Como eu faço? Pronto-Socorro

O que acontece se eu colocar um ímã sobre um Marca-passo ou CDI?

Se por um lado as indicações cada vez mais liberais contribuem para um uso cada vez mais frequente dos Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (DCEI) como Marca-Passos (MP), Ressincronizadores (TRC) e Cardiodesfibriladores Implantáveis (CDI), por outro lado o profissional de saúde frequentemente se encontra frente a situações em que eventuais interferências eletromagnéticas (bisturi elétrico, por exemplo) ou mal funcionamento (terapias inapropriadas por fratura de um cabo-eletrodo, por exemplo) podem gerar problemas sérios ao aparelho e/ou paciente. 

A reprogramação do dispositivo pode resolver boa parte destes problemas, no entanto existe a necessidade de pessoal especializado que saiba fazer uso dos programadores, habitualmente específicos para cada marca, além de disponibilidade dos aparelhos e do profissional. 

O uso de ímãs sobre o dispositivo pode facilitar a solução destas intercorrências no dia-a-dia, por exemplo: 

No Pronto Socorro, pode (1) ser usado para diferenciar arritmias conduzidas (quando o MP apenas conduz uma arritmia do próprio paciente) de mediadas pelo MP (quando o próprio MP é responsável por causar e perpetuar a arritmia); (2) desligar temporariamente terapias de um CDI por exemplo, por choques inapropriados; (3) para realizar procedimentos de emergência ao deixar em modo assíncrono. 

No ambiente ambulatorial, pode (1) servir de teste de bateria em situações em que o programador não está disponível ou (2) pode servir como um Looper, já que o paciente pode registrar eventos de sintomas quando programado para tal. 

Existe, no entanto, um amplo desconhecimento por parte de cardiologistas e não cardiologistas sobre quais as respostas esperadas e a segurança no uso dos ímãs nessas situações. Responderemos 5 perguntas para esclarecer as dúvidas sobre o assunto, de forma que sirva de consulta para o dia-a-dia: 

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1) O que o ímã faz quando posicionado sobre um Marca-Passo ou Ressincronizador? 

2) O que o ímã faz quando posicionado sobre um CDI? 

3) Qualquer tipo de ímã serve? Onde devemos colocá-lo? 

4) E se eu colocar o ímã e nada acontecer? 

5) Se eu retirar o ímã do lugar, tudo volta ao normal, certo?

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Para entender melhor os textos abaixo, atente para a nomenclatura no ambiente dos DCEI com a legenda abaixo: 

  • Resposta ou Reversão Magnética: o que acontece com o aparelho quando em contato com um ímã
  • BOL (ou Beginning of Life): bateria carregada.
  • EOL (ou End of Life): bateria descarregada ou prestes a tal. A resposta do aparelho é imprevisível. 
  • ERI (ou Elective Replacement Indicator): faltam poucos meses para entrar em EOL. A resposta do aparelho ainda é previsível, mantendo todas/maioria das suas funções.
  • ERT (ou Elective Replacement Time): equivalente ao ERI – mais usado nos MPs da Boston Scientific
  • ERN (ou Elective Replacement Near): faltam poucos meses para entrar em ERT – mais usado nos MPs da Boston Scientific. 
  • FC: Frequência Cardíaca.
  • IAV: intervalo atrioventricular, o correspondente ao intervalo PR no MP
  • EGM: Eletrograma, ou seja, o registro da atividade cardíaca intracavitário. 

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1) O que o ímã faz quando posicionado sobre um Marca-Passo ou Ressincronizador? 

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De uma forma geral, pode-se dizer que a resposta magnética deve ativar o modo assíncrono de estimulação do aparelho (ou seja, fazem o switch de AAI -> AOO, DDD -> DOO e VVI -> VOO ou, no caso dos TRCs, deixam em assíncrono com estimulação biventricular e com intervalo interventricular de zero), ao mesmo tempo em que faz uma avaliação da bateria do aparelho (entenda melhor abaixo). No entanto, existem diferenças conforme o fabricante e ainda, a resposta magnética pode ser programável para outras funções – logo, dependendo do que foi programado na última avaliação eletrônica, talvez o MP não tenha um resposta de mudança para o modo assíncrono. 

