Desafio de ECG

Que fenômeno ocorre no eletrocardiograma abaixo? Qual sua explicação?

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Fonte: arquivo pessoal do autor

Avaliando inicialmente o ECG notamos ausência de onda P precedendo os complexos QRS + irregularidade de ritmo, o que nos deixa claro a presença de  fibrilação atrial com alta resposta ventricular (cerca de 200 bpm). Até este ponto não há grande dificuldade. Contudo,  analisando de maneira mais minuciosa, percebemos salvas de complexos QRS alargados sucessivos com morfologia de bloqueio de ramo direito (BRD) (isso fica mais claro nas derivações pré-cordiais) que podem, em um primeira análise, ser interpretados como períodos de taquicardia ventricular não sustentada. Contudo, não é isso que ocorre no caso acima!

Repare em V1, por exemplo, do 2º ao 6º batimentos,  observamos clara morfologia de BRD, porém sabe-se que, principalmente em ritmo de fibrilação atrial, podemos observar um fenômeno em que esse complexos alargados nada mais são do que extrassístoles supraventriculares conduzidas com aberrância conhecida como Fenômeno de Ashman.

Descrito por Gouaux e Ashman em 1947, consiste na evidência de que um batimento largo precoce (ciclo curto) que se segue a um ciclo com maior RR (ciclo longo) provavelmente é de origem supraventricular conduzido com aberrância. O ciclo com maior RR (longo) aumenta o período refratário dos ramos, assim há maior chance do batimento seguinte encontrar um dos ramos dentro do período refratário e ser conduzido com aberrância (mais comumente o ramo direito, que tem um período refratário maior).

A sequência de batimento aberrantes pode ser mantida nos batimentos seguintes em virtude da condução transseptal oculta que mantém um dos ramos refratários, o que pode resultar numa taquicardia de QRS largo (taquicardia SV com aberrância). O QUE OCORREU EM NOSSO CASO.

Critérios de Fish para o diagnóstico do fenômeno de Ashman são as seguintes:

  1. Um ciclo relativamente longo, imediatamente anterior ao ciclo com QRS aberrante ( principalmente um ciclo curto-longo-curto ). Pode apresentar morfologia de BRD ou BRE, ou ambos num mesmo paciente.
  2. BRD com orientação normal do vetor inicial do QRS.
  3. Intervalo de acoplamento variável entre os complexos QRS aberrantes.
  4. Falta de uma pausa compensatória (não visto em pacientes com fibrilação atrial )

A morfologia do QRS é uma pista útil para diferenciar entre origem supraventricular e ventricular de QRS largos

  1. QS em V6
  2. Duração do QRS maior que 140ms se morfologia de BRD e maior que 160 se BRE
  3. Início do R ao nadir do S superior a 100 ms
  4. Desvio do eixo para esquerda além de -90°

Clinicamente o Fenômeno de Ashman é geralmente assintomático e não requer tratamento específico.

Veja abaixo outro do Fenômeno de Ashman onde fica claro a relação entre ciclo longo precedendo o ciclo curto.

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Fonte: arquivo pessoal do autor

Leitura sugerida:
Surawicz B, Knilans TK. Chou’s electrocardiography in clinical practice. 6th edn.Philadelphia: Saunders Elsevier, 2008: chapter 17, ventricular arrhythmias; 405–39.
Lakusic N, Mahovic D, Slivnjak V. Ashman phenomenon: an often unrecognized entity in daily clinical practice. Acta Clin Croat 2010;2013:99–100.

Sobre o Autor

Cesar Caporrino

Médico com residência em Clínica Médica pelo Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (IAMSPE). Cardiologista com residência pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Atualmente é Fellow da Unidade Clínica de Coronariopatia Aguda do Instituto do Coração de São Paulo (InCor-HC-FMUSP).

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