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Quais as indicações de Ressincronização Cardíaca?

Post realizado em 23/09/2021

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Quais as indicações de Ressincronização Cardíaca?

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A Terapia de Ressincronização Cardíaca (TRC) é capaz de melhorar a função cardíaca, os sintomas e bem-estar, e reduzir a morbidade e mortalidade em um grupo apropriadamente selecionado de pacientes com Insuficiência Cardíaca (IC). