Como eu faço?

Trombolisando uma Síndrome Coronariana Aguda com Supradesnivelamento do Segmento ST (SCACSSST) – Como eu faço?

O uso de medicações para destruir um trombo intracoronariano causador de uma SCACSSST – os fibrinolíticos – está incorporado a prática médico ao longo dos últimos 30 anos. Em países sem a adequada cobertura de laboratórios de hemodinâmica e com um péssimo sistema de transferências interhospitalares, como é o caso do Brasil, essa arma ganha ainda mais valor. Haja vista ser muito mais fácil equipar os hospitais com medicamento do que com um laboratório completo de angiografia.

A indicação da trombólise é para pacientes com dor torácica associado novo supradesnivelamento do segmento ST ou naqueles na vigência de dor torácica com um bloqueio completo do ramo esquerdo novo ou supostamente novo, dentro das primeiras 12 horas do início dos sintomas ( quanto menor o intervalo entre o início da dor a administração do fármaco melhores os resultados ). Veja aqui que não se deve esperar o resultado de marcadores de necrose miocárdica! A conduta é baseada na clínica + alteração do ECG.


1º passo: certifique-se que o
diagnóstico está correto – na dúvida discuta com um colega.

2º passo: certifique-se que não há laboratório de cateterismo em seu serviço ou em outro próximo, em que 
tempo entre você deslocar o paciente até o momento em que a artéria
estaria sendo desobstruída seja menor que < 1h 30 min – definitivamente isso é
quase impossível em se falando de Brasil. 



Nesse momento devem vir a sua mente aquele discurso consagrado de ‘tempo é miocárdio’. Você sabe o real significado do tempo-porta balão ? Muitos acreditam que a presença física do paciente no laboratório de hemodinâmica já satifaz o conceito de porta-balão. Já vi várias pessoas contabilizando esse tempo da ‘entrada do paciente’ até o momento que ‘entrou na sala de hemodinâmica’, mas isso é incorreto. O tempo porta-balão, como o próprio nome sugere, só acaba quando o paciente está recebendo a angioplastia. Isso é importante pois, da entrada do paciente na hemodinâmica até o balonamento, há uma série de passos a serem feitos: colocação na sala de procedimento ( que, as vezes, está sendo desocupada por outro doente) -> avaliação do local de punção -> punção arterial ( que, em algumas situações podem ser demorada ) -> passagem do introdutor -> cateterização e avaliação angiográfica dos vasos -> angioplastia (finalmente). Esse processo, quando evolui sem intercorrências, demora em torno de 15-20 min.

Agora imagine você nó seu hospital da periferia ligando para sua Central de Regulação, que irá entrar em contato com Hospital de referência para passar o caso, para depoi retornar dizendo que o caso está aceito, para aguardar ambulância disponível para remoção ( e nem sempre há!) , o tempo de transporte, chegada do paciente, preparação na hemodinâmica, (..). Por isso, como dito acima, é quase impossível de se realizar todos esses trâmites em 1h 30 min a nível de nacional.

3º passo: aplique o check-list de
contra-indicações ao procedimento – disponível aqui. Nele devem constar as contra-indicações
absolutas e as relativas. Esse documento deve ser anexado ao prontuário do
doente. Em caso de contra-indicações relativas, idealmente, um termo de
consentimento livre-esclarecido deve ser assinado pelo paciente e/ou
responsável legal presente no momento. Na verdade, em todos os casos o termo
deveria ser preenchido, mas essa recomendação ganha força no cenário das
contra-indicações relativas, onde o risco de efeito adverso, sobretudo
sangramento, é maior.

4º passo: TENHA ATITUDE. Não postergue
a trombólise do seu paciente por medo de sangramento ou para enviar para outro
Hospital para fazer angioplastia se você já espera que se perca muito tempo na
transferência.

5º passo: leve o paciente para sala de
emergência e o deixe monitorizado com: PA, FC, Oximetro de pulso e
eletrocardiografia contínua.

