Você está de plantão em uma emergência e recebe um paciente masculino, de 55 anos, hipertenso, tabagista e dislipidêmico, com dor torácica precordial de forte intensidade, sem irradiação, associado com sudorese fria. Diante da sua suspeita clínica, solicita um ECG (Fig. 1), Rx de tórax, marcadores de necrose miocárdica e ecocardiograma transtorácico.
O eletrocardiograma acima evidenciado nos mostra ritmo sinusal e um bloqueio de ramo esquerdo (BRE). Nesses casos, a análise de isquemia fica prejudicada devido à sobreposição da despolarização e repolarização ventriculares, não existindo segmento ST isoelétrico, e consequentemente, invalidando a avaliação convencional da presença de supra ou infra desnível do segmento ST.
Dessa forma, foi incorporado nos guidelines que a presença de BRE em pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda deve ser tratado como infarto com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCST). Porém já foi mostrado que a minoria dos pacientes na emergência com esse tipo de ECG é tratado como tal devido ao aprendizado dos clínicos que trabalham com essa demanda que a presença de IAMCST nos pacientes com dor e BRE é infrequente (apenas 3,8% dos casos de infarto agudo do miocárdio apresentaram BRE, o que representa 25% dos pacientes com BRE que estiveram na emergência com dor torácica, e apenas 8,4% foram tratados com terapia de reperfusão segundo um estudo do registro nacional americano). A grande dificuldade nesses casos é definir qual BRE seria novo, já que quase nunca em uma emergência o médico vai possuir um ECG prévio do paciente. Pensando nisso, Sgarbossa e colaboradores desenvolveram um sistema de pontuação validado, em que o ECG pode ser considerado positivo para IAMCST se a sua pontuação for de pelo menos três pontos, com base em três critérios (Tab.1). Seu algoritmo de pontuação tem uma sensibilidade de 78% e especificidade de 90%.
Porém, dada a baixa sensibilidade e especificidade do terceiro critério de Sgarbossa, Smith e colaboradores desenvolveram os critérios de Sgarbossa modificados, com base na razão entre o desvio do segmento ST e a amplitude da onda S discordante desde que haja um supra de pelo menos 1 mm. Quando uma razão ST / S mais negativo que -0,25 foi usada no lugar do 3º critério de Sgarbossa, a sensibilidade diagnóstica melhorou de 52% para 91 %, com aumento da acurácia do teste (como avaliar a relação ST / S na figura 2).
Os critérios de Sgarbossa modificados mostram-se promissores como método diagnóstico para infarto agudo do miocárdio em pacientes com BRE. No entanto, o cálculo manual da relação ST / S é impreciso. Uma sugestão proposta por Smith é incorporar o cálculo da razão ST / S por máquinas de ECG como parte do algoritmo de diagnóstico para IAMCST.
De acordo com os critérios de Sgarbossa e Sgarbossa modificado, no caso clínico em questão NÃO há IAMCST. Outro fator que auxilia na tomada de decisões é que o paciente já possuía um ECG prévio com o mesmo padrão eletrocardiográfico. Entretanto, não há como afastar a possibilidade de infarto sem supra, e foi realizado a dosagem dos marcadores de necrose miocárdicos que vieram pouco positivos (amostra quantitativa), e também um ecocardiograma transtorácico que não mostrou disfunção segmentar. Encaminhado para o CATE que evidenciou lesão segmentar de 90% em DA média, que foi tratada. Conclusão do caso: Infarto agudo do miocárdio sem supra de ST.
Leituras sugeridas
Sgarbossa EB, Pinski SL, Barbagelata A et al (1996) Electrocardiographic diagnosis of evolving acute myocardial infarction in the presence of left bundle-branch block. GUSTO-1 (global utilization of streptokinase and tissue plasminogen activator for occluded coronary arteries) investigators.
N Engl J Med 334:481–487
Smith SW, Dodd KW, Henry TD, Dvorak DM, Pearce LA (2012) Diagnosis of ST-elevation myocardial infarction in the presence of left bundle branch block with the ST-elevation to S-wave ratio in a modified Sgarbossa rule. Ann Emerg Med 60:766–776