A realização de uma Ressonância Magnética (RM) em pacientes portadores de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (DCEI), como marca-passos, cardiodesfibriladores implantáveis (CDI) e ressincronizadores, diferente de outros exames de imagem como a ultrassonografia e a tomografia computadorizada por exemplo, requer uma série de cuidados.
A diretriz de 2021 da ESC sobre marca-passos e ressincronizadores coloca pela primeira vez como Classe I a realização de RM em pacientes portadores de DCEI “condicionais a RM” e Classe IIa nos “não condicionais a RM”. Portanto, o uso dessa modalidade tem crescido entre os pacientes com DCEI, então você não pode de saber detalhes sobre esse assunto, ok?!
A RM funciona utilizando três tipos de forças para a geração da imagem: (1) campo magnético estático; (2) gradientes de campo magnético e (3) pulsos de radiofrequência; essas forças, isoladas ou em combinação, podem interagir com objetos metálicos e potencialmente danificar componentes elétricos que estejam ao alcance do funcionamento do aparelho.
Por esse motivo, a medicina do trabalho classicamente define quatro “zonas de segurança” ao redor do aparelho de RM, onde objetos metálicos podem interagir com o aparelho, se movimentar e potencialmente gerar lesões a transeuntes (Figura 1).
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Os possíveis danos que o campo magnético da RM pode causar a um DCEI são vários, e dependem do tipo de dispositivo, da potência do campo magnético e dos pulsos de radiofrequência:
- Movimento induzido por campo magnético de materiais ferromagnéticos – na prática, o gerador possui esse risco, no entanto o movimento do gerador é mínimo dado confinamento na loja; e os cabo-eletrodos não possuem materiais ferromagnéticos em sua composição
- Corrente elétrica induzida pelo gradiente de campo magnético – com o potencial risco de pró-arritmias
- Aquecimento dos cabo-eletrodos – gerando lesão térmica no tecido miocárdico adjacente e eventualmente modificando limiares de sensibilidade e estimulação
- Ativação do Reed Switch – o Reed Switch é o dispositivo que permite os aparelhos serem afetados por meio de campo magnético com um imã. A RM pode ativar o modo magnético dos dispositivos, desativando terapias ou modificando a estimulação para modo assíncrono
- Reset do dispositivo – a RM pode gerar uma interferência eletromagnética de alta interferência e interagir com o DCEI, ativando o power-on reset.
- Oversensing – devido à interferência eletromagnética gerada pela RM, pode haver oversensing pelo dispositivo, com todas as suas consequências associadas.
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Além dos efeitos que a RM pode fazer no DCEI, este pode gerar ainda distorções na imagem (que podem ser reduzidas com uso de sequências de geração de imagem certas e com uso de filtros de banda larga), que aumentam quanto mais próxima a imagem em estudo está do dispositivo.
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Depois de tudo isso, você deve estar se perguntando: então não é possível realizar um exame de RM nesses pacientes, certo? Certo para muitos casos, errado para outros.
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Primeiro conceito: existem algumas situações em que definitivamente não é possível realizar uma RM nesses pacientes de maneira minimamente segura:
- na presença de Eletrodos fraturados ou eletrodos epicárdicos – nesses casos, pode acontecer um superaquecimento dos cabo-eletrodos gerando consequências imprevisíveis.
- Na presença de eletrodos abandonados endocárdicos (apesar de isso estar em discussão no momento)
- Na presença de marca-passos temporários
- Na presença de cabos-eletrodos muito antigos (> 20-30 anos), quando existe uso de adaptadores de conexão ou dúvida quanto ao seu funcionamento adequado
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Segundo conceito: desde 2008 existem DCEI chamados de “condicionados a RM”, que basicamente são dispositivos com seus materiais modificados de tal forma que existe uma redução importante na quantidade de material ferromagnético e no risco de aquecimento dos mesmos durante a exposição a um campo magnético como o da RM. Se o paciente possui um DCEI que é “MRI conditional”, ele pode sim realizar a RM – vale ressaltar que tanto o gerador quanto os cabo-eletrodos devem ser condicionais, e idealmente da mesma marca, já que marcas diferentes não foram amplamente testadas em ensaios clínicos. Vale ressaltar, no entanto, que para realizar o procedimento, é necessário programar o dispositivo da maneira apropriada antes do exame – muitos desses aparelhos possuem o “modo ressonância” em sua programação, que facilita o processo. A maioria dos estudos usou campos de 1,5 Tesla, no entanto pequenos trabalhos já avaliaram campos magnéticos maiores, sem grandes mudanças nos desfechos. Idealmente, o paciente deve ser monitorizado durante todo o exame, deve haver pessoal capacitado para suporte avançado de vida e um profissional que saiba interrogar o dispositivo deve estar à disposição para o caso de alguma intercorrência.
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Terceiro conceito: dependendo da necessidade do exame para um dado paciente, pacientes com DCEI não condicionados a RM podem eventualmente ser submetidos a uma RM, desde que algumas condições sejam satisfeitas:
1) Não existam eletrodos fraturas, abandonados ou epicárdicos
2) Exista mais de 6 semanas do implante do DCEI (apesar de isso ser discutível)
3) RM com campo magnético de 1,5 Tesla no máximo
4) O exame seja realizado em local equipado com aparelho de desfibrilação e pessoal capacitado para iniciar suporte avançado de vida
5) O paciente seja monitorizado durante todo o exame
6) O dispositivo seja avaliado imediatamente antes, com testes de limiar de capturar e sensibilidade, bem como imediatamente após o exame
7) Um profissional capacitado em interrogar o aparelho esteja disponível durante todo o exame
8) O aparelho seja programado de forma adequada, com modo assíncrono, com todas as funções especiais e reconhecimento de terapias desligadas (Figura 2)
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Segue abaixo o fluxograma do consenso da HRS de 2017 resumindo tudo o que foi dito nesse artigo.
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Referências:
- Indik JH, Gimbel JR, Abe H, Alkmim-Teixeira R, Birgersdotter-Green U, Clarke GD, Dickfeld TL, Froelich JW, Grant J, Hayes DL, Heidbuchel H, Idriss SF, Kanal E, Lampert R, Machado CE, Mandrola JM, Nazarian S, Patton KK, Rozner MA, Russo RJ, Shen WK, Shinbane JS, Teo WS, Uribe W, Verma A, Wilkoff BL, Woodard PK. 2017 HRS expert consensus statement on magnetic resonance imaging and radiation exposure in patients with cardiovascular implantable electronic devices. Heart Rhythm. 2017 Jul;14(7):e97-e153.
- Miller JD, Nazarian S, Halperin HR. Implantable Electronic Cardiac Devices and Compatibility With Magnetic Resonance Imaging. J Am Coll Cardiol. 2016;68(14):1590-1598. doi:10.1016/j.jacc.2016.06.068
- Glikson M, Nielsen JC, Kronborg MB, Michowitz Y, Auricchio A, Barbash IM, Barrabés JA, Boriani G, Braunschweig F, Brignole M, Burri H, Coats AJS, Deharo JC, Delgado V, Diller GP, Israel CW, Keren A, Knops RE, Kotecha D, Leclercq C, Merkely B, Starck C, Thylén I, Tolosana JM; ESC Scientific Document Group. 2021 ESC Guidelines on cardiac pacing and cardiac resynchronization therapy. Eur Heart J. 2021 Sep 14;42(35):3427-3520.