Ficha Técnica

O que fazer se o seu paciente com Fibrilação Atrial, já em anticoagulação, precisa de AAS + Clopidogrel? ​

Imagine que algum paciente seu portador de uma Fibrilação Atrial (FA) com score CHA2DS2-VASC ≥ 3 para mulheres ou ≥ 2 para homens faz uso de algum anticoagulante oral de forma contínua. E se esse seu paciente precisar de uma angioplastia coronariana com implante de Stent?
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Sabemos que até 10% dos pacientes com FA irão necessitar de angioplastia coronariana em algum momento e que, após o implante de um stent coronariano ou uma síndrome coronariana aguda, durante um certo período de tempo, existe a necessidade de uso de Dupla Antiagregação Plaquetária (DAPT), normalmente com AAS e outro agente inibidor de PYP12 (seja Clopidogrel, Prasugrel ou Ticagrelor). Mas, surge a dúvida: se o meu paciente já faz uso de um anticoagulante oral, e agora? O que você faria? Existe alguma recomendação formal sobre este tema?
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No contexto da FA, temos alguns estudos bem desenhados que podem auxiliar na resposta a esta pergunta. A necessidade de DAPT em pacientes que anticoagulam por outros motivos, como por exemplo, em portadores de prótese mecânica ou em portadores de tromboembolismo venoso tem evidência bem mais escassa e será abordado em publicações futuras do Temas em Cardiologia.
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Voltando à FA então, como melhor responder a esta pergunta?
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Em abril de 2018, uma Metanálise publicada no European Heart Journal pelo grupo do Brigham and Womens Hospital (afiliado à Harvard Medical School) em conjunto com outros pesquisadores, fez uma revisão da literatura sobre o assunto e chegou a uma conclusão interessante.
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Após pesquisa extensa na literatura e incluindo apenas estudos randomizados controlados fase 3 (4 estudos ao todo: WOEST, ISAR-TRIPLE, PIONEER AF-PCI, RE-DUAL PCI), envolvendo 5317 pacientes (aproximadamente 45% com síndrome coronariana aguda), concluiu que a terapia dupla desde o começo (isto é, o anticoagulante – seja ele a varfarina, a Dabigatrana ou a Rivaroxabana – somado a apenas um antiagregante – em geral um inibidor de PYP12 como Clopidogrel/Ticagrelor/Prasugrel) mostrou-se superior no desfecho de segurança de sangramento TIMI maior ou menor, com redução de 47% (4,3% vs 9,0%; HR 0,53, Intervalo de Confiança 95% 0,36-0,85), inclusive com uma redução de sangramento intracraniano de 42% (mas que não atingiu significância estatística), em relação ao grupo terapia tripla. Em relação aos eventos tromboembólicos (que variava entre cada estudo, mas que de uma forma geral incluia infarto, AVC, trombose de stent, morte geral e cardíaca), evidenciou-se uma equivalência de desfechos (10,4% na terapia dupla vs 10,0% na terapia tripla, HR 0,85, Intervalo de Confiança 95% 0,23-1,49).
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Sabemos que o sangramento neste contexto, qualquer que seja, se correlaciona com piores desfechos, já que frequentemente ou a DAPT ou a anticoagulação é suspensa, e pode porventura propiciar um aumento na taxa de fenômenos tromboembólicos.
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Mais recentemente, tivemos a publicação do estudo AUGUSTUS, que foi apresentado na sessão de Late-Breaking Clinical Trials do ACC.19 (congresso do American College of Cardiology de 2019) e também publicado quase que simultaneamente no New England Journal of Medicine. Este estudo é o maior trabalho com NOACs neste contexto.