6º passo: obtenha 2 ( DOIS ) acessos
venosos calibrosos ( nada de deixar um paciente só com 1 jelco 22!). Converse
com a sua equipe de enfermagem e oriente a respeito da necessidade de dois
acessos venosos.
Isso é importante pois esse paciente é muito instável e sujeito a diversas intercorrências: pode ter hipotensão secundária ao trombolítico, necessitando de 1 via extra para reposição volêmica, apresentar deterioração hemodinâmica pela isquemia miocárdica importante e necessitar de via aérea definitiva ou mesmo parada cardiorrespiratória durante o processo.

7º passo: certifique-se que o material para realização de reanimação cardiorrespiratória – cardiodesfibrilador, carrinho de parada e bolsa valva-máscara com reservatório. Se o custo não for um problema sério, deixe as pás adesivas do cardiodesfibrilador já coladas ao tórax do paciente caso ocorra episódio de fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sem pulso. Do contrário, deixe as pás próximas ao doente e já com gel.

8º passo: realiza a anticoagulação sistêmica do doente, com heparina de baixo peso molecular (HBPM), heparina não fracionada ou foundaparinux.

– Enoxaparina ( HBPM): 30 mg EV em bolus, seguida de
1 mg/kg SC a cada 12 horas durante 8 dias
ou até a alta hospitalar em pacientes com
menos de 75 anos. Não administrar a dose
EV em pacientes acima de 75 anos e manter
enoxaparina 0,75 mg/kg SC a cada 12 horas.
Utilizar 1 mg/kg ao dia com depuração de
creatinina ≤ 30 mL/min

– Heparina Não-Fracionada: HNF 60 Ul/kg EV (ataque), máximo 4.000 UI,
seguido por infusão contínua de 12 Ui/kg/hora,
máximo de 1.000 Ul/hora, inicialmente. Manter por
um período mínimo de 48 horas com ajustes na
infusão para que o TTPa permaneça entre 1,5 e 2,5 vezes o controle


– Foundaparinux: 2,5 mg EV seguido de 2,5 mg SC uma
vez ao dia durante 8 dias ou até a alta hospitalar

9º passo: veja qual fibrinolítico é disponível em
seu serviço:

Há 3 no mercado e algumas com suas
peculiaridades de aplicação:

Estreptoquinase: 1,5 milhões UI em pó a serem diluídos 100 mL de SG 5% ou SF 0,9% em 30-60 minutos Observe hipotensão. Caso ocorra, suspenda a infusão por alguns minutos seguida de expansão volêmica com cristatólide. Não recomenda-se, apenas pelo risco de reação alérgica, o uso de corticóide ‘profiláticos’.

Alteplase: 15 mg EV em bolus, seguidos por 0,75 mg/kg em 30 minutos e, então, 0,50
mg/kg em 60 minutos
A dose total não deve exceder 100 mg

– Tenectaplase: 
Bolo único de acordo com o peso:
– 30 mg se < 60 kg
– 35 mg se entre 60 kg e menor que 70 kg
– 40 mg se entre 70 kg e menor que 80 kg
– 45 mg se entre 80 kg e menor que 90 kg
– 50 mg se maior que 90 kg de peso

Em pacientes > 75 anos, deve-se considerar o uso de metade da dose
calculada de acordo com o peso 

9º passo: peça vaga de UTI e comunique
ao seu Hospital de referência em cardiologia da possibilidade de transferência
de urgência para angioplastia de resgate em caso de falha do procedimento.

10º passo: após 90 minutos já se espera
que o supra do ST tenha diminuído ao menos 50% do tamanho inicial, o paciente
esteja sem dor e com sua hemodinâmica preservada.

Se o supra não diminuir 50% , a dor se mantiver ou o paciente entrar em instabilidade hemodinâmica ou
elétrica com arritmias maligna deve-se partir para uma angioplastia de resgate.

* A abordagem farmacológica completa do IAM com supra não é o objetivo desse post. Para maior aprofundamento recomendamos a leitura da V Diretriz, disponível abaixo.

Leitura sugerida:

V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do
Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST – Tópico: Fibrinolíticos. Disponível aqui

NICE – National Institute for Health and Care Excellence – Guidance on the use of drugs for early thrombolysis in the treatment of acute myocardial infarctation. Disponível aqui

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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