Ficha Técnica

Dúvidas frequentes sobre a COVID-19

Nesse momento, você deve ter muitas dúvidas com relação à infecção pelo coronavírus (também conhecido como SARS-CoV-2) e suas repercussões clínicas e epidemiológicas. Aproveitamos para discutir alguns pontos importantes com o Dr. Bruno Jardim, infectologista formado pela UFPR, em formato de perguntas e respostas.

 

  1. Por que medidas de distanciamento social são importantes?

Na ausência de medidas que controlem a transmissão do SARS-CoV-2, estima-se que haja uma demanda por leitos de unidade crítica muito maior que a sua oferta. De acordo com modelos epidemiológicos, o distanciamento social em nível populacional é a intervenção não farmacológica (INF) de maior impacto no controle da transmissão da doença e, consequentemente, sobre sua morbimortalidade. Em combinação com outras INFs, principalmente isolamento domiciliar de casos e fechamento de escolas e universidades, possui o potencial de diminuir o limiar de o número reprodutivo da infecção para abaixo de 1, o que é necessário para a rápida redução da incidência da doença. Outros dois importantes benefícios seriam: 1) redução da demanda por cuidados de saúde em 2/3 e 2) redução de óbitos pela metade.

 

  1. No Brasil, quais são os critérios atuais para isolamento de pacientes e seus contatos domiciliares?

De acordo com a Portaria nº 454, de 20 de março de 2020, publicada no Diário Oficial da União, deverão ter prescrição médica de isolamento domiciliar os seguintes grupos:

1) Pessoas com sintomas respiratórias (tosse seca, dor de garganta ou dificuldade respiratória, acompanhada ou não de febre), desde que confirmado por atestado médico;

2) Pessoas que residam no mesmo endereço das pessoas do item 1), ainda que estejam assintomáticas.

O isolamento tem um período de 14 dias, tanto para o indivíduo sintomático quanto para seus contatos domiciliares.

 

  1. Afinal, hidroxicloroquina é útil no tratamento de COVID-19?

Até o presente momento, não há estudos que demonstrem eficácia clínica do uso de hidroxicloroquina, isolada ou em combinação com outros fármacos, no tratamento de COVID-19 em seres humanos. Os resultados de um estudo francês, realizado em Marselha, têm sido divulgados para justificar o uso deste fármaco em doentes com COVID-19. Sobre este, devemos fazer algumas considerações:

1) Amostra populacional diminuta, com dados analisados de apenas 36 indivíduos;

2) Não houve randomização ou cegamento dos indivíduos do estudo, o que pode ocasionar viés nos resultados;

3) O desfecho primário avaliado foi o clareamento viral após 6 dias da inclusão de um indivíduo no estudo. Apesar de o grupo submetido à intervenção com hidroxicloroquina ter apresentado maior taxa de clareamento viral, nenhum desfecho clínico foi analisado. Desta forma, não é possível dizer, por meio deste trabalho, que o tratamento proposto resulta em melhores desfechos clínicos dos indivíduos com COVID-19, como menor mortalidade ou taxa de internação em unidade crítica, por exemplo;

3) Os possíveis efeitos adversos da hidroxicloroquina, bem como da azitromicina, outro medicamento utilizado no estudo, são diversos. No que diz respeito à Cardiologia, há de se destacar que tanto aquela quanto esta têm potencial de prolongamento do intervalo QT e consequente aumento de risco de arritmias cardíacas potencialmente fatais. Ademais, outros eventos adversos como citopenias, distúrbios gastrintestinais, disfunção hepática e alterações visuais podem ser consequências do uso destes fármacos.

Desta forma, não se deve usar hidroxicloroquina para o tratamento de indivíduos com COVID-19 até segunda ordem. Antes de tudo, é necessário termos equilíbrio e sermos racionais para que se evitem tratamentos desnecessários e eventualmente danosos. Primum non nocere.

Ficou com alguma dúvida em relação à COVID-19? Manda aqui nos comentários ou por DM que a gente responde!

 

Leitura sugerida:

1) Portaria nº 454, Diário Oficial da União, publicado em 20/03/2020. Link para acesso: http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-454-de-20-de-marco-de-2020-249091587

2) Protocolo de Manejo Clínico do Coronavírus (COVID-19) na Atenção Primária à Saúde, 2020. Link para acesso: https://www.unasus.gov.br/especial/covid19/pdf/37

3) Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID-19: results of an open-label non-randomized clinical trial. Gautret P et al. Publicação online. DOI: https://doi.org/10.1101/2020.03.16.20037135.

4) Bula da hidroxicloroquina: http://200.199.142.163:8002/FOTOS_TRATADAS_SITE_14-03-2016/bulas/14007.pdf

5) Bula da azitromicina: https://www.eurofarma.com.br/wp-content/uploads/2016/09/azitromicina-comprimido-bula-profissional-eurofarma.pdf

 

Sobre o Autor

Bernardo Rosário

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Paraná e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP).

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