A avaliação do risco cardiovascular no paciente em prevenção primária faz parte da rotina do cardiologista. Essa tarefa é realizada através da pesquisa de fatores de risco (‘positivos’ ou diretamente relacionados ao risco cardiovascular) – como a hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, presença de diabetes, obesidade, etc – associados ao uso de calculadoras de risco, que, através da inserção de dados clínicos e laboratoriais, conseguem estimar o risco de eventos cardiovasculares em determinado horizonte de tempo e, assim, categorizar os pacientes em grupos de baixo, médio e alto risco.
Contudo, a idade tem um peso muito importante em todos os escores de risco e, após um certo nível, quase que a totalidade dos pacientes, sobretudo os mais idosos, mesmo que ativos e sem outras morbidades, acabará sendo alocado em uma probabilidade de risco CV elevada e, de acordo com muitas diretrizes/guidelines, iniciará discussões junto a seu equipe médica a respeito da instituições de medicações no sentido de mitigar esse risco.
O uso de medicações, sobretudo em uma faixa etária mais elevada, pode tornar-se problema quando consideramos os riscos de polifarmácia e efeitos colaterais, podendo, ficando a balança do custo vs benefício as vezes difícil de se ponderar a respeito da prescrição, ou não, da medicação, ainda mais quando se está em um cenário de prevenção primária.
Tendo em mente essa situação e considerando que a idade em si talvez não seja um marcador tão bom, sobretudo nos últimos 15 anos, partimos numa busca por marcadores biológicos que pudessem, ao invés de aumentar, diminuir o risco cardiovascular estimado pelas calculadoras de risco e, assim, melhor individualizar o risco CV, sobretudo dos pacientes mais idosos.
Vários marcadores foram propostos e são estudados na tentativa de avaliar esse papel de fator de risco ‘negativo’, por exemplo: ausência de microalbuminúria, índice-tornozelo braquial normal, proteína-C-reativa < 2 mg/dL, lipoproteína A < 30 mg/dL, apoliproteína B < 25, ausência de história familiar positiva, dentro outros.
Dessas inúmeras ferramentas, a que vem ganhando cada vez mais evidência clínica como um re-estratificador negativo do risco CV é o escore de cálcio (EC) em artérias coronárias, quando seu valor vem de zero ou menor que 10.
Em duas coortes de pacientes diferentes, BioImage e MESA, o escore de cálcio teve a melhor perfomance como re-estratificador de risco, quando comparado com diversos outros marcadores.
De maneira simplificada, esses obtiam o risco cardiovascular através de uma calculadora de risco e, após o resultado do EC com baixos valores, avaliavam qual foi o risco daquele grupo de pacientes após o resultado do EC, em comparação ao risco pré-exame.
Em ambas as coortes, o EC performou como um excelente re-estratificador, conforme podemos observar nas figuras abaixo, que vem de dados da coorte BioImagem e MESA, respectivamente.
Dado a maior robustez desse marcador, algumas diretrizes já passam a considerar a realização do EC, sobretudo em cenário de indivíduos com risco cardiovascular intermediário, onde se haja dúvida e/ou alguma limitação clínica para o início de terapia farmacológica, sobretudo o início de estatinas. Há particularmente um grupo de pacientes que aparenta ter maior benefício em saber se o seu escore de cálcio seja baixo/zero, conforme observado logo abaixo em tabela da publicação do 2019 ACC/AHA Guideline on the Primary Prevention of Cardiovascular Disease (disponível aqui):
Leitura sugerida:
- Role of Coronary Artery Calcium Score of Zero and Other Negative Risk Markers for Cardiovascular Disease
The Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis (MESA). Circulation. 2016;133:849–858. doi: doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.115.018524 - Negative Risk Markers forCardiovascular Events in the Elderly. J Am Coll Cardiol. 2019 Jul 9;74(1):1-11. doi: 10.1016/j.jacc.2019.04.049.