Ficha Técnica

Você conhece a Síndrome de Bayés?

Paciente do sexo feminino, 56 anos, previamente hipertensa, refere episódios frequentes de palpitações taquicárdicas, com melhora espontânea. Realiza holter em caráter ambulatorial, que evidencia fibrilação atrial paroxística.

O ECG de repouso encontra-se evidenciado abaixo:

 

Existe alguma alteração do ECG de repouso que possa estar relacionada à ocorrência de FA?

No ECG, observamos várias alterações relacionadas à condução atrioventricular e intraventricular, mas chama também atenção o aumento na duração e aspecto bifásico da onda P (veja na imagem ampliada), porém com índice de Morris negativo, o que fala contra a hipótese de sobrecarga de AE. De fato, o paciente em questão realizou ecocardiograma transtorácico, que não demonstrou aumento de AE.

Essas alterações sugerem o diagnóstico de bloqueio interatrial (BIA), que representa uma alteração na condução do estímulo elétrico interatrial (sendo o feixe de Bachmann o mais comumente afetado). A instabilidade elétrica atrial presente nesses casos pode desencadear taquiarritmias supraventriculares paroxísticas, como a FA e o flutter atrial.

A associação entre BIA avançado e FA paroxística é conhecida como Síndrome de Bayés.

E qual a implicação clínica disso?

Um dos maiores desafios dos cardiologistas e neurologistas é a definição da etiologia do acidente vascular cerebral. Sabemos que cerca de 1/4 dos AVC isquêmicos, mesmo após ampla investigação, são considerados criptogênicos, ou seja, sem etiologia definida. Atualmente acredita-se que o número de casos de etiologia cardioembólica esteja subestimado, pois muitas vezes o holter de 24 horas não é capaz de diagnosticar eventos paroxísticos.

Recentemente, foi publicado no Circulation um estudo que sugere a adoção de índices de anormalidade da onda P no ECG de repouso ao famoso escore CHA2DS2 – Vasc, somando 2 pontos caso essas alterações estejam presentes – o novo escore foi chamado de P2-CHADS2-Vasc, e foi melhor preditor de AVC isquêmico relacionado a FA quando comparado ao escore tradicional. Discutiremos esse estudo com mais detalhes em um próximo post.

Leitura sugerida:

Bacharova L, Wagner GS. The time for naming the interatrial block syndrome: Bayes syndrome. J Electrocardiol. 2015;48:133–134. doi: 10.1016/j.jelectrocard.2014.12.022.

Bayés de Luna A, Platonov P, García-Cosio F, Cygankiewicz I, Pastore C, Baranowski R, Bayés-Genís A, Guindo J, Viñolas X, García-Niebla J, Barbo- sa R, Stern S, Spodick D. Interatrial blocks: a separate entity from left atrial enlargement: a consensus report. J Electrocardiol. 2012;45:445–451.

Sanna T, Diener HC, Passman RS, Di Lazzaro V, Bernstein RA, Morillo CA et al. CRYSTAL AF Investigators. Cryptogenic stroke and underlying atrial fibrillation. N Engl J Med 2014;370:2478–2486.

Sobre o Autor

Bernardo Rosário

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Paraná e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP).

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