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Quando repetir um escore de cálcio inicialmente ‘zerado’?

Atualmente, o uso de ferramentas para re-estratificação do risco cardiovascular (CV) tem ficado cada vez mais comuns, sobretudo pela sua capacidade de conseguir melhor calibração do risco CV inicialmente predito apenas por escores clínicos (ASCVD Risk, Framingham, etc).

Dentre essas ferramentas o escore de cálcio (EC) das artérias coronárias vem se consolidando como uma alternativa para essa missão. De maneira simples, frente a um paciente de risco intermediário, a presença de um escore de cálcio elevado (sobretudo > 100) colocaria o paciente em um nível superior de risco, ao passo que um EC de 0, conseguiria fazer um ‘downgrade’ desse risco.

A dúvida que se tem, contudo, é qual a conduta frente a periodicidade de repetição deste exame, ou seja, para EC positivo ou negativo, há necessidade de repetir o exame? Se houver, a partir de quanto tempo?

Na situação de paciente com risco intermediário com EC positivo via de regra esse paciente acabará sendo tratado como um paciente de maior risco cardiovascular e, assim, de acordo com o conhecimento vigente, terá a indicação do início do uso de estatinas. Dado que essa indicação acaba sendo permanente, não faz muito sentido a repetição do EC neste doente de maneira periódica. Além disso, especificamente nos pacientes em vigência da estatina, observa-se que o uso contínuo está associado a um aumento no EC do paciente, sobretudo por um fenômeno aparentemente relacionado à uma possível estabilização da placa de ateroma através do aumento do seu componente de cálcio, conforme podemos observar na figura 1.

Figura 1: Observamos que nos pacientes em uso de estatina há um aumento do componente de cálcio da placa ao longo do tempo de seguimento. Observe na ilustração B que embora a progressão do aumento anual do aumento do volume  da placa (annual percent atheroma volume change) ser menor nos pacientes em uso de estatina (em verde), o componente de aumento cálcio é maior nesses doentes do que naqueles que não usam estatina, provavelmente relacionado a um fator de melhor estabilização da placa de ateroma (J Am Coll Cardiol Img 2018;11:1475–84).

Contudo, o cenário onde há maior dúvida no seguimento ambulatorial desses pacientes é naqueles onde o EC encontra-se ‘zero’. Nesse caso, qual seria a periodicidade de repetição deste exame? Em interessante trabalho publicado em 2010, os autores avaliaram a taxa de conversão de pacientes com EC zero em EC positivo ao longo do tempo de seguimento. Observe na figura 2, logo abaixo, que, via de regra essa taxa é menor que 10 % nos primeiros 4 anos após a realização do exame. Há outros trabalhos na literatura (observe a figura 3) que também apontam para uma maior segurança clínica no período de 4-5 anos após EC de zero (termo conhecido por ‘tempo de garantia’ – que seria a quantidade de anos que a mortalidade dos pacientes se mantém abaixo de 1%/ano após o resultado do EC zero). Por isso, infere-se que esse período de 4-5 anos parece ser um período de maior ‘calmaria’ e poderíamos nos abster da solicitação de novo EC neste período.

Figura 2: Fonte – J Am Coll Cardiol 2010;55:1110–7

Figura 3: nessa coorte avaliando por 15 anos mais de 9000 mil pacientes observem que mesmo aqueles pacientes classificados como alto risco cardiovascular por diferentes escores clínicos (FRS e NCEP ATP III), quando tinham escore de cálcio de zero, apresentaram um tempo de garantia, ou seja, período em anos com mortalidade menor que 1% ao ano que ficou em torno de 5-6 anos para doentes do grupo de alto risco pelo escore clínico e chegando a valores tão altos quanto 15 anos para o EC zero nos indivíduos já classificados como baixo risco. Fonte: J Am Coll Cardiol Img 2015;8:900–9.

Resumo:

  1. Em pacientes com EC já positivo, sobretudo valores > 100, não há necessidade de repetição periódica deste exame, tampouco indicação para fins de ‘monitorização’ da terapia com estatina.
  2. Em pacientes com EC negativo poderá ser avaliada a sua repetição, após individualização clínica, após um período de 4-5 anos. Contudo, frisamos que essa repetição deverá ser condicionada após uma criteriosa avaliação clínica após esse período.

Leitura sugerida:

1) J Am Coll Cardiol 2010;55:1110–72.

2) J Am Coll Cardiol Img 2015;8:900–9.

3) J Am Coll Cardiol Img 2018;11:1475–84.

4) Circulation. 2019;140:e596-e646.

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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