovasculares associadas, idade jovem (sobretudo indivíduos com menos de 5 anos ao início do tratamento), uso de dose de radiação a partir de 15 Gy (especialmente aqueles > 30-35 Gy) e uso de quimioterapia cardiotóxica associada (sobretudo antraciclinas).

O seguimento desses pacientes deve passar por:

  1. Avaliação anual com pesquisa de sintomas, fatores de risco e pesquisa de morbidades cardiovasculares.
  2. Eletrocardiograma de 12 derivações anual.
  3. Ecocardiograma com periodicidade frequente (variando de acordo com algumas sociedades e diretrizes, mas com intervalo não maior do que 5 anos).
  4. Avaliação de doença arterial coronariana (em geral com teste não-invasivo) entre 5-10 anos após a última sessão de radioterapia.

Em relação ao manejo das morbidades:

  1. Hipertensão Arterial Sistêmica: rastreio anual e tratamento para meta de 130 x 80 mmHg (individualização conforme idade e morbidades pode ser necessária).
  2. Controle glicêmico: meta de Hb Glicada < 6.5%.
  3. Controle de peso: evitar obesidade, meta de IMC < 25 kg/m².
  4. Cessar tabagismo
  5. Atividade física com tempo mínimo semanal de 150 min.
  6. Controle da dislipidemia: recomenda-se ponderar início de estatina em todos indivíduos com escores de risco elevados. Por exemplo, ACVSD Risk > 7.5% em 10 anos. Naqueles indivíduos com valor < 7.5%, pode-se lançar mão do escore de cálcio no intuito de refinir o início de terapia: naqueles com valor de 0 não é necessário terapia farmacológica, naqueles com valor > 100: iniciar estatina. Indivíduos com valores entre 1-100:  discutir caso a caso.

Uma ilustração demonstrando esses pontos chaves pode ser vista na figura 2, logo abaixo.

Figura 2. Fluxograma de uma proposta de seguimento ambulatorial de pacientes após radioterapia (retirado de J Am Coll Cardiol CardioOnc. 2020 Nov, 2 (4) 655–660)

No tratamento das complicações cardiovasculares necessitando de intervenção para além do uso de medicamentos, a discussão individualizada e a utilização de técnicas intervencionistas – tais como a TAVI, MitraClip, cirurgias minimamente invasivas – devem ser consideradas e vem ganhando um corpo de evidências mais robusto no decorrer do tempo.

Por fim, cabe salientar que ainda faltam diretrizes específicas para o manejo de algumas morbidades cardiovasculares no paciente sobrevivente de tratamento oncológico e muitas das recomendações ainda se baseiam na opinião de experts no assunto. Por isso, devem ser observadas as recomendações específicas de sociedades em relação aos diversos tema e manter atualização constante, uma vez que a Cardio-oncologia é uma área de atuação em acelerada progressão. A mensagem que devemos deixar clara é que o sobrevivente de tratamento oncológico deve ser considerado um paciente de maior risco cardiovascular e deve ter um acompanhamento precoce preventivo com foco no longo prazo.

 

Leitura sugerida:
1. Radiation-Associated Cardiac Disease: A Practical Approach to Diagnosis and Management. JACC Cardiovasc Imaging. 2018 Aug;11(8):1132-1149. doi: 10.1016/j.jcmg.2018.04.028.

2. How to Diagnose and Manage Radiation Cardiotoxicity. J Am Coll Cardiol CardioOnc. 2020 Nov, 2 (4) 655–660.

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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