Cardiologia Geral

Fibrilação atrial no consultório: controle do ritmo ou da frequência cardíaca ?

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O paciente portador de fibrilação atrial tem várias peculiaridades em relação a seu manejo, sobretudo pelo contexto em que essa arritmia pode se manifestar. Uma das decisões clínicas em que se tem maior importância é a respeito do tipo de abordagem em relação ao ritmo do paciente.

Afinal, em que paciente eu irei optar apenas pelo controle da frequência cardíaca e em qual qual irei tentar o controle de ritmo, seja por cardioversão (CV) ou através de ablação por radiofrequência ?
Alguns pontos tem de ficar claros antes de tomar essa decisão:
1) Ambas estratégias podem falhar ao longo do tempo e, eventualmente, a estratégia para o mesmo paciente pode mudar a depender da condição clínica da pessoa. Por exemplo, paciente em controle de FA que passa a ter muitos sintomas de palpitação, recorrentes e trazendo muito incômodo no seu dia-a-dia podem ser submetidos a tentativa de controle de ritmo para se tentar melhora qualidade de vida.
2) Não se deve escolher controle de ‘ritmo’ pensando em se ‘livrar o paciente da necessidade da anticoagulação’. A indicação da anticoagulação é feita pela CHA2-DS2-VASc e indepente se a estratégia é pelo controle do ritmo ou da frequência. Dados do estudo AFFIRM foram bastante claros ao se mostrar o risco de AVCi em pacientes que estavam em ‘manutenção de ritmo’ e não estavam usando anticoagulantes.
3) O paciente que está em controle de ‘ritmo’ também deve ter vigilância para se manter frequência cardíaca adequada.
4) A maioria dos estudos feitos até então não mostraram superioridade do controle de ritmo em relação ao controle de frequência cardíaca, a despeito do conceito inicial de que a ‘manutenção do ritmo seria mais fisiológica’.
O último guideline da AHA – 2014, deixa um pouco a desejar sobre qual orientação o leitor deve seguir a respeito dessa decisão, haja vista que simplesmente não há um tópico do estilo ‘Controle de FC x ritmo na FA: quando escolher’. Isso ocorre justamente pelo fato de que as estratégias em grande parte são equivalentes e a subjetividade da relação médico-paciente e a individualização de cada caso é que irá comandar essa decisão.
Além disso, apesar de parecer mais fisiológico manter o doente em ritmo sinusal, sabe-se que muitos pacientes a despeito de estarem no braço do ‘controle de ritmo’, apresentam muitos momentos de FA que não são documentados, além de terem de ser submetidos a um controle mais rigoroso em relação ao uso de fármacos antiarrítmicos, que pode impactar em sua qualidade de vida.
O primeiro passo é revisar as definições de FA para que possamos definir bem que tipo de paciente estamos abordando. 
Nesse post estamos falando de pacientes com FA persistente e persistente de longo prazo atendidos em um cenário ambulatorial. Recomendações para FA paroxística e FA aguda sintomática no PS serão abordadas em outros posts.
– FA paroxística: FA que termina espontaneamente ou com intervenção em até 7 dias. Pode haver recorrência de FA com frequência variável
– FA persistente: FA que se mantém por mais de 7 dias – 12 meses
– FA persistente de longo prazo: FA que se mantém por mais de 12 meses
– FA permanente: quando o paciente + médico optaram por manter apenas o controle de FC. Veja que essa definição não depende do tempo. Posso ter uma FA descoberta há 15 dias e que já se tomou a decisão conjunta de se fazer apenas controle do frequência.
O controle de ritmo pode ser através de: cardioversão elétrica, química, ablação por radiofrequência percutânea ou durante procedimentos cirúrgicos.
O controle de frequência utiliza-se de fármacos que lentificam a condução AV, notadamento beta-bloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio não-diidropiridínicos, digital e, eventualmente, a amiodarona.
