Ensaios clínicos envolvendo pacientes com diabetes tipo 2, a maior parte deles sem insuficiência cardíaca (IC), mostraram que inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (SGLT2) reduzem o risco de hospitalização por IC. Foi hipotetizado que o mecanismo de ação dos inibidores do SGLT2 também beneficiariam pacientes com insuficiência cardíaca estabelecida, incluindo aqueles sem diabetes, nos quais os inibidores da SGLT2 não foram testados.
O estudo DAPA-HF foi desenhado para avaliar prospectivamente a eficácia e segurança do inibidor do SGLT2, dapagliflozina na dose de 10mg, em pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida, independentemente da presença ou ausência de diabetes. Foi um estudo multicêntrico, randomizado e placebo controlado. Os critérios de inclusão foram: pacientes com fração de ejeção ≤ 40%, sintomáticos, com terapia otimizada e BNP ≥ 400 (ou 600 se internação no último ano). Os critérios de exclusão incluíram tratamento recente ou efeitos colaterais inaceitáveis associados a um inibidor da SGLT2, diabetes mellitus tipo 1, hipotensão e uma taxa estimada de filtração glomerular (TFG) ≤ 30 ml/minuto/1,73 m2.
O desfecho primário foi um composto de piora da insuficiência cardíaca ou morte por causas cardiovasculares. Os desfechos secundários foram o composto de hospitalização por IC e morte cardiovascular, número total de hospitalizações por IC e mortes cardiovasculares, avaliação dos sintomas por questionário em 8 meses, agravamento da função renal e morte por qualquer causa.
Um total de 4744 pacientes foram randomizados. Cerca de 45% dos pacientes eram diabéticos. Houve uma redução do risco relativo do desfecho primário em 26% no grupo Dapaglifozina, sendo que todos os componentes do desfecho impactaram favoravelmente para o resultado, com resultados consistentes nos subgrupos com e sem diabetes. Em relação aos desfechos secundários, o desfecho composto de hospitalização por IC e morte cardiovascular reforçou o benefício da Dapaglifozina, além da observação de redução dos sintomas e morte por qualquer causa no grupo Dapaglifozina. A incidência de desfechos renais não diferiu entre os grupos. A dapaglifozina se mostrou segura, não havendo excesso notável de nenhum evento nos desfechos de segurança.
A Dapaglifozina foi capaz de trazer benefícios, inclusive de mortalidade, em pacientes de maioria sem diabetes, com disfunção ventricular e sintomas de IC já em uso de terapia padrão. Porém, não foi reportado qual dose da terapia padrão foi utilizada no estudo. Apenas 10% dos pacientes estavam em uso de sacubitril-valsartana, não podendo trazer uma conclusão a respeito do benefício (ou não) da interação dessas drogas. Além disso, em análise de subgrupo, os pacientes com NYHA III-IV tiveram resultados neutros no desfecho primário. Esses são pontos que ainda precisam ser esclarecidos, mas o DAPA-HF apresentou resultados robustos que devem mudar a prática e trazer mais uma opção na terapia para pacientes com insuficiência cardíaca, com e sem diabetes.
Leitura sugerida:
McMurray JJV, Solomon SD, Inzucchi SE, et al. Dapagliflozin in patients with heart failure and reduced ejection fraction. N Engl J Med. DOI: 10.1056/NEJMoa1911303.