Você sabia?

Só a cardioversão elétrica reverte o flutter atrial ?

Quando estamos estudando as taquicardias supraventriculares buscamos saber quais são passíveis de reversão via medicamentosa. Afinal, a necessidade de realizar uma cardioversão elétrica pode assustar muitos pacientes.
Tradicionalmente, o Flutter atrial (FuA) é abordado como ‘não responsivo’ a fármacos – p.e. adenosina e outros antiarrítmicos comuns – e que, para conseguirmos reverter essa arritmia, teríamos de lançar mão de choque sincronizado, em geral com baixa carga ( 50 J).
Contudo, isso não é verdade. A reversão química do Flutter é possível sim!
A Ibutilida quando administrado por via endovenosa tem taxa de sucesso entre 60-90% na reversão do FuA. Também tem uso aprovado para reversão de Fibrilação Atrial.

Ela é um fármaco antiarrítmico de classe III, mesma classe amiodarona, sotalol, dofelitida e dronadorona. Sendo assim, atuam bloqueando os canais de potássio, prolongando o período de repolarização atrial e ventricular, bem como do nó AV, sistema his-purkinje e das vias acessórias, quando presentes.

Eletrocardiograficamente, caracteriza-se por aumento do intervalo QT, o que nos faz manter o paciente monitorizado durante após a infusão da medicação (2 – 4h), haja vista que ela desencadear uma torsade de points. Além disso, cursa com diminuição da frequência cardíaca e pouco ou nenhum efeito sobre o intervalo PR. A duração do QRS não é afetada.

A droga só é disponível na forma endovenosa e, portanto, não tem uso aprovado para terapia de manutenção de ritmo em longo prazo.

A dose varia de acordo com o peso do paciente:

– Menores de 60 kg: 0,01 mg/kg em 10 minutos. Se a arritmia não reverter em até 10 minutos do término da infusão, uma segunda aplicação com a mesma dose pode ser feita.
–  Maiores de 60 kg: 1 mg em 10 minutos. Se a arritmia não reverter em até 10 minutos do término da infusão, uma segunda dose de 1 mg pode ser administrada

Recomenda-se que a aplicação seja feita com o magnésio acima de 2 mEq/L, para tentar minimizar os efeitos pró-arrítmicos do prolongamento do QT decorrentes do uso desse remédio.

A infusão deve ser descontinuada caso haja grande prolongamento do intervalo QT ou caso surja taquicardia ventricular.

Outra droga utilizada nesse cenário é a Dofelitida, mas por uso oral, também um antiarrítmico da Classe III.

Um dos incômdos de seu uso, é a necessidade de hospitalização do paciente durante 3 dias, onde deve ser monitorizado eletrocardiograficamente, haja vista que foi nesse período onde se documentaram a maioria dos episódios de Torsade de Points e o pico do prolongamento do intervalo QT.

Por ser administrada pela via oral está aprovado seu uso para manutenção ambulatorial de ritmo para pacientes com Flutter atrial.

A dose é feita inicial é feita de acordo com a taxa de filtração glomerular:

> 60: 500 mcg 2x ao dia
40 – 60: 250 mcg 2x ao dia
20 – 40: 125 mcg 2x ao dia
< 20: não aprovado o uso.

Após 3 horas da primeira dose é feito a medida do QTc em relação ao ‘pré-medicação’. Caso haja aumento de > 15% do valor basal ou atinja valor maior que 500 ms, sugere-se novo ajuste de dose baseado na posologia inicial.

Dose inicial de 500 -> 250 mcg 2x ao dia
Dose inicial de 250 -> 125 mcg 2x ao dia
Dose inicial de 125 -> 125 mcg 1x ao dia

Caso, após a 2 segunda administração da droga, observe-se que o QTc ainda está maior que 500 ( a qualquer momento) ou desenvolva-se taquicardia ventricular, a droga deve ser descontinuada.

De maneira semelhante, recomenda-se que o nível de magnésio sérico seja sempre > 2 mEq/L e, mesmo assim, seja feita administração concomitante de magnésio EV durante a vigência da internação.

Ambas medicações são consideradas classe I e grau de evidência A pelos guidelines da American heart de 2015 para o reversão do Flutter Atrial. Acesse aqui

Infelizmente, essas drogas ainda não são comercializadas no Brasil. Talvez seja esse o grande motivo de, em nosso meio, termos a idéia de que não há terapia farmacológica efetiva para reversão do Flutter. Só nos resta torcer que a ANVISA libere essas medicações para uso nacional e as empresas produtoras tenham interesse em trazê-las.

Leitura sugerida:

Therapeutic use of ibutilide. Acessado em uptodate.com/online em out/2015

Therapeutic use of dofetilide. Acessado em uptodate.com/online em out/2015

Ellenbogen K A. Wood M. Stambler B S. et al. Conversion of atrial fibrillation and flutter by intravenous ibutilide; a multicenter dose-response study. J Am Coll Cardiol 1996;28:130-6.

Coleman
CI, Sood N, Chawla D, et al. Intravenous magnesium sulfate enhances the
ability of dofetilide to successfully cardiovert atrial fibrillation or
flutter: results of the Dofetilide and Intravenous Magnesium
Evaluation. Europace 2009; 11:892. Disponível aqui

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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