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E agora, cirurgia ou TAVI? Qual a melhor opção de tratamento para a estenose aórtica?

Nos últimos anos temos visto uma mudança no cenário de tratamento de escolha para os pacientes com estenose aórtica importante sintomática. A única opção efetiva até recentemente para a realização de troca valvar aórtica era a forma cirúrgica, com diretrizes bem estabelecidas sobre as suas indicações. Apesar da grande experiência adquirida na realização desse procedimento, feita pela primeira vez em 1960, e os avanços nas técnicas cirúrgicas e no pré e pós-operatório, sempre foi evidente os problemas intrínsecos relacionados à cirurgia, como a realização de acessos torácicos e a necessidade de circulação extracorpórea, o que elevava a morbidade e mortalidade, principalmente nos pacientes de maior risco cirúrgico. Diante do risco exposto, cerca de 30% dos pacientes eram classificados como inoperáveis, sendo contra indicado a realização da cirurgia.

Nesse cenário, em 2002, a primeira válvula aórtica implantada por via percutânea foi descrita pelo Dr. Cribier. Diversos estudos, desde então, vem sendo realizados para comparar a troca valvar aórtica transcateter (TAVR, sigla em inglês) e a cirurgia de troca valvar aórtica. 

O estudo PARTNER foi o primeiro estudo randomizado, mostrando uma redução de mortalidade por qualquer causa nos pacientes inoperáveis que realizaram TAVR comparado com valvoplastia por balão. Em seguida, um segundo estudo PARTNER avaliou pacientes com alto risco cirúrgico, não mostrando diferença de desfecho primário entre os tratamentos, e posteriormente o The US CoreValve trial, no mesmo perfil de pacientes, mostrou redução de mortalidade por qualquer causa nos pacientes randomizados para TAVR em comparação com cirurgia.

Os resultados dos estudos citados encorajaram a avaliação do subgrupo de pacientes com risco cirúrgico intermediário, com o estudo PARTNER 2 coorte A e SURTAVI descrevendo a segurança e a eficácia da TAVR nesse perfil de pacientes, mais uma vez sem mostrar diferença de mortalidade entre os grupos. Então, o estudo NOTION avaliou 280 pacientes com idade média de 79 anos e de baixo risco cirúrgico, sem diferença entre os tratamentos.

Recentemente, tivemos a publicação do estudo PARTNER 3, que foi apresentado na sessão de Late-Breaking Clinical Trials do ACC.19 (congresso do American College of Cardiology de 2019) e também publicado quase que simultaneamente no New England Journal of Medicine.

O PARTNER 3 foi um estudo multicêntrico e randomizado que selecionou um total de 1000 pacientes de 71 centros em 5 países. TAVR por implante transfemoral de uma válvula expansível por balão de terceira geração foi comparada com a substituição cirúrgica da válvula aórtica em pacientes com estenose aórtica grave e baixo risco cirúrgico (STS-PROM < 4%) em um seguimento de um ano. Vale lembrar que pacientes com fragilidade clínica (determinada pela equipe), valvas aórticas bicúspides ou outras características anatômicas que aumentam o risco de complicações associadas à TAVR ou à cirurgia foram excluídas.

Os resultados deste estudo mostraram superioridade da TAVR com redução do desfecho composto (morte, AVC ou rehospitalização) em 46% (8,5% x 15,1% HR 0.54 IC 95%, 0.37 to 0.79). Análises dos principais desfechos secundários mostraram que o TAVR estava associado a uma taxa significativamente menor de fibrilação atrial de início recente aos 30 dias e menor tempo de hospitalização.

Fonte: Mack MJ et al. N Eng J Med, 2019.

As recomendações das diretrizes internacionais e nacional para TAVR em pacientes com estenose aórtica grave e sintomática foram expandidas nos últimos anos para incluir estratos com risco cirúrgico incrementalmente menor. Até o momento, no entanto, a cirurgia ainda é a terapia padrão nos pacientes de baixo risco.

Referências

  1. Cribier A, Eltchaninoff H, Bash A, et al. Percutaneous transcatheter implanta- tion of an aortic valve prosthesis for cal- cific aortic stenosis: first human case de- scription. Circulation 2002;106:3006-8.
  2. Leon MB, Smith CR, Mack M, et al; for PARTNER Trial Investigators. Transcatheter aortic-valve implantation for aortic stenosis in patients who cannot undergo surgery. N Engl J Med. 2010;363(1):1597–607.
  3. Smith CR, Leon MB, Mack MJ, et al. Transcatheter versus surgical aortic-valve replacement in high-risk patients. N Engl J Med 2011;364:2187-98.
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  5. Leon MB, Smith CR, Mack MJ, et al. Transcatheter or surgical aortic-valve replacement in intermediate- risk patients. N Engl J Med 2016;374:1609-20.
  6. Reardon MJ, Van Mieghem NM, Popma JJ, et al. Surgical or transcatheter aortic-valve replacement in intermediate-risk patients. N Engl J Med 2017;376:1321-31.
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  8. Mack MJ, Leon MB, Thourani VH, et al. Transcatheter Aortic-Valve Replacement with a Balloon-Expandable Valve in Low-Risk Patients. N Engl J Med. 2019 Mar 17
  9. Baumgartner H, Falk V, Bax JJ, et al. ESC Scientific Document Group, 2017 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease, European Heart Journal, Volume 38, Issue 36, 21 September 2017, Pages 2739–2791
  10. Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO, et al. 2017 AHA/ACC Focused Update of the 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2017 Jun 20;135(25):e1159-e1195.
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Sobre o Autor

Caio Cafezeiro

Médico com residência médica em Clínica Médica Hospital Santo Antônio (OSID-BA) e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP).

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