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1.1) Medtronic 

A resposta magnética dos MPs da Medtronic não é programável, logo, espera-se a mesma resposta em todos os aparelhos da marca (pelo menos até a geração EnRhythm®). A resposta é: os primeiros 3 batimentos acontecem em FC 100bpm e o terceiro dos três gera uma espícula com 20% a menos de energia que os anteriores. Em seguida, o MP inicia a estimulação em modo assíncrono em uma FC que depende da carga da bateria (EOL gera FC de 85 bpm e ERI gera FC de 65 bpm). 

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1.2) Biotronik 

A resposta magnética depende da programação. Existem três possibilidades: (1) modo “asynchronous”, que ativa o modo assíncrono do aparelho e inicia estimulação a FC de 90 bpm (se em BOL) ou 80 bpm (se em ERI/EOL); (2) modo “synchronous”, que ativa a estimulação na FC mínima programada do modo de estimulação em vigência (se o paciente estiver em condução própria com FC espontânea acima da FC mínima de programação, nada irá acontecer) e (3) modo “auto”, que gera uma sequência de 10 pulsos assíncronos (com a resposta de FC semelhante ao do modo assíncrono) e depois volta ao modo “synchronous”. 

A programação nominal de fábrica usualmente é o modo “auto”. 

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1.3) Abbott (antiga St Jude) 

A resposta magnética depende da programação. Existem quatro possibilidades: (1) modo “OFF” que ignora a presença do ímã e não modifica seu modo de estimulação ou FC; (2) modo “Battery test”, que modifica imediatamente para o modo assíncrono, com FC que depende do tempo de bateria e geração do aparelho (98,6/100 bpm em BOL e 86,3/85 bpm em ERI, com IAV 120 ms nos modos bicamerais); (3) modo “Battery test + EGM”, que consiste em duas funções em uma: se o ímã for posicionado por menos de 5 segundos, ele servirá apenas para registro do EGM do paciente naquele instante, enquanto que se for posicionado por mais de 5 segundos, ativará o modo assíncrono, com FC semelhante ao modo descrito anteriormente; (4) modo “EGM”, em que o posicionamento no ímã apenas registra o EGM do paciente naquele instante, sem ativar o modo assíncrono. 

A programação nominal de fábrica é o modo “Battery test”.

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1.4) Boston Scientific

A resposta magnética depende da programação. Existem três possibilidades, que correspondem aos modos (1) “OFF”, (2) “Pace Async” e (4) “Store EGM”, a semelhança ao que foi exposto da empresa Abbott, porém com FC diferente. Em modo assíncrono, os MP da Boston Scientific estimulam a FC 100 bpm em EOL com IAV 100ms, 90 bpm em ERN e 85 bpm em ERI. 

Vale ressaltar que os MPs Boston, assim como os da Medtronic, também reduzem a intensidade da terceira espícula na programação magnética como forma de realizar um “mini teste” de captura. A redução aqui é de 50%. 

A programação nominal de fábrica é o modo “Pace Async”.

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2) O que o ímã faz quando posicionado sobre um CDI?

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De uma forma geral, a resposta magnética dos CDIs e TRCs com CDI é desligar as terapias de taquiarritmias (ATPs e Choques), SEM AFETAR O MODO DE ESTIMULAÇÃO. Ou seja, o contato do CDI com um ímã, ao contrário dos MPs, não o coloca em modo assíncrono. Existem, no entanto algumas particularidades de cada marca.

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2.1) Medtronic

A resposta magnética dos CDIs da Medtronic não é programável, sendo a terapia de taquiarritmias suspensa enquanto o ímã estiver sobre o aparelho. Se a função “device alert” estiver ligada, haverá uma confirmação por áudio de que de fato as terapias estão suspensas.

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2.2) Biotronik

A resposta magnética dos CDIs da Biotronik é de desabilitar a detecção de taquiarritmias (e, portanto, impede as terapias). Vale ressaltar que a geração Lumax® de CDIs interrompe esta função após 8h contínuas de contato com o imã, logo, se houver eventualmente a necessidade de mais tempo, deve-se retirar o ímã, aguardar poucos segundos e reposicionar novamente, reabilitando então a resposta magnética por mais 8h.

