Cardiologia Geral Coronariopatia

Revascularização na DAC com TCE: há algo de novo no horizonte após quase 40 anos?

 

Há certas condições e situações no tratamento da doença arterial coronariana que são quase sagradas. Ou seja, permanecem incólumes a despeito da evolução terapêutica e da tecnologia da intervenção… Poderíamos citar o uso de AAS e estatina na prevenção secundária… No post de hoje vamos abordar a lesão no tronco da coronária esquerda (TCE).

A indicação revascularização de lesão grave em TCE foi estabelecida nos idos de 1970, em tempos onde o tratamento medicamentoso da DAC consistia em nitratos e betabloqueadores e a cirurgia de revascularização utilizava quase que exclusivamente enxertos venosos. Porém, essa indicação foi cristalizada e permanece como tal desde então. Basta perguntar a 10 residentes de cardiologia quais são as indicações formais de revascularização que pelo menos 7 deles responderão “lesão de tronco” como 1a ou 2a resposta prontamente!

A despeito de alguns estudos não randomizados2,3 evidenciando o bom prognóstico de pacientes com TCE submetidos a cirurgia de revascularização (CRM), dos primeiros grandes estudos randomizados comparando CRM e TM exclusivo (CASS, Europeu e VA) emergiu a evidência que favorece a CRM para indivíduos com lesão grave de TCE4. Em seguimento de 15 anos de 1484 pacientes com lesão grave de TCE (definida com ≥50% pela angiografia) do registro CASS, Caracciolo et al. demonstrou a superioridade do tratamento cirúrgico comparado ao tratamento medicamentoso exclusivo5.

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Eugene A. Caracciolo et al. Circulation. 1995;91:2325-2334

Mais que isso, foi observado que indivíduos com lesão grave de TCE apresentam risco de morte no seguimento quando não revascularizados de forma progressiva em lesões a partir de 50%! Ademais, essa evidência se extendia aos indivíduos com lesões proximais em DA (antes do primeiro ramo septal) e CX (antes do primeiro ramo marginal) – o chamado tronco equivalente6.

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Eugene A. Caracciolo et al. Circulation. 1995;91:2335-2344

Fato é que os grandes RCT de décadas posteriores com braço clínico já excluíram lesão grave em TCE por questões éticas. O advento da intervenção coronária percutânea (ICP) foi uma verdadeira revolução no contexto da DAC aguda (principalmente!) e crônica. Porém, pouco se agregou em termos de evidência no tratamento da lesão de TCE desprotegido (quando não há enxerto para DA e/ou Cx), uma vez que a CRM continuou sendo o tratamento de escolha e a ICP uma opção em casos de risco cirúrgico alto, principalmente em lesões de óstio e corpo do TCE. De fato, resultados favoráveis em pequenos trials randomizados e registros não modificaram a preferencia cirúrgica para DAC com lesão de TCE7.

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Extraído de Fajadet et al. European Heart Jorunal, 2012

 

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Extraído de Fajadet et al. European Heart Jorunal, 2012

Mais recentemente, porém, 4 estudos têm trazido luz a esse tema empoeirado. O primeiro deles é o estudo LE MANS (Left Main Stenting Trial); esse RCT randomizou 105 paciente com lesão de TCE desprotegido com Syntax Score baixo a intermediário para CRM (53) ou ICP (52). Em seguimento de 10 anos recentemente publicado foram observadas taxas de mortalidade (21.6% vs. 30.2%; p = 0.41), MACCE (51.1% vs. 64.4%; p = 0.28), IAM (8.7 vs. 10.4%; p = 0.62), AVE (4.3 vs. 6.3%; p = 0.68), e revascularização adicional (26.1% vs. 31.3%; p = 0.64) semelhantes entre os grupos8.

O estudo PRECOMBAT randomizou 600 pacientes para CRM (n=300) ou ICP com DES eluído com sirolimus (n=300). Os resultados de 2 anos9 de seguimento já apontavam para taxas semelhantes de eventos entre os grupos (12.2% vs. 8.1%; P=0.12 para ICP e CRM respectivamente), havendo, porém, uma maior incidência de RM adicional guiada por isquemia no grupo ICP (9.0% vs. 4.2; P=0.02 para ICP versus CRM respectivamente). OS resultados de 5 anos10 de seguimento não foram diferentes, uma vez que a taxa de MACCE contuou semelhante entre os grupos (8.4% and 9.6%; HR, 0.89; 95% CI, 0.52 to 1.52; p = 0.66 para ICP versus CRM respectivamente).

O tão prolífico estudo SYNTAX também estudou essa população. Dos 1800 pacientes incluídos nesse estudo, 705 apresentavam-se com lesão grave em TCE. As taxas de MACCE e mortalidade não foram diferentes em seguimento de 5 anos: MACCE 36.9% (DES com paclitaxel) 31.0% (CABG) (hazard ratio, 1.23 [95% confidence interval, 0.95–1.59]; P=0.12); Mortalidade 12.8% e 14.6% nos grupos ICP e CRM respectivamente (hazard ratio, 0.88 [95% CI, 0.58–1.32]; P=0.53). Interessante observar ainda que o benefício cirúrgico só ficou claro entre aqueles com SYNATX score alto11.

