Desafio de ECG

Desafio de ECG 5 – Qual diagnóstico eletrocardiográfico e conduta inicial ?

Você está de plantão no PS quando dá entrada um paciente relatando mal estar-geral. Ao exame, paciente algo confuso e agitado, queixando-se de náuseas e 1 episódio de vômito. Havia acabado de fazer um ECG e o próprio técnico do eletro resolveu trazê-lo para sala de emergência.
Abaixo veja os traçados do ECG de 12 derivações, bem como a visão do monitor.
Qual diagnóstico eletrocardiográfico e conduta inicial ?

Fotos 1,2 e vídeo: arquivo pessoal Daniel Valente Batista
* As respostas dos ECG sempre virão na semana seguinte acompanhadas do novo desafio

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Desafio de ECG – Caso 4 – Comentário – Veja o ECG clicando aqui
No vídeo postado na semana passada temos um sinal característico da taquicardia por reentrada nodal – sinal de “frogging”. Este sinal advém da contração atrial contra uma válvula tricúspide fechada formando ondas a em canhão que são visíveis nas veias jugulares do paciente ( pulsações jugulares). No atendimento ambulatorial de pacientes com taquicardia supraventricular prévia revertida em pronto-socorro a caracterização na anamnese de episódios de “frogging” sugere que a taquicardia seja uma taquicardia por reentrada nodal ( muitas vezes estes pacientes passam em consulta sem o ECG da crise ). A visualização do “frogging” por alguém é ainda mais específico do que a queixa pelo paciente de palpitações no pescoço,  aumenta em 7 vezes o odds ratio da taquicardia ser uma TRN típica !
Retirado de “Test Characteristics of Neck Fullness and
Witnessed Neck Pulsations in the Diagnosis of Typical AV Nodal Reentrant
Tachycardia”. Percentual de pacientes com queixa de palpitações cervicais ( 3 colunas da esquerda) de acordo com a etiologia da taquiarritimia ( FA e Flutter / TRN Tipica / Outras). Observe que a visualização do “frogging” aumenta em muito a probabilidade da taquiarritmia ser uma TRN. Disponível aqui

DIAGNÓSTICO ELETROCARDIOGRÁFICO
Estamos diante de um ECG de uma taquiarritmia com QRS estreito, RR regular com onda P de difícil visualização – possibilidade de p estar no segmento ST ?Como diagnóstico diferencial temos: Taquicardia por reentrada nodal (TRN), Taquicardia atrioventricular (TAV), Taquicardia Atrial, Flutter Atrial e Taquicardia juncional. Assumindo a P como a deflexão dentro da porção ascendente da onda S ou o r’ de V1 temos um RP extremamente curto ( < 90 msec) e sugestivo de TRN. Após a manobra vagal o paciente apresentou reversão do ritmo para sinusal ( com um batimento de fusão entre a TRN e o retorno do ritmo para sinusal). Um ponte importante para ser destacado é o fato de que, diante de uma taquicardia com QRS estreito, RR regular a conduta a ser adotada é sempre a mesma diante da dúvida diagnóstica: realização de manobra vagal para causar inibição do nó atrio-ventricular, terminando a taquiarritmia se o circuito envolve o nó AV ou facilitar o diagnóstico etiológico da taquiarritmia através da diminuição da frequência ventricular
Algoritmo para o diagnóstico diferencial de taquicardia com QRS estreito. Retirado de 

2015 ACC/AHA/HRS
Guideline for the Management of Adult Patients With Supraventricular
Tachycardia: A Report of the American College of Cardiology/American Heart
Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Heart Rhythm
Society – in press disponível aqui