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2.3) Abbott (antiga St Jude)

Existe a possibilidade de desligar a resposta magnética, programando no modo “OFF” durante a interrogação do aparelho. No mais, a resposta habitual também é de desabilitar a terapia antitaquicardia. 

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2.4) Boston Scientific

Os CDIs da Boston Scientific são os mais “complicadinhos” quando se vai analisar a resposta magnética, já que dependem da ativação ou não de um outro modo, também programável, chamado “change tachy mode with magnet” (ou mudança do modo de tratamento de taquicardia com o ímã), presente especialmente em algumas séries dos modelos PRIZM®, PRIZM2®, VITALITY DS® e VITALITY EL®. Se este modo não estiver habilitado – como é o caso das gerações mais recentes –, a terapia antitaquicardia permanece desabilitada apenas enquanto em contato com o imã. Por outro lado, se o modo estiver habilitado, a colocação do ímã pode desabilitar PERMANENTEMENTE as terapias antitaquicardia. Nesse último caso, para reabilitar as terapias você deverá reprogramar o aparelho ou reposicionar o ímã por ≥ 30 segundos. 

Existe uma sequência de sons ou alertas auditivos que o CDI da Boston Scientific pode gerar quando o ímã é posicionado, e sua interpretação se refere justamente à existência desse modo “change tachy mode with magnet”. Se um som contínuo e prolongado é escutado, quer dizer que as terapias antitaquicardia estão suspensas mesmo após a retirada do ímã. Se um som tipo beep intermitente que se perdura por mais de 30 segundos é escutado, quer dizer que a terapia antitaquicardia só está desabilitada enquanto o ímã estiver posicionado sobre o gerador. Por fim, se o som tipo beep se seguir, após 30 segundos, de um som contínuo e prolongado, de novo as terapias antitaquicardia estão suspensas mesmo após a retirada do ímã. Para reabilitar as terapias, você precisa reposicionar o ímã e esperar mais de 30 segundos, quando então o som contínuo irá se transformar em um som tipo beep intermitente. 

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3) Qualquer tipo de ímã serve? Onde devemos colocá-lo?

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Para habilitar a resposta magnética de algum MP, é necessário um contato contínuo com um campo magnético mínimo de 10 Gauss. Os fabricantes sugerem de uma forma geral um ímã tipo anel, com 75mm de diâmetro e 16mm de espessura, de liga de ferro revestida, que consiga gerar um campo magnético de pelo menos 90 Gauss a uma distância de 40mm da sua superfície (Figura 1). Para comparação, um ímã de geladeira comum tem aproximadamente 100 Gauss de força de campo magnético. 

 

Figura 1 – Modelo de ímã sugerido pelos fabricantes (por exemplo, o modelo 6860)

Fonte: https://www.bostonscientific.com/content/dam/bostonscientific/quality/education-resources/english/US_ACL_Sterilization_Repeated_Use_Products_20150313.pdf

Recomenda-se que o ímã seja posicionado a até 3 cm do gerador do aparelho. A posição ideal depende do fabricante (Figura 2). Os ímãs da Abbott (antiga St Jude) necessitam ser posicionados com a curva interna posicionada na borda superior ou inferior do gerador. Terapias inapropriadas já foram descritas por posicionamento incorreto dos ímãs de todas as marcas, em especial da Abbott devido a esta peculiaridade. 

 

Figura 2 – observe em E a posição sugerida para os ímãs dos fabricantes Medtronic, Boston Scientific e Biotronik. Em F, observe a sugestão de posicionamento nos aparelhos da fabricante Abbott (antiga St Jude).

Fonte: adaptado da referência 1.

Vale ressaltar ainda que os cabeçotes dos programadores da Medtronic e da Biotronik possuem ímãs em sua constituição e podem eventualmente servir como tal, a depender da situação.

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4) E se eu colocar o ímã e nada acontecer?

