A atual pandemia do COVID-19, assim como as epidemias prévias de outros coronavírus (SARS e MERS) e a pandemia de 2009 (H1N1) levam a consequências brutais nos modelos de sáude, econômicos e sociais de toda população.
A SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome), em 2002, atingiu 8000 pacientes em 29 países, cursando com 916 mortos. A MERS (Midlle East Respiratory Syndrome), em 2012, acometeu 2254 pacientes e causou 800 mortes (mais de 30% de mortalidade). Enquanto escrevo esse post já temos mais de 300.000 casos diagnosticados (certamente um número bem maior não ‘confirmado’) e mais de 10 mil mortos. No Brasil, já passamos dos 1000 mil casos e das 25 mortes. Os números devem subir.
Embora os sintomas respiratórios, sobretudo no tocante ao desenvolvimento de quadros de Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo Grave, dominem a discussão e as preocupações iniciais da população leiga e dos profissionais de saúde, os outros sistemas, sobretudo o cardiovascular, são bastante afetados por essas condições e, muitas vezes, são responsáveis pelas complicações e mortalidade desses pacientes.
Na fase aguda dos quadros virais graves, como em outras coronoviroses, podemos cursar clinicamente com taquicardia, hipotensão, bradicardia, arritmias e morte súbita. Alterações eletrocardiográficas e aumento de troponina sinalizam acometimento miocárdico na forma de miocardite. Ao ecocardiograma observa-se alteração da função diastólica, a discretas alterações da função sistólica até quadros de disfunção ventricular sistólica grave e derrame pericárdico podem ser encontradas.
Em trabalhos publicados até o momento existem taxas de insuficiência cardíaca aguda, choque e arritmia de 7.2%, 8.7% e 16,7%, respectivamente. O fato é que nos parece que o acometimento cardiovascular é frequente e está associado a maior taxa de complicações.
Em trabalho recente publicado no JAMA Cardiology, pesquisadores Chineses avaliaram 416 pacientes internados com COVID. Nesse casuística, a mediana de idade foi de 64 anos e houve um balanço 50/50% entre sexo masculino e feminino. Desses, 82 pacientes (19%) tiveram injúria miocárdica (basicamente por biomarcadores – CKMB/Troponina e BNP) e esses pacientes tiveram maiores taxas de uso de ventilação mecânica não invasiva, invasiva e morte, quando comparados aos indivíduos sem acometimento cardíaco.
Esse acometimento cardiovascular decorre devido a um desbalanço entre o aumento da demanda metabólica/inflamatória ocorrendo decorrente do quadro inflamatório desencadeado pelo vírus e uma reserva cardíaca reduzida. Não por acaso, a maior mortalidade dos quadros tem se concentrado em indivíduos mais idosos e com presença de co-morbidades cardiovasculares. Pacientes com doença arterial coronária tem maior risco de instabilização de placas e desenvolvimento de síndromes coronarianas agudas. Pacientes com insuficiência cardíaca tem maior chance de descompensação. O estado inflamatório também torna o ambiente mais propenso a fenômenos trombóticos. Sendo assim, tem se recomendado as medicações de uso crônico dos pacientes (estatinas, antiagregantes, iECA/BRA, beta-bloqueadoras, etc) sejam mantidas, sendo a sua retirada/substituição avaliadas em nível individual e de acordo com as diretrizes vigentes (obviamente com novas recomendações podendo surgir a medida que saem novos trabalhos atualmente em andamento).
Embora-se acredite que a presença de infecções pulmonares graves possa afetar o prognósticos em longo prazo dos indivíduos cardiopatas, ainda faltam dados para saber se os pacientes recuperadas da infecção por COVID-19 irão experimentar efeitos em seu longo prazo. De toda forma, as evidências trazidas de outras situações nos levam a crer que um monitoramento rigoroso desse nicho deve ser feito afim de se detectar precocemente e manejar ativamente alterações cardiovasculares que esses pacientes venham a desenvolver.
Leitura sugerida:
Coronaviruses and the cardiovascular system: acute and long-term implications. European Heart Journal (2020) 0, 1–3. Disponível aqui.