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Por fim, vale ressaltar a recente análise de Cavalcante et al. incluindo pacientes dos estudos PRECOMBAT e SYNTAX com TCE desprotegido. Além de mostrar a equivalência da ICP e da CRM nas taxas de MACCE e morte, este estudo observou algo curioso: dntre os pacientes com lesão isolada de TCE ou com lesão de TCE + 1 vaso houve superioridade de ICP com 60% de redução de morte e 68% de morte cardíaca quando comparada a CRM.12 Esses dados apontam para um fato que não deve ser ignorado: uma subpopulação portadora de DAC crônica onde a ICP é preferível a CRM… Será uma mudança de paradigma? Cedo ainda para dizer!

Mais precisamente em 31 out. 2016 teremos alguma resposta no TCT em Washington. O estudo EXCEL13 (A Prospective, Randomized Trial Comparing Everolimus-Eluting Stents and Bypass Graft Surgery in Selected Patients With Left Main Coronary Artery Disease) terá seus primeiros resultados tornados públicos. Uma comparação randomizada entre ICP com DES eluído com everolimus (XIENCE) versus CRM. Esses resultados podem (ou não…) modificar as diretrizes vigentes que ainda respiram o ar da década de 70-80.

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Uma coisa é bem certa… Dificilmente deixaremos de revascularizar as lesões graves de TCE (lesões de 50-70% com documentação de isquemia por prova funcional ou FFR <0,8 ou lesões >70%), mas quanto à estratégia de revascularização, será que ainda veremos a tabela abaixo por muito tempo?

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Extraído de Wijns et al. European Heart Jornal, 2014.

Leitura sugerida:
  1. Windecker S, Kolh P, Alfonso F, et al. 2014 ESC/EACTS Guidelines on myocardial revascularization: The Task Force on Myocardial Revascularization of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS)Developed with the special contribution of the European Association of Percutaneous Cardiovascular Interventions (EAPCI). Eur Heart J. Oct 1 2014;35(37):2541-2619.
  2. McConahay DR, Killen DA, McCallister BD, et al. Coronary artery bypass surgery for left main coronary artery disease. Am J Cardiol. May 1976;37(6):885-889.
  3. Loop FD, Lytle BW, Cosgrove DM, et al. Atherosclerosis of the left main coronary artery: 5 years results of surgical treatment. Am J Cardiol. Aug 1979;44(2):195-201.
  4. Taylor HA, Deumite NJ, Chaitman BR, Davis KB, Killip T, Rogers WJ. Asymptomatic left main coronary artery disease in the Coronary Artery Surgery Study (CASS) registry. Circulation. Jun 1989;79(6):1171-1179.
  5. Caracciolo EA, Davis KB, Sopko G, et al. Comparison of surgical and medical group survival in patients with left main coronary artery disease. Long-term CASS experience. Circulation. May 1 1995;91(9):2325-2334.
  6. Caracciolo EA, Davis KB, Sopko G, et al. Comparison of surgical and medical group survival in patients with left main equivalent coronary artery disease. Long-term CASS experience. Circulation. May 1 1995;91(9):2335-2344.
  7. Fajadet J, Chieffo A. Current management of left main coronary artery disease. Eur Heart J. Jan 2012;33(1):36-50b.
  8. Buszman PE, Buszman PP, Banasiewicz-Szkrobka I, et al. Left Main Stenting in Comparison With Surgical Revascularization: 10-Year Outcomes of the (Left Main Coronary Artery Stenting) LE MANS Trial. JACC Cardiovasc Interv. Feb 22 2016;9(4):318-327.
  9. Park SJ, Kim YH, Park DW, et al. Randomized trial of stents versus bypass surgery for left main coronary artery disease. N Engl J Med. May 5 2011;364(18):1718-1727.
  10. Ahn JM, Roh JH, Kim YH, et al. Randomized Trial of Stents Versus Bypass Surgery for Left Main Coronary Artery Disease: 5-Year Outcomes of the PRECOMBAT Study. J Am Coll Cardiol. May 26 2015;65(20):2198-2206.
  11. Morice MC, Serruys PW, Kappetein AP, et al. Five-year outcomes in patients with left main disease treated with either percutaneous coronary intervention or coronary artery bypass grafting in the synergy between percutaneous coronary intervention with taxus and cardiac surgery trial. Circulation. Jun 10 2014;129(23):2388-2394.
  12. Cavalcante R, Sotomi Y, Lee CW, et al. Outcomes After Percutaneous Coronary Intervention or Bypass Surgery in Patients With Unprotected Left Main Disease. J Am Coll Cardiol. Sep 6 2016;68(10):999-1009.
  13. Kappetein AP, Serruys PW, Sabik JF, et al. Design and rationale for a randomised comparison of everolimus-eluting stents and coronary artery bypass graft surgery in selected patients with left main coronary artery disease: the EXCEL trial. EuroIntervention. Sep 18 2016;12(7):861-872.

 

 

Sobre o Autor

Eduardo Lima

Residência médica em Cardiologia pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Doutor em Cardiologia pela FMUSP. Professor Colaborador da FMUSP. Médico Assistente da Unidade de Aterosclerose (InCor-HC-FMUSP) e Pesquisador do Grupo MASS.

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