Com o envelhecimento da nossa população, cada vez mais veremos pacientes acima dos 60 anos com comunicação interatrial (CIA), cardiopatia congênita. Mas o que devemos fazer com estes pacientes ? Uma linha de raciocínio que pode parecer racional seria: “já que este paciente tem essa CIA há 60 anos e não teve sintomas até agora, provavelmente não deve ser fechada”. No entanto a realidade não é bem essa.
História Natural: a evolução da CIA leva a um fluxo de sangue pelo átrio esquerdo para o átrio direito – levando a uma sobrecarga volêmica crônica de ventrículo direito. CIA´s com shunt significativo (fluxo pulmonar/fluxo sistêmico >2) em geral evoluem lentamente e causam sintomas próximo a 4a década de vida, em alguns casos os sintomas podem aparecer somente na 6a década de vida. Dentre os sintomas causados pela CIA o mais comum é a Insuficiência Cardíaca (secundária a dilatação e disfunção do ventrículo direito), mas pode causar também taquiarritmias atriais (fibrilação atrial e flutter), AVE por embolização paradoxal, migrânea. No caso de não fechamento da CIA, os paciente podem evoluir com Hipertensão da Artéria Pulmonar e reversão do “shunt” (da direita para esquerda) – fenômeno de Einsenmenger – causando cianose e associada a alta morbimortalidade
Como Avaliar uma CIA:
1- Caracterizar o tipo de CIA: existem várias formas de CIA de acordo com a sua localização no septo interatrial – tipo Ostium primum, Ostium Secundum, defeitos do Seio Venoso, defeitos do Seio Coronário
2-Quantificar o fluxo pulmonar / fluxo sistêmico (Qp/Qs): através de exames complementares (ECO cardiograma transtorácico ou transesofágico / Cateterismo) podemos calcular se o fluxo atráves da CIA é significativo ou não atráves do Qp/Qs. Um Qp/Qs acima de 1.6-2,0 significa que o shut através da CIA é importante e terá repercussões clínicas/hemodinâmicas
3-Avalie sobrecarga de Ventrículo Direito: através do ECO TT ou da RNM cardíaca devemos realizar uma avaliação das dimensões do ventrículo direito e de sua função, pois isto terá implicações para a conduta (através desta avaliação sabemos se o VD está de fato submetido a um regime de sobrecarga volêmica ou não)
4- “Estadiamento” da CIA – avaliação da pressão da artéria pulmonar: sabemos que em casos mais tardios da evolução do paciente com CIA este pode evoluir com hipertensão pulmonar e reversão do shunt, por isso a estimativa da pressão sistólica da artéria pulmonar através do ECO, ou as medidas de pressão da artéria pulmonar através do cateterismo são fundamentais para avaliar em que fase da doença o paciente está. Não faz sentido propor o fechamento de uma CIA em um paciente com HAP fixa e já com fenomêno de Einsenmenger (uma vez que neste paciente provavelmente a CIA é na verdade uma “válvula de escape” para o VD)
5- Avalie se há indicação para fechar a CIA: devemos fechar a CIA caso o fluxo seja significativo e alguma das situação abaixo e o paciente não tenha Hipertensão Pulmonar:
– Sinais de sobrecarga de VD em exame complementar com ou sem sintomas
– Embolização paradoxal prévia documentada
– Síndrome de Platipneia-Ortodeóxia
6- Paciente com Hipertensão Pulmonar: paciente com hipertensão pulmonar com alguma das indicações de fechamento de CIA devem ser avaliados cuidadosamente. Alguns pacientes selecionados podem ter sua CIA fechada se preencherem os seguintes critérios desde o que shunt ainda seja da esquerda para a direita:
– Resistência Vascular Pulmonar <2/3 da Resistência Vascular Sistêmica OU
– Pressão Artéria Pulmonar < 2/3 Pressão Arterial Sistêmica
7- Como fechar a CIA: cirúrgico ou percutâneo ? Não existe nenhum estudo mostrando superioridade de uma técnica sobre a outra em relação a mortalidade, mas sabemos que o fechamento percutâneo quando possível (em geral para CIA tipo ostium secundum apenas, única, com medida <38mm e com sítio de ancoragem da prótese adequado) apresenta menor risco de complicações e morbidade perioperatória, devendo ser o método de escolha em tais situações.
Abaixo segue as recomendações da última diretriz européia de cardiopatias congênitas:
Referências:
1- ESC guidelines: Grown-up Congenital Heart Disease (management of) https://www.escardio.org/Guidelines/Clinical-Practice-Guidelines/Grown-Up-Congenital-Heart-Disease-Management-of