O que é a taquicardia por reentrada nodal ? Trata-se da taquicardia supraventricular mais comum em adultos. O príncipio básico da TRN advém da teoria de dupla via de condução nodal, uma via com condução rápida e período refratário longo ( período refratário – período em que um estímulo causa um potencial de ação/despolarização ) e uma via com condução lenta e período refratário curto. Diante de uma extrasístole atrial, o estímulo chega ao nó atrio-ventricular e encontra a via rápida ( que é a via de condução preferencial do estímulo na maioria das vezes) no seu período refratário e então o estímulo somente é conduzido pela via lenta por alguns milisegundos, causando despolarização ventricular e reentrada do estímulo pela via de condução rápida levando a despolarização atrial ( vide figura)
Ilustração da dupla via de condução nodal. Em A temos a condução do estímulo atrial para os ventrículos pela via rápida ( note o intervalo PR de 0,16). Em B a condução do estímulo pela via lenta ( intervalo PR 0,24). Em C o estímulo conduzido pela via lenta para os ventrículos (condução anterógrada) ( intervalo PR 0,28) e pela via rápida para os átrios ( condução retrógrada) pela reentrada nodal ( formando onda p negativa no ECG de superfície) note que não ocorre uma taquicardia por reentrada nodal pois o estímulo que retorna aos átrios pela via rápida encontra a via lenta em seu período refratário não perpetuando desta maneira a reentrada do circuito. Em D temos o mecanismo da taquicardia por reentrada nodal – desta vez o estímulo que “sobe” pela via rápida despolariza a via lenta e perpetua a reentrada do circuito. Geralmente o desencadeante da taquiarritmia é uma extrasístole atrial que encontra a via rápida em periodo refratário absoluto ( isto é – não conduz o impulso / não gera potencial de ação) e a via lenta em período refratário relativo  (causando  lentificação na condução do impulso)
Existem três tipos de Taquicardia por reentrada nodal, classificadas de acordo com a velocidade de condução das vias e tipo de via que conduz o impulso para os ventrículos ( dita condução anterógrada) e para os átrios (condução retrógrada), respectivamente.
TRN Típica
1) Lenta-Rápida: forma mais comum (cerca de 80%), denominada TRN típica, representada conforme a figura acima. O estímulo que despolariza os ventrículos desce pela via lenta e o estímulo atrial pela via rápida. Por esta fisiologia a onda p acaba ficando muito próxima ao QRS – assim o intervalo RP fica curto e a onda ou fica “escondida” dentro do QRS ( pela maior voltagem) ou aparece ao término deste – formando as ondas “pseudo s” nas derivações inferiores ( D2/D3 e aVF) e “pseudo R’ “ em V1. A afirmação de o que o s nas derivações inferiores o R em V1 são a onda p retrógrada portanto “pseudoondas” só pode ser feita com base na comparação com o ECG de base em ritmo sinusal e na maioria dos casos não são visualizadas ( isto é – por mais que o ECG da crise sugira um pseudoS e pseudoR você só terá certeza após reversão da arritmia e realização de outro ECG! Dai a importância de se documentar o ECG pré e pós reversão e orientar que o paciente tenha sempre seu ‘ECG basal’ ao alcance, seja em maneira física ou em arquivo de mídia )
TRN Atípicas ( <20% dos casos)

2) Rápida-Lenta: o estímulo que despolariza os ventrículos ( via anterógrada) desce pela via rápida e o que despolariza os átrios pela via lenta (via retrógrada). O intervalo RP fica longo e a onda p fica longe do QRS. Geralmente o desencadeante da taquiarritmia é uma extrasístole ventricular.
3) Lenta-Lenta: tanto a condução anterógrada com retrógrada ocorrem por vias lentas, por isto a FC da TRN costuma ser lenta ( por volta de 100 bpm) e pode ser confundida com taquicardia juncional pelo eletrocardiograma
Manobra vagal: a manobra acaba pode terminar a taquiarritmia pois o aumento do tônus vagal causa uma lentificação da velocidade de condução no nó atriventricular, causando um bloqueio na condução anterógrada e término da arritmia. 
Por fim, segue o eletrocardiograma do paciente durante a realização de manobra vagal:
Note que a primeiro batimento após reversão da taquiarritmia foi um batimento de fusão ( parte da despolarização ventricular proveniente de um escape ventricular e parte do ritmo sinusal). Comparando a morfologia dos QRS durante a TRN em ritmo sinusal conseguimos identificar que a onda r em V1 tratava-se da onda p (pseudoR), nas derivações inferiores não consegue-se identificar com acurácia a onda p. 
Leitura recomendada:

1- 2015 ACC/AHA/HRS
Guideline for the Management of Adult Patients With Supraventricular
Tachycardia: A Report of the American College of Cardiology/American Heart
Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Heart Rhythm
Society.

2- Supraventricular Tachycardia

3-  Atrioventricular Nodal Reentrant Tachycardia
4- Test Characteristics of Neck Fullness and Witnessed Neck
Pulsations in the Diagnosis of Typical AV Nodal Reentrant Tachycardia

Sobre o Autor

Caio de Assis Moura Tavares

Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo. Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Atualmente é médico assistente do Departamento de Cardiogeriatria do InCor-HC-FMUSP.

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