Desafio de ECG Ficha Técnica Pronto-Socorro

Fibrilação Atrial Pré-excitada

Fibrilação Atrial Pré-Excitada. Observe que a morfologia do QRS (negativo em V1 e negativo em derivações inferiores) sugere uma via acessória posterosseptal direita

Resposta: Fibrilação Atrial (FA) Pré-excitada (provável via acessória póstero-septal direita)

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Os traçados acima se referem a um paciente real. Observa-se no primeiro uma taquiarritmia de QRS largo, com R-R irregular. A primeira hipótese que se poderia pensar é que se trata de uma Taquicardia Ventricular (TV) Polimórfica.

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É preciso notar, no entanto, que os complexos QRS tem morfologia bastante variável entre si, por vezes com um padrão mais alargado e outras vezes com um QRS mais estreito, com morfologia semelhante ao batimento sinusal normal. Essa mudança importante de morfologia auxilia no diagnóstico e é causada devido a quantidades diferentes de miocárdio ventricular sendo despolarizados pela frente de onda da via acessória versus a frente de onda normal do nó atrioventricular.

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A frequência variável, chegando inclusive a valores maiores que 300 bpm em alguns momentos, também não é típica de uma TV polimórfica.

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A conduta ideal frente a casos com este é a mesma preconizada pelo ACLS, com algumas ressalvas: pacientes com taquiarritmia INSTÁVEL (ou seja, com pelo menos um dos sintomas a seguir: rebaixamento do nível de consciência, dispneia, hipotensão ou dor torácica) devem ser imediatamente submetidos a cardioversão elétrica sincronizada – e não desfibrilação, já que este termo é reservado aos casos em que se aplica uma descarga elétrica não sincronizada, como nos casos de TV polimórfica ou Fibrilação Ventricular (FV). Os pacientes estáveis habitualmente podem ser submetidos a terapias de controle de frequência ou cardioversões químicas, mas existe uma dificuldade prática no uso de drogas antiarrítmicas nesse cenário, pelo menos no Brasil.

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Especificamente nos casos de FA pré-excitada, poucos estudos demonstraram eficácia e segurança no término da arritmia com Procainamida e Ibutilida para os casos estáveis, sendo outras medicações contraindicadas como betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio, adenosina, digoxina e amiodarona, por reduzirem isoladamente ou em conjunto a refratariedade do nó AV, podendo suscitar um aumento maléfico na condução pela via acessória e degeneração para FV (aqui vale uma ressalva quanto à amiodarona já que apesar de reduzir a refratariedade do nó AV, ela também reduz da via acessória e portanto seria uma alternativa aceitável segundo algumas referências [1]). A diretriz da AHA/ACC/HRS de taquiarritmias supraventriculares de 2015 [2] coloca como classe III (malefício), nível de evidência C-LD (baseado em consenso de especialistas) todas as drogas acima referidas, para o seu uso no contexto de FA pré-excitada. Outras possibilidades de tratamento seriam com Propafenona, Flecainida, porém suas formulações parenterais não são disponíveis comercialmente em vários países.

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Logo, no Brasil, pela indisponibilidade de medicações EV seguras, mesmo em pacientes com estabilidade clínica a melhora opção é sempre a Cardioversão Elétrica Sincronizada.

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Por fim, o ECG após a cardioversão mostra um ECG praticamente normal, exceto por um intervalo PR curto e discreta alteração de repolarização, especialmente em parede inferior. Este ECG não tem todas as características para uma pré-excitação manifesta, porém tem algumas delas, por isso chamamos de “Wolf inaparente” – mais detalhes vide nosso post antigo sobre síndrome de Wolf-Parkinson-White aqui.

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ECG após Cardioversão Elétrica Sincronizada. Observe um ECG quase normal, exceto por um intervalo PR curto associado a uma discreta alteração de repolarização, principalmente em parede inferior.

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Este paciente possui ainda um intervalo R-R mínimo de aproximadamente 200ms (ou 5 “quadradinhos” no ECG). Um estudo de 1979 publicado no New England Journal of Medicine [3, 4] correlacionou o menor intervalo R-R durante a FA pré-excitada como predito de FV e morte súbita, principalmente quando menor que 250ms, e esta ferramenta é utilizada até hoje como estimativa do período refratário da via acessória e portanto, de morta súbita.

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A conduta, portanto, após estabilização clínica, é manter o paciente internado para realização de um Estudo Eletrofisiológico na mesma hospitalização, dado risco de morte súbita cardíaca associada aos eventos de FA pré-excitada neste caso.

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Referências:

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  1. Lorga, A., et al., Diretrizes para Avaliação e Tratamento de Pacientes com Arritmias Cardíacas. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2002. 79: p. 1-50.
  2. Page Richard, L., et al., 2015 ACC/AHA/HRS Guideline for the Management of Adult Patients With Supraventricular Tachycardia. Circulation, 2016. 133(14): p. e506-e574.
  3. Obeyesekere, M., et al., Risk of sudden death in Wolff-Parkinson-White syndrome: how high is the risk? Circulation, 2012. 125(5): p. 659-60.
  4. Klein, G.J., et al., Ventricular Fibrillation in the Wolff-Parkinson-White Syndrome. New England Journal of Medicine, 1979. 301(20): p. 1080-1085.

Sobre o Autor

Rodrigo M. Kulchetscki

Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná. Residência Médica em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP).
Atualmente é Fellow em Arritmia, Eletrofisiologia e Estimulação Cardíaca Artifical na mesma instituição.

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