Cardiologia Geral Ecocardiografia

Dano cardíaco acumulado na estenose aórtica

Na avaliação ecocardiográfica do paciente com estenose aórtica os parâmetros mais tradicionalmente avaliados para quantificar o grau de estenose são: pico de velocidade transvalvar (em m/s), gradiente transvalvar médio, área valvar e a relação dos VTIs da via de saída do ventrículo esquerdo e da valva aórtica.

Frente a um indivíduo sintomático e apresentando os parâmetros acima dentro da classificação de estenose importante (pico de velocidade > 4 m/s, gradiente médio > 40 mmHg, área valvar < 1,0 cm² ou relação dos VTIs < 0,25) fica fácil realizar a indicação de procedimento de troca valvar.

Contudo, a grande dúvida que paira no consultório cardiológico é: o que fazer com o paciente que tem valores de estenose importante na avaliação valvar, mas, aparentemente, não tem sintomatologia.

Em 2017, autores propuseram o conceito de dano cardíaco cumulativo da estenose aórtica. Sendo assim, passaram a agrupar danos extra-valvares e apresentaram uma classificação onde o paciente com estenose aórtica poderia ser agrupado em 5 estágios – 0 a 4 (conforme a figura abaixo).

Figura 1. Esquema representativo dos 5 estágios do dano cardíaco extra-valvar aórtico.

Na época, essa classificação foi proposta para avaliação de indivíduos com EAo sintomática. A medida que o estágio dano cardíaco extra-valvar progride, pior o prognóstico dos pacientes. Isso foi validado tanto na coorte original (de 2017) quanto em trabalho posterior, publicado em 2019 (figura 2).

Figura 2. Mortalidade ao longo do tempo de acordo com os estágios de dano cardíaco extra-valvar em pacientes com estenose aórtica SINTOMÁTICA.

Em publicação do JACC, também em 2019, os autores conseguiram demonstrar que essa classificação também parecer conseguir dividir os pacientes com estenose aórtica em relação a mortalidade ao longo do tempo e, eventualmente, poderia ser uma importante ferramenta para auxiliar na decisão clínica de se intervir em doente com EAo aparentemente ASSINTOMÁTICA (nessa Coorte todos os pacientes tinham feito teste de esforço antes da inclusão, justamente para tentar não colocar pacientes que estavam se ‘auto-limitando’).

Figura 3. Mortalidade ao longo do tempo de acordo com os estágios de dano cardíaco extra-valvar em pacientes com estenose aórtica ASSINTOMÁTICA.

Portanto, o conceito do dano cardíaco extra-valvar deve ser levado em consideração quanto da decisão clínica a ser tomada em pacientes com EAo sintomática e assintomática. Ainda não há um ‘cut-off’ claro, mas quanto mais avançado o grau de dano extra-valvar pior o prognóstico do paciente e, portanto, essa classificação deve ser somada a outros marcadores de gravidade (aumento de BNP, fibrose na ressonância magnética, etc) na tentativa de maior individualizar a decisão para casos duvidosos.

Leitura sugerida:

  1. Staging classification of aortic stenosis based on the extent of cardiac damage, European Heart Journal, Volume 38, Issue 45, 01 December 2017, Pages 3351–3358, https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehx381
  2. Staging Cardiac Damage in Patients With Asymptomatic Aortic Valve Stenosis. J Am Coll Cardiol. 2019 Jul, 74 (4) 550–563
  3. Staging Cardiac Damage in Patients With Symptomatic Aortic Valve Stenosis. J Am Coll Cardiol. 2019 Jul 30;74(4):538-549. doi: 10.1016/j.jacc.2019.05.048.

 

 

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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