Você sabia que existe uma correlação entre o local de impactação do eletrodo ventricular direito num marca-passo comum e desfechos clínicos? Sim, como tudo em cardiologia, também temos trabalhos científicos sobre esse assunto, e o consenso recente da sociedade de arritmologia européia (European Heart Rhythm Association – EHRA) [1] discute sobre a técnica ideal de implante de marca-passos e cardiodesfibriladores implantáveis discute esse assunto.
A verdade é que o clínico pouco se preocupa com o local de um cabo-eletrodo de um marca-passo dentro do ventrículo direito (VD), mas o fato é que existem quatro locais habituais para impactação do eletrodo no VD:
1- Septo interventricular médio
2- Ápice
3- Via de Saída do VD
4- Sistema de condução (os recentes marca-passos hissianos ou de ramo esquerdo por via septal profunda) -> estes serão tema de post futuro.
Quando falamos nos marca-passos comuns (ou seja, excluindo os marca-passos que estimulam o sistema de condução cardíaco), restam apenas as três primeiras opções, com suas vantagens e desvantagens:
1- Septo interventricular: local mais indicado hoje em dia. O implante no septo interventricular médio é mais seguro quanto a perfuração e tecnicamente factível (figura 1)
2- Ápice do VD: antigamente era o local de escolha e ainda é o local de escolha em muitos centros no mundo. O detalhe é que o marca-passo fixado no ápice do VD foi associado a um risco mais elevado de perfuração cardíaca (OR 3.37, 95% CI 1.17–9.67, P = 0.024) [2].
3- Via de Saída do VD: local tecnicamente mais difícil, com um risco teoricamente maior de deslocamento do eletrodo, além de também se associar a um risco mais elevado de perfuração (a via de saída do VD chega a ter espessura de 1-2mm no seu segmento subvalvar). Não existe nenhum benefício claro desta posição em relação ao septo médio.
E o CDI?
Quando falamos em CDI, o cuidado com o local de impactação do eletrodo é vital dada necessidade de adequada sensibilidade das onda R e evitando regiões muito basais no VD para prevenção de identificação de farfields (sinais de campo distante, ou seja, sinais que se referem a outras estruturas – por exemplo o átrio – sendo detectados pelo ventrículo erroneamente). Habitualmente os resultados dos estudos sobre o assunto apontam para uma preferência de impactação no ápice do VD. O Estudo randomizado SPICE encontrou uma maior necessidade de revisões de eletrodo (6.9% vs. 3.2%, P = 0.5) e de limiar de desfibrilação maior que 25J (5.0% vs. 2.1%, P = 0.21) no grupo de implante em septo médio versus implante apical.
Um outro estudo, o SEPTAL, envolvendo 215 pacientes, encontrou um tendência de maior mortalidade no grupo de implante em septo médio versus ápice (7.9% vs. 2.9%, P = NS).
Referências:
[1] Burri H, Starck C, Auricchio A, Biffi M, Burri M, D’Avila A, Deharo JC, Glikson M, Israel C, Lau CP, Leclercq C, Love CJ, Nielsen JC, Vernooy K; Reviewers:, Dagres N, Boveda S, Butter C, Marijon E, Braunschweig F, Mairesse GH, Gleva M, Defaye P, Zanon F, Lopez-Cabanillas N, Guerra JM, Vassilikos VP, Martins Oliveira M. EHRA expert consensus statement and practical guide on optimal implantation technique for conventional pacemakers and implantable cardioverter-defibrillators: endorsed by the Heart Rhythm Society (HRS), the Asia Pacific Heart Rhythm Society (APHRS), and the Latin-American Heart Rhythm Society (LAHRS). Europace. 2021 Jul 18;23(7):983-1008.
[2] Cano O, Andres A, Alonso P, Osca J, Sancho-Tello MJ, Olague J. Incidence and predictors of clinically relevant cardiac perforation associated with systematic implantation of active-fixation pacing and defibrillation leads: a single-centre ex- perience with over 3800 implanted leads. Europace 2017;19:96–102.
Rodrigo, gostei da sua abordagem do tema. Resumido e prático. As condutas aqui referidas são compativeis com minha rotina. Abraço