Cardiologia Geral Ecocardiografia

Pontos importantes na interpretação do ecocardiograma na estenose aórtica

O ecocardiograma tem papel fundamental na avaliação do paciente com suspeita de estenose aórtica. Apresentamos alguns pontos-chave da avaliação ecocardiográfica desse perfil de pacientes e aos quais o clínico/hemodinamicista/cirurgião deve estar atento quando da interpretação desse exame:

  1. Definição de valvularização: é importante no contexto da estenose aórtica saber que tipo de valvularização ocorre na valva aórtica. Normalmente, temos uma valva trivalvularizada (válvulas coronária esquerda, direita e não-coronariana). Contudo, as válvulas bicúspides (‘bivalvularizadas’) são das anomalias congênitas mais  comuns (prevalência entre 0,5-2% da população geral) e a sua presença pode estar associada a dilatação em aorta ascendente, bem como impactar a abordagem terapêutica em casos de indicação de troca valvar uma vez que, até o momento, a troca aórtica percutânea (TAVI) ainda tem indicação restrita nesse grupo de pacientes.

    Imagens da parte superior (A,B,C) em paciente com valva bivalvularizada. Imagens da parte inferior (D,E,F) em paciente com valva trivalvular. As imagens C e F mostrando o uso da modalidade tridimensional no auxílio diagnóstico e na melhor análise do aparato valvar.

  2. Auxílio na etiologia: através do padrão de calcificação e abertura valvar podemos auxiliar a inferir qual o a etiologia da estenose. A presença de uma calcificação concentrada na porção mais distal das válvulas, associada a algum grau de fusão comissural e a presença de valvopatia mitral aponta para estenose de origem reumática. Por outro lado, uma calcificação mais difusa de todo aparelho valvar, muitas vezes em um paciente de mais idade aponta para um estenose degenerativa. Naqueles onde observamos uma abertura atípica (sistólica), com presença de assimetria valvar (muitas vezes com a visualização de rafe), aponta-se para etiologia de valva bicúspide.                                    
  3. Graduação da calcificação aórtica: o grau de calcificação está associado ao prognóstico do paciente a probabilidade de tornar-se sintomático ao longo do tempo. Ecocardiograficamente podemos ter 4 situações: normal (sem calcificação), discreta (apenas alguns discretos pontos), moderada (pontos de maior agrupamento de calcificação) e importante (calcificação difusa, em geral com sombra acústica exuberante). Pacientes com estenose aórtica com nenhuma ou discreta calcificação parecem ter um melhor prognóstico do que aqueles com calcificação moderada/importante.

    A: normal; B: calcificação discreta; C: calcificação moderada e D: calcificação importante.

  4. Doença em aorta ascendente: a presença de dilatação aneurismática da aorta ascendente em quaisquer de suas porções (seio aórtico, junção sinotubular e aorta ascendente) deve ser reportada no laudo do exame haja vista que a presença de aneurisma poderá resultar em mudança da estratégia de terapêutica ao adicionar, por exemplo, a troca de aorta ascendente ao procedimento de troca valvar. Sendo assim, o laudo deve contar as medidas dessas estruturas sempre que a janela ecocardiográfica permitir.
  5. Definição da função ventricular: a função ventricular é um dos marcadores prognósticos mais importantes em pacientes portadores de EAo. Aqueles com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) < 50% (embora alguns autores já sinalizem que esse valor deveria ser abaixo de 60%) tem um prognóstico pior em relação aos que tem FEVE preservada. Além disso, devemos ficar atentos em casos que haja discordância entre as medidas ecocardiográficas (área valvar estimada, gradiente transvalvar médio, velocidade de pico transaórtico) nos pacientes com FEVE diminuída pois poderemos estar diante de um situação conhecida como estenose aórtica de baixo fluxo baixo gradiente com FEVE reduzida e, provavelmente, deveremos lançar mão de exames complementares (ecocardiograma sob estresse com dobutamina) para melhor definição da estenose valvar – afinal, há estenose importante ou não?.
  6. Avaliação de valvopatias associadas: no momento da interpretação do exame deve-se ter atenção sobre a presença de outras valvopatias associadas pois isso pode implicar diretamente na decisão terapêutica. Paciente com dupla lesão aórtica, outras lesões valvares associadas (principalmente quando de etiologia reumática), etc.
  7. Definição e graduação da estenose aórtica: não menos importante é a própria graduação da estenose, que vai desde a presença de esclerose aórtica com velocidades < 2.5 m/s, passando pela estenose aórtica discreta, moderada e grave.  Em todos laudos ecocardiográficos de pacientes com estenose aórtica é recomendável que estes valores estejam descritos de maneira clara para que possam auxiliar a equipe assistente na melhor conduta em relação ao caso, bem como poderem servir como comparação evolutiva. Idealmente, os valores utilizados para cálculo da área valvar (diâmetro da via de saída do ventrículo esquerdo, VTI da via de saída do ventrículo esquerdo e da própria valva aórtica) também devem ser descritos no laudo, bem como o valor do volume sistólico indexado (variável fundamental na análise de pacientes com suspeita de estenose aórtica de baixo fluxo-baixo gradiente). Não menos importante é a documentação da frequência cardíaca, regularidade do ritmo e valor de pressão arterial no momento do exame.Referências:

Valve Calcification in Aortic Stenosis: Etiology and Diagnostic Imaging Techniques. BioMed Research International, 2017.

Rosenhek e cols.“Predictors of outcome in severe, asymptomatic aortic stenosis,” NEJM,2000.

Recommendations on the Echocardiographic Assessment of Aortic Valve Stenosis: A Focused Update from the European Association of Cardiovascular Imaging and the American Society of Echocardiography. JASE, 2017.

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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