Como eu faço? Terapia Intensiva Cardiológica

Inserção do Cateter de Swan-Ganz: como eu faço? – Parte 2

Após o posicionamento correto do paciente, degermação e antissepsia da pele com clorexidina alcóolica, colocação de campos estéreis, anestesia, localização da veia e punção, vamos começar.

Realize a punção venosa central, idealmente sob auxílio de ultrassonografia vascular. Após isso, deve-se progredir o fio-guia de maneira habitual, como seria feito para um acesso venoso central. Retira-se a agulha e prepara-se o dilatador, que é, como você deve ter percebido, mais longo e fino que o habitual. Veja na figura abaixo, em azul, indicado pela seta vermelha:

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Figura retirada e editada de terumo-europe.com

Pelo fio guia, progride-se o dilatador e dilata-se a pele e o subcutâneo. Após a dilatação adequada (seja generoso, ou o introdutor não irá entrar), monta-se o kit (introdutor com o dilatador dentro, como na figura acima). Progride-se o conjunto pelo fio guia e insere-se o conjunto todo na pele, até o limite. Sugestão: dê um pique na pele com o bisturi (insira a lâmina virada para cima, na direção do fio-guia, até a metade do comprimento da lâmina; isso irá facilitar a inserção do introdutor). De maneira alternativa, pode-se pular a etapa da primeira dilatação e colocar todo o conjunto (introdutor e dilatador) de uma só vez. Retira-se o fio-guia junto com o dilatador de maneira rápida, pois irá sangrar bastante se apenas o fio-guia for retirado. O introdutor é valvulado, o que impede que haja refluxo de sangue após a retirada do dilatador. Faz-se o teste pela via lateral (seta azul), que pode ser usada como uma via central, e deixa-se salinizada.

Agora, abre-se o cateter de artéria pulmonar.

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Figura retirada de http://www2.unifesp.br/denf/NIEn/hemodinamica/figuras/VIPPLUS2.jpg

Repare que, na imagem acima, o cateter não conta com o sensor óptico (mostrando a grande variedade de modelos). Este, no caso, não medirá SvO2. De qualquer maneira, repare na seringa na via do balão. Ela é limitada a 1,5ml, que é o volume máximo de insuflação. Ainda na embalagem, o cateter deve ser testado e calibrado. Não retire toda a cobertura da embalagem. A ponta do cateter, onde há o sensor óptico, fica guardada dentro de uma capa, que a deixa no escuro. Isso serve para calibrar o sensor. Posteriormente, caso perca-se a calibração, pode-se calibrar manualmente com medidas venosas laboratoriais de SvO2 no monitor. Encha as vias com soro fisiológico, zere a pressão atmosférica e nivele o cateter. Após essa calibração, teste o balão com a seringa. Perceba que a via do balão tem dois traços vermelhos: alinhe-os para insuflar e desalinhe-os para travar o balão insuflado. Ele deve insuflar de maneira simétrica e não ocluir a ponta do cateter. Agora, chegamos ao momento de inserção do cateter. No kit, geralmente está incluso um protetor plástico, para manter o conjunto cateter-introdutor estéril e permitir o reposicionamento do cateter, como na figura abaixo (seta vermelha):

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Figura retirada e editada do site da Edwards Lifesciences LLC. Disponível em http://edwardsprod.blob.core.windows.net/media/Default/devices/monitoring/hemodynamic%20monitoring/paceportsmall.png

Passe o cateter por dentro desta bainha protetora. Há dois pontos de fixação, que funcionam através de rosca (setas verdes). Prenda a extremidade proximal do cateter (mais longe da pele), a aproximadamente 70-80cm, para garantir distância suficiente para reposicionamento caso necessário. Conecte as portas do cateter ao monitor para avaliação das curvas de pressão. Antes de começarmos, uma última orientação (e você vai entender o motivo): as marcas estão a cada 10 cm. A marca de 20 cm está no meio do termistor ou filamento térmico (seta vermelha na figura abaixo):

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Figura retirada e editada do manual da Edwards Lifesciences, disponível em edwards.com

Essa informação é importante pelo seguinte motivo: temos que saber as distâncias médias até as cavidades cardíacas direitas. Aqui, segue a “regra dos 10”, onde a cada 10cm muda-se de cavidade. As medidas aqui valem para jugular interna e subclávia: átrio direito – 20 cm; ventrículo direito – 30 cm; artéria pulmonar – 40 cm; capilar pulmonar – 50 cm.

Introduza o cateter (finalmente!). Tente colocar a curvatura do cateter (ligeiramente virado à esquerda, se estiver na jugular direita) acompanhando a anatomia cardíaca. Com o cateter ligado à monitorização, com curvas e valores de pressão, não será difícil acompanhar a localização dentro do coração. Veja as curvas abaixo:

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Retirado de: www.uptodate.com/online

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Acompanhe o monitor. Caso esteja passando muito do esperado para a cavidade (por exemplo, 50 cm com curva de ventrículo direito), pare e puxe o cateter até uma distância compatível (por exemplo, 20 cm e curva de átrio direito). Repare que, até agora, não insuflamos o balão. Quanto a isso, há mais de uma técnica: pode-se insuflar o balão após a passagem pela tricúspide e progredir o cateter a cada 3 batimentos, contando que o fluxo de sangue dentro do ventrículo irá direcionar o cateter naturalmente para a via de saída e, por consequência, à artéria pulmonar, com o risco (pequeno) de danificar a valva pulmonar; ou pode-se insuflar o balão após estar na artéria pulmonar. De qualquer modo, uma regra é de ouro: após o balão insuflado, o cateter só pode ser progredido; não se pode puxar o cateter com o balão insuflado. Já voltaremos ao assunto da insuflação do balão. Agora, suponha que estamos progredindo nosso cateter: estamos indo bem, átrio a 20 cm, ventrículo a 30 cm e continuamos. Como sabemos que estamos na artéria pulmonar? Simples: aparece o nó dicrótico, sinal de que há uma válvula que se fecha. Neste momento, insuflamos o nosso balão e vamos em busca do que viemos – a tal da pressão de oclusão da artéria pulmonar OU pressão capilar pulmonar OU pulmonary wedge pressure. Quando sabemos que ele entrou em um ramo da artéria pulmonar e  está encunhado – “wedged”? Veja nas curvas acima, na Pulmonary Artery Wedge, que há um achatamento claro da curva em relação à curva da artéria pulmonar. Neste momento, quando acontece essa transição da curva da artéria pulmonar para uma curva achatada, sabemos que o cateter está encunhado. Neste momento, medimos a pressão (conforme já explicado em outro post) e desinsuflamos o balão. Lembre-se de não deixar o balão insuflado, isso poderá danificá-lo ou causar um infarto pulmonar por isquemia do ramo ocluído.  A capilar deve ser atingida com o balão insuflado de 75-100% de sua capacidade máxima. Isso significa que se for atingida com menos de 1ml, está muito encunhado e o cateter deve ser retirado um pouco; ao contrário, ele deve estar muito proximal e deve ser inserido mais. Fixe o cateter com a outra ponta da bainha (conforme explicado previamente). Lembre-se de confirmar o posicionamento do cateter com uma radiografia de tórax. O cateter deve estar localizado preferencialmente na zona pulmonar 3, não mais de 3 a 5 cm além da linha média, como na imagem abaixo:

Imagem retirada de https://www.med-ed.virginia.edu/courses/rad/chest/PCWP1.htm

Lembre-se que é importante checar o posicionamento nos dias após a inserção, pois o cateter frequentemente migra e será necessário reposicioná-lo.

Como em qualquer procedimento, lembre-se também das complicações. Elas podem ocorrer:

– Na inserção: trauma vascular, hematomas, fístulas, punções arteriais, pneumotórax, hemotórax, lesão cardíaca (perfuração de câmaras, lesão valvar, tamponamento);

– No cateter: nós e “enroscos” podem acontecer dentro das câmaras cardíacas, suspeitado quando o cateter não progride da maneira habitual (por exemplo, 70cm dentro do VD), quando há resistência para progredir ou retirar o cateter, ou no rx de tórax. Neste caso, não retire o cateter inicialmente: pode-se injetar solução fisiológica gelada para endurecer o cateter, ou passar um fio-guia guiado por escopia ou mesmo ser necessária a retirada cirúrgica do cateter;

– Na artéria pulmonar: perfuração na inserção ou por migração, ou na insuflação do balão; suspeite quando houver hemoptise, a mortalidade é elevada (30-70%) e o diagnóstico geralmente é feito por AngioTC de tórax. Eventualmente, pode ser feita embolização por angiografia;

– Tromboembolismo pulmonar (por formação direta de trombo no cateter ou infecção no cateter causando embolização);

– Infecção: endocardite, principalmente da valva pulmonar, e infecção de corrente sanguínea.

Agora que você já aprendeu a técnica correta da passagem do Cateter de Artéria Pulmonar, veja aqui um caso real exemplificando como interpretar as informações obtidas!


Leituras sugeridas
  1. Guia Rápido para tratamento Cardiopulonar, 2o suplemento, Edwards Lifesciences LLC. Disponível online em www.edwards.com
  2. Summerhill EM, Baram M. Principles of pulmonary artery catheterization in the critically ill. Lung 2005; 183:209.
  3. Stouffer, G. A. Cardiovascular Hemodynamics for the Clinician. Blackwell Publishing, 2008.

Sobre o Autor

Stefano Garzon

Graduado em Medicina pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Médico com residência em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Hemodinâmica/Cardiologia invasiva também pelo InCor-HC-FMUSP.

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