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Em caso de MPs, existem basicamente três justificativa para você posicionar um ímã e nada acontecer: (1) o campo magnético do ímã não está alcançando adequadamente o gerador – isso pode acontecer devido a um mal posicionamento ou por uma distância muito grande da pele para o gerador, por exemplo em pacientes obesos; (2) o aparelho está com a resposta magnética programa em “OFF” ou no modo “synchronous” com FC elevada no caso dos aparelhos Biotronik; (3) o aparelho está em EOL. 

Em caso de CDIs, você deve esperar uma confirmação por áudio de que a terapia antitaquicardia foi desabilitada apenas nas marcas Medtronic e Boston Scientific, conforme discutido anteriormente. Alguns modelos da Abbott (antiga St Jude) tem uma resposta vibratória (modelos Atlas® e Epic II®), porém a maioria não gera nenhum feedback, assim como os CDIs Biotronik. Logo, você precisa ter certeza de que o posicionamento do imã foi adequado e de que a programação da resposta magnética é adequada antes de confiar na capacidade de desabilitar terapias nestes modelos. 

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5) Se eu retirar o ímã do lugar, tudo volta ao normal, certo?

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A resposta é sim para a maioria dos cenários, tanto de MPs e TRCs quanto de CDIs. É preciso, no entanto, estar atento especialmente aos CDIs da Boston Scientific devido à programação “change tachy mode with magnet” e suas confirmações sonoras, conforme discutido anteriormente. Além disso, em CDIs Medtronic, recomenda-se confirmar que as terapias antitaquicardia foram realmente reabilitadas após a retirada do ímã com um rápido reposicionamento do ímã e avaliação das confirmações sonoras – é esperado um som longo e contínuo para confirmar que está tudo bem; se você escutar um som tipo beep com um tom alternante alto-baixo, existe a chance de ter acontecido um reset eletrônico e o dispositivo precisar ser reprogramado. 

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Conclusão: 

O uso de imãs na prática médica, desde que consciente, pode auxiliar na condução de casos clínicos de urgência e para realizar testes quando não se disponibiliza o programador ou a pessoa técnica habilitada para programação. As respostas magnéticas de cada dispositivo são padronizadas e podem auxiliar na tomada de decisão e tratamento. 

Existe ainda um Guia de Consulta sobre Marcapassos, Cabos-eletrodos e Cardioversores-Desfibriladores Implantáveis, publicado pela revista Relampa e disponível na internet, que atualiza as frequências cardíacas esperadas para resposta magnética em cada aparelho, conforme o tempo de bateria, o que pode ser de grande ajuda em situações de acesso dificultado a um programador. 

Resumindo o que foi exposto, observe as figuras 3 (MPs e TRCs) e 4 (CDIs) com um fluxograma de respostas magnéticas nestes diferentes fabricantes. 

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Figura 3 – Resposta Magnética nos MPs e TRCs (adaptado da referência 1)

 

Figura 4 – Resposta Magnética nos CDIs (adaptado da referência 1)

Pra finalizar, a resposta magnética é tão específica de cada marca que este algoritmo desenvolvido por Squara et al teve ótima acurácia na detecção de qual a marca de um MP desconhecido, conforme a resposta magnética (Figura 5): 

 

Figura 5 – Fluxograma sugerido para identificar a marca de um MP desconhecido conforme a sua resposta magnética (adaptado da referência 2)

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Referências: 

  1. Jacob S, Panaich SS, Maheshwari R, Haddad JW, Padanilam PJ and John SK. Clinical applications of magnets on cardiac rhythm management devices. Europace (2011) 13, 1222–1230. 
  2. Squara F, Chik W, Benhayon D, et al. Development and Validation of a novel algorithm based on the ECG magnet response for rapid identification of any unknown pacemaker. Heart Rhythm (2014), 11(8), 1367–1376.
  3. Manuais da Medtronic, Biotronik, Boston Scientific e Abbott para cada tipo de dispositivo, disponíveis gratuitamente na internet.

Sobre o Autor

Rodrigo M. Kulchetscki

Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná. Residência Médica em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP).
Atualmente é Fellow em Arritmia, Eletrofisiologia e Estimulação Cardíaca Artifical na mesma instituição.

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