Os estudos que compararam controle de FC x ritmo utilizaram como desfecho taxas de morte e de eventos tromboembólicos e, de maneira geral, mostraram que as duas opções foram semelhantes em relação a esse desfecho.
Sendo assim, ponderamos algumas situações que irão pesar mais para controle de ritmo e outras em que se favorecerá o controle de FC, mas apenas a individualização é que poderá determinar em qual das estratégias o doente se encaixa.
FAVORECE O CONTROLE DE RITMO
– Pacientes com disfunção ventricular que permanecem sintomáticos e estejam em vigência de FA
O pensamento é de que nesses pacientes o retorno do batimento atrial efetivo seria muito importante para melhora hemodinâmica do doente e manejo da sua IC
– Pacientes que, a despeito de não terem disfunção ventricular, possuem muitos sintomas decorrentes da FA, sobretudo palpitações e que considerem que isso os está atrapalhando em seu dia-a-dia.
– Pacientes mais jovens ( < 65 anos) e sintomáticos
– Pacientes em primeiro episódio de FA
– Pacientes em que o átrio é pequeno ( < 45 – 50 mm)
– Pacientes em que, apesar de terem sua FC controlada com fármacos, mantém-se ainda sintomáticos: palpitações, dispnéia, pré-síncope, angina, etc. Nesses casos uma tentativa de se tentar controle de ritmo seria uma opção
– Pacientes onde se tentou a estratégia de controle de FC, mas não obtiveram sucesso, a despeito do uso de mais de um fármaco. Sobretudo naquelas em que se tem a suspeita de cardiomiopatia secundária a taquicardia.
– Pacientes com < 1 ano de FA. Sabe-se que o sucesso na manutenção do ritmo é maior quanto menor o tempo do doente com a arritmia.
– Opção do paciente
FAVORECE O CONTROLE DE FREQUÊNCIA
–  Pacientes oligo-assintomáticos.
– Pacientes com átrios grandes (> 50 mm), onde o remodelamento cardíaco nessa região e a área fibrótica irão tornar muito difícil que se consiga manutenção de ritmo em médio/longo prazo.
– HAS crônicos sem controle adequado.
– Naqueles em que já se foi tentado controle de ritmo e se houve falha.
– FA persistentes de longo prazo.
– Pacientes mais velhos ( > 80 a) geralmente tem quadros de FA há muito tempo ( > 1 ano) e são mais susceptíveis a efeitos coletareis dos fármacos antiarrítmicos.
– Opção do pacientes.
MENSAGEM FINAL:
– A indicação de anticoagulação independe da estrátegia em relação ao ritmo. Portanto, não deve ser levada em consideração na opção entre controle de ritmo x FC.
– NÃO HÁ MATEMÁTICA CLARA! Nesse quesito, a MEDICINA É ARTE e a INDIVIDUALIZAÇÃO do paciente é fundamental.

– Muitas vezes a melhor estratégia para o doente só será conhecido após tentativa e erro.

– Um protótipo de paciente para controle de ritmo seria aquele < 65 anos, com FA há menos de 1 ano, sem hipertensão e com átrio < 50 mm
– Aquele senhor de 78 anos, com poucos sintomas, com seu átrio de 49 mm e com FA sabida há 2 anos seria melhor candidato a controle de frequência cardíaca.
Leitura sugerida:
Kumar, K e cols. Rhythm control versus rate control in atrial fibrillation. Acessado em out/2015 em uptodate.com/online
Waldo, AL. Rate Control versus Rhythm Control in Atrial Fibrillation: Lessons Learned from Clinical Trials of Atrial Fibrillation. Progress in Cardiovascular Diseases, 2015-09-01, Volume 58, Issue 2, Pages 168-176.
2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management
of Patients With Atrial Fibrillation
A Report of the American College of Cardiology/American
Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the
Heart Rhythm Society
Developed in Collaboration With the Society of Thoracic Surgeons Disponível aqui

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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