Como eu faço?

Cardioversão Elétrica Sincronizada (CVES) – como eu faço ?

A realização de Cardioversão Elétrica Sincronizada (CVES) é uma habilidade que deve ser conhecida de todo o médico que trabalha em ambiente de emergência / UTI.
Esse procedimento, que é feito com um aparelho cardiodesfibrilador externo, ‘o aparelho de choque’ ou simplesmente desfibrilador, é indicado para quadros de taquicardias, supra ou ventriculares, que estejam evoluindo com instabilidade hemodinâmica ou para quando se opta por controle de ritmo de alguma arritmia, como a fibrilação atrial.
Pode ser feita em contexto de taquicardias no Pronto-Socorro ou de maneira eletiva a nível de Hospital Dia, onde o paciente chega de casa especificamente para realizar esse procedimento.
Independente da indicação do procedimento, que não é o foco desse post, temos alguns passos e cuidados a seguir para minizar possíveis intercorrências que podem surgir.
Por isso, apresentamos uma regra mnemônica que pode ajudar a lembrar uma sequência lógico do passo-a-passo para se ter uma CVES: O.S.A.S.C.O
——————————————————————————————————————————–
O – Oriente: Esse é o primeira passo. Na grande maioria das vezes, o doente estará em condições de receber alguma orientação a respeito do que irá ser realizado. Obviamente que em um contexto de CVES por taquicardia instável essa orientação deve ser breve e direto: ‘ Sr Fulano de tal, o quadro de mal estar que o senhor está sentindo é por conta que o coração está muito rápido e, para isso, precisamos aplicar um choque na tentativa de que ele volta a bater normalmente’. Imagine como você iria sentir-se levando um choque em seu tórax sem ter recebido ao menos um aviso!
Nessa parte também serve para orientar a equipe de enfermagem a respeito do procedimento e solicitar a correta monitorização do doente: eletrocardiograma contínuo, pressão arterial não-invasiva (PANI), oximetria de pulso, frequência cardíaca e frequência respiratória.
S – Sedação: agora é hora de realizar a sedo-analgesia do doente para que ele não sinta a dor da cardioversão. Para isso, garanta que haja um bom acesso periférico e veja quais drogas estão disponíveis para o uso em seu local de trabalho. Habitualmente, utiliza-se o Fentanil para analgesia e midazolam / etomidato ou propofol como drogas sedativas para deixarem o paciente sedado, propriamente dito. Em doentes com instabilidade cardiovascular, evita-se o uso do propofol-  haverá outro post de maneira mais detalhada sobre doses desses medicamentos.