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Participaram 4614 pacientes de 33 países, com todos os participantes portadores de FA com indicação de anticoagulação e que por algum motivo necessitavam de DAPT (ou por implante eletivo de stent ou por síndrome coronariana aguda com ou sem implante de stent) foram randomizados em um fatorial 2×2 e seguidos por 6 meses. Isso quer dizer que no fim das contas tivemos 4 grupos neste trabalho: [Apixabana + AAS + Inibidor de PYP12], [Apixabana + Placebo + Inibidor de PYP12], [Varfarina + AAS + Inibidor de PYP12] e [Varfarina + Placebo + Inibidor de PYP12], sendo o desfecho primário do estudo de sangramento, conforme uma classificação comumente usada em ensaios clínicos, e os desfechos secundários foram um composto de “morte + hospitalização” e “morte + evento isquêmico”. Vale ressaltar que todos os pacientes receberam AAS no dia da SCA ou angioplastia e só foram alocados em um destes grupos após a randomização (que foi em média 6 dias depois da inclusão no protocolo)
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De uma foram sintética, os resultados deste estudo favoreceram o uso de Apixabana + inibidor de PYP12 isolado (92,6% dos pacientes foi o Clopidogrel) como estratégia mais segura e não menos eficaz. Em comparação com a Varfarina, a Apixabana reduziu em 31% (10,5 x 14,7%, HR 0.69; intervalo de confiança [IC] de 95%, 0.58-0.81) os eventos de sangramento, atingindo inclusive a margem de superioridade, e tudo isso sem diferença estatísticamente significante em relação aos eventos isquêmicos – inclusive com achado de menores taxas de AVC no grupo apixabana.
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O AAS, por sua vez, aumentou em 89% (16,1% x 9,0%, HR 1.89; IC de 95%, 1.59-2.24; P<0.001) a taxa de sangramentos maiores ou clinicamente relevantes, sem diferença estatísticamente significante em relação aos desfechos isquêmicos em comparação com placebo, apesar de serem de fato numericamente menores no grupo AAS.
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Figura 1 – Curva de Kaplan-Meier referente ao desfecho primário (sangramento maior ou clinicamente relevante) do estudo AUGUSTUS
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É com bons olhos, portanto, que recebemos os resultados destes trabalhos.
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Hoje em dia, existem recomendações de diretrizes internacionais (destaque para a última diretriz de FA da ESC, publicada em 2016, e para a atualização de DAPT na doença arterial coronariana, também da ESC, publicada em 2017) e consensos de especialistas que sustentam o uso de terapia tripla com DAPT + anticoagulante por algum período, variando de 1 a 6 meses, a depender do risco de sangramento do paciente.
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Figura 2 – Figura da Diretriz de FA da ESC (2016) referente às recomendações frente a necessidade de DAPT em pacientes em anticoagulação por FA
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Fica a pergunta: será que os futuros guidelines sobre o assunto irão recomendar apenas um NOAC + inibidor de PYP12 (sem aspirina) desde o começo, após uma SCA ou uma angioplastia coronariana com stent? Aguardamos ansiosamente essa resposta.
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Referências:
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1. Golwala HB, Cannon CP, Steg PG, Doros G, Qamar A, Ellis SG, Oldgren J, ten Berg JM, Kimura T, Hohnloser SH, Lip GYH, Bhatt DL. Safety and efficacy of dual vs triple antithrombotic therapy in patients with atrial fibrillation following percutaneous coronary intervention: a systematic review and meta-analysis of randomized clinical trials. European Heart Journal (2018) 39, 1726–1735 META-ANALYSIS doi: 10.1093/eurheartj/ehy16
2. Lopes RD, Heizer G, Aronson R, et al. Antithrombotic Therapy after Acute Coronary Syndrome or PCI in Atrial Fibrillation. N Engl J Med March 17, 2019. doi: 10.1056/NEJMoa1817083
3. Kirchhof P, Benussi S, Kotecha D, et al. 2016 ESC Guidelines for the management of atrial fibrillation developed in collaboration with EACS. European Heart Journal, Volume 37, Issue 38, 7 October 2016, Pages 2893–2962, doi: 10.1093/eurheartj/ehw210

Sobre o Autor

Rodrigo M. Kulchetscki

Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná. Residência Médica em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP).
Atualmente é Fellow em Arritmia, Eletrofisiologia e Estimulação Cardíaca Artifical na mesma instituição.

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