Cardiologia Geral

Todo paciente com cardiomiopatia hipertrófica deve ser afastado de atividades competitivas?

A Cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é a doença cardiovascular genética mais comum do mundo, relatada em mais de 50 países em todos os continentes. Múltiplas mutações nos genes que codificam as proteínas do sarcômero cardíaco podem ser responsáveis pela sua fisiopatologia única, porém com expressão clínica heterogênea e história natural diversa. 

É caracterizada por hipertrofia assimétrica do ventrículo esquerdo (VE), sem outras causas que a justifiquem, podendo causar obstrução da via de saída do VE (ocorre em 70% dos casos) e disfunção diastólica. Há vários padrões de acometimento, mas nenhum é considerado clássico ou está relacionado com a evolução clínica. Na avaliação histológica, é evidente a desordem celular em grandes áreas associado com aumento do tecido conjuntivo e fibrose transmural.

Os pacientes com CMH e obstrução da via de saída apresentam um sopro ejetivo que se intensifica com a manobra de valsava. Esse achado pode gerar uma suspeita clínica inicial, porém a maioria dos pacientes com CMH são identificados após início dos sintomas clínicos de insuficiência cardíaca ou após morte súbita cardíaca (MSC). Os pacientes também podem apresentar síncope e palpitações relacionadas a taquiarritmias ventriculares e supraventriculares. Os sintomas podem aparecer em qualquer idade, de forma imprevisível, desde a infância até idades avançadas.  O diagnóstico pode ser feito através da realização de um ecocardiograma. A ressonância cardíaca e identificação de mutação da proteína sarcomérica também auxiliam principalmente quando se há dúvida diagnóstica.

Mas então, após a realização do diagnóstico de CMH, estes pacientes devem se abster da realização qualquer atividade física pelo risco de morte súbita? Não é bem assim, e muito do que se sabia antigamente vem mudando com o surgimento de novos estudos.

Em estudos de coorte contemporâneos, a incidência geral de MSC em jovens atletas é baixa, de 1 a 3: 100.000 pessoas / ano, e é similar à freqüência de MSC na população geral jovem. Esse achado contrasta com estudos antigos que mostravam uma alta taxa de mortalidade nessa população. Em uma metanálise de estudos de coorte retrospectivos, corações estruturalmente normais foram os achados mais comuns em autópsias de jovens vítimas de MSC. Essas e outras diversas evidências desafiam uma visão amplamente aceita de que a CMH é a principal causa de MSC nos jovens, e também questionam se a participação em atividades vigorosas ou esportes competitivos realmente aumenta o risco de MSC em indivíduos com CMH, e se restrições ao exercício necessariamente reduzem sua ocorrência.

Um estudo randomizado em pacientes com CMH avaliou a mudança no consumo do pico de VO2 nos que realizaram atividade física moderada comparados com atividade física usual, mostrando um aumento de 6% no grupo de atividade física moderada, sem aumento de eventos adversos como MSC. No maior estudo de treinamento físico em pacientes com insuficiência cardíaca, cada aumento de 6% no pico de Vo2 foi associado a um risco 8% menor de mortalidade cardiovascular ou hospitalizações por insuficiência cardíaca.

Independentemente da participação esportiva, sabe-se que um maior risco de morte súbita está associado a marcadores clínicos específicos (Fig. 1). O diagnóstico precoce, a vigilância regular e a estratificação abrangente do risco são de valor crítico e devem ser implementados para todos os pacientes.

Fig. 1. Marcadores de risco para morte súbita cardíaca

Dificilmente vão ser realizados estudos randomizados prospectivos para avaliar a segurança de atividade física vigorosa nos pacientes com CMH, porém há estudos prospectivos observacionais desenhados para esse fim ocorrendo. Enquanto isso, a recomendação atual pela 36a conferência de Bethesda é que se retire os atletas jovens com CMH de esportes de competição para reduzir o risco de morte súbita. 

Leitura sugerida:

Braunwald E, Bonow R, Zipes DP. Braunwald, tratado de doenças cardiovasculares. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017

Saberi S, Day SM. Exercise and Hypertrophic Cardiomyopathy: Time for a Change of Heart. Circulation. 2018 Jan 30;137(5):419-421.

Pelliccia A, Lemme E, Maestrini V, Di Paolo FM, Pisicchio C, Di Gioia G, Caselli S. Does Sport Participation Worsen the Clinical Course of Hypertrophic Cardiomyopathy? Clinical Outcome of Hypertrophic Cardiomyopathy in Athletes. Circulation. 2018 Jan 30;137(5):531-533.

Sobre o Autor

Caio Cafezeiro

Médico com residência médica em Clínica Médica Hospital Santo Antônio (OSID-BA) e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP).

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