A – ‘Ambuze’: apesar de a descrição desse passo vir como ‘ambuze’, o que ele quer chamar atenção é para o fato de que, como o paciente será sedado, eventualmente poderá haver algum grau de depressão respiratória e, nesse contexto, pode ser necessário o uso de ventilação por pressão positiva utilizando um dispositivo chamado Bolsa-Válvula-Máscara (BVM) com reservatório (BVMR) – o termo Ambu (Artificial Manual Breathing Unit ), apesar de consagrado pelo uso, trata-se de uma marca registrada de um tipo comercial de BVM e não o nome propriamente do dispositivo. Sendo assim, a nomenclarura seria de BVM
Por isso, se possível, em todo paciente que será submetido a CVES nós recomendamos dieta por pelo menos 6 horas já que há o risco, embora pequeno, de necessidade de se garantir uma via aérea avançada, caso a ventilação com BVM não seja efetiva.
S – Sincronize: Você parou para se perguntar qual a diferença de desfibrilação x cardioversão ? Pois bem, a diferença é dada pelo momento em que o choque é aplicado em relação ao ciclo cardíaco. Quando realizo uma desfibrilação, assim que aperto o botão para disparar o aparelho o choque será dado sem levar em consideração o momento em que será aplicado e pode ‘cair’ em qualquer parte do ciclo cardíaco – onda p, no QRS, na onda T, etc. Ora, se eu tenho um paciente que, apesar de taquicárdico, tem um ritmo eletrocardiográfico identificável, ao realizar uma desfibrilação, corro o risco de que o choque caia ’em cima’ da onda T – fenômeno chamado de ‘R sobre T’ – que é arritmogênico e pode degenerar seu ritmo de ‘taquicardia instável’ diretamente para um de Fibrilação Ventricular! Sendo assim, a desfibrilação só tem espaço para ritmos caóticos em que não é possível identificar o complexo QRS adequadamente, ou seja, a própria Fibrilação Ventricular, a Torsade de Point ( Torção das Pontas ) e a Taquicardia Ventricular sem pulso.
O grande diferencial da cardioversão é que está é SINCRONIZADA em relação ao QRS, ou seja, assim que você ativa a função SYNC / SINC / Sincronizar ( o modo como está escrito varia de aparelho para aparelho -> conheça seu aparelho!) o dispositivo irá identificar o QRS do paciente e o choque será disparado em cima do QRS, para que se evite o fenômeno do ‘R sobre T’. Assim sendo, o choque pode demorar alguns segundos para ser disparado mesmo depois de ter sido apertado o botão de disparo e é esse o motivo para que você, ao fazer uma CVES, não simplesmente apertar e já soltar o botão. 
Da mesma forma, é esse o motivo pelo qual se for selecionado o modo de Sincronização para ritmos caóticos,como a FV ou a Torsades de Points, o choque muito provavelmente não será disparado, pois o aparelho não consegue ‘reconhecer’ o QRS desse ritmo.
Em resumo, nessa etapa a preocupação é: ATIVAR o botão de sincronização e SELECIONAR a energia que você quer para realizar o evento. Essa energia dependerá do tipo de arritmia e do tipo de cardiodesfibrilador – monofásico ou bifásico.
C – Cardioversão: realize a cardioversão propriamente dita. Para isso, lembre de ter passado uma boa quantidade de GEL condutor nas pás ( EVITE FAZER A FRICÇÃO DAS FACES DAS PÁS! Isso pode danificar as faces de contato). Posicione as pás na região indicada pelo aparelho – habitualmente uma pá na região infraclavicular direita e outra na região próxima ao ápice cardíaco -, dê comando verbal para todos se afastarem do paciente e cheque visualmente se isso foi realizado, inclusive por você ( é comum, mesmo após comando para se afastar, que algum desatento permanece em contato com o doente. Sendo assim, além de falar, OLHE ativamente para certificar-se que todos obedeceram o comando) e aperte o botão de choque fazendo um discreto peso no tórax do paciente e mantenha essa pressão até que o choque seja aplicado, o que pode demorar alguns segundos.
O – Observe: Após o choque você tem de manter as pás sobre o tórax do doente ( é muito comum logo após o procedimento a executor já sair de campo e retirar as pás da posição – isso é um erro! Não o cometa !) e observar o monitor pois 3 situações podem ocorrer:
1) A CVES foi um sucesso. O ritmo sinusal assume o comando do coração e agora você pode limpar e guardar o aparelho.
2) A CVES com a energia aplicada não resultou em reversão do ritmo. Nesse caso, já aproveitando a sedação ainda em curso, selecione uma energia maior e realize novo procedimento.
3) A CVES, apesar de feita adequadamente, degenerou o ritmo de taquicardia para uma FV. Sendo assim, realize uma desfibrilação com a carga recomendada pelo manual o aparelho ou, na dúvida, usando a carga máxima do mesmo, e atue conforme as manobras do ACLS.
——————————————————————————————————————————-
‘PULO DO GATO’:  O conhecimento do seu aparelho será fundamental pois, em geral, há dois tipos de programação em relação a sincronização. Em alguns, o aparelho após realizar um choque sincronizado mantém-se com a sincronização ligada, chamamos de aparelhos ‘otimistas’, ou seja, eles são programados para manter a sincronização ativa imaginando que, caso você não consiga cardioverter de primeira vez, não será porque houve degeneração para FV! 
Outras programações deixam o aparelho logo após o choque sincronizado em modo assincrônico, pensando que, como pode haver degeneração para FV, uma desfibrilação já poderia ser efetuada de pronto sem maior perda de tempo. 
Por isso, leia o manual do seu aparelho ou pergunte para alguém que conheça os detalhes do MESMO! Não deixe para ‘descobrir’ o funcionamento do aparelho em cima da hora.

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

Deixe um comentário