Fibrilação atrial subclínica: Quando anticoagular?
A fibrilação atrial é a arritmia cardíaca mais prevalente na população. A associação com eventos tromboembólicos, declínio cognitivo, disfunção ventricular e outros desfechos reforça a relevância do tema.
O envelhecimento populacional associado com a elevação de outros fatores de risco (hipertensão arterial, DM2, DRC, obesidade) contribui para a atual estimativa de risco: 1 em cada 3 pessoas acima de 55 anos vão apresentar FA durante a vida.
O tratamento da FA com a utilização de anticoagulantes após avaliar o risco de eventos tromboembólicos (escore CHA2DS2-VASc) é prática comum no dia-a-dia de colegas que cuidam de pacientes com diversas comorbidades e idade avançada. Mas o que fazer ao identificar eventos de FA identificados em dispositivos implantáveis (marca-passo, CDI) ou outros monitores eletrônicos (AppleWatch)?
Para o correto manejo dessas diferentes situações, devemos estar atentos às atuais definições.
Fibrilação atrial clínica: FA sintomática ou assintomática que é documentada em ECG de 12 derivações ou traçado com derivação única em que tenha pelo menos 30 segundos de duração.
Episódios de alta frequência atrial (EAFAs): eventos atriais de alta frequência que são detectados pelo eletrodo atrial dos dispositivos como marca-passo. Obs: É necessário a análise para diferenciação entre verdadeiras arritmias e artefatos.
Fibrilação atrial subclínica: EAFAs ou episódios de FA detectados por dispositivos implantáveis ou monitores eletrônicos (wearables) em paciente sem diagnóstico prévio de FA.
A FA subclínica é encontrada em cerca de 30-50% dos pacientes que possuem dispositivos implantáveis. Ela é um preditor de evolução para futura FA clínica.
Meta-análise de diversos estudos demonstrou o aumento em 2,4 vezes no risco de eventos tromboembólicos nesses pacientes.
Então ficou simples: vamos tratar da mesma forma que tratamos FA clínica, correto? Infelizmente, não é tão fácil, até a presente data, o manejo dessa situação. Apesar de demonstrada a relação com aumento do risco de AVC, a duração do evento foi diferente em cada estudo (ASSERT após 6 minutos; TRENDS após 5,5h). O registro RATE demonstrou que pacientes com episódios de FA de curta duração (<20 segundos) não devem receber anticoagulação, pois estes não estão associados com elevação de risco de AVC ou AIT.
Enquanto os aguardados ensaios clínicos (ARTESIA e NOAH AFNET 6) ainda não foram concluídos, a evidência que temos da utilização de anticoagulantes em FA subclínica vem de estudos retrospectivos em que a maior redução de eventos tromboembólicos relacionados parece estar nos pacientes que apresentam >24h de eventos.
Dessa forma, as principais sociedades de cardiologia recomendam a individualização da conduta levando em consideração o escore CHA2DS2-VASc e a duração e carga de FA subclínica. Pacientes com alto risco tromboembólico (CHA2DS2-VASc ≥ 2 homem e ≥ 3 mulher) e FA subclínica > 24h, considerar anticoagulação. Pacientes de baixo risco (CHA2DS2-VASc = 0 homem e ≤ 1 mulher) e/ou FA subclínica <20 segundos, não anticoagular. Para os demais pacientes, não temos evidências que permitam sugerir uma conduta específica. Enquanto isso, é nosso papel rastrear se a FA subclínica evolui para FA clínica; estimular a mudança de estilo de vida e garantir o controle dos fatores de risco que estão associados com a elevação do risco tromboembólico para as duas entidades.
Leitura sugerida:
1. 2020 ESC Guidelines for the diagnosis and management of atrial fibrillation developed in collaboration with the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS). European Heart Journal (2020) 42, 373498.
2. Giuseppe Patti, Alessandro Sticchi, Subclinical atrial fibrillation: when to give NAO?, European Heart Journal Supplements, Volume 22, Issue Supplement_E, June 2020, Pages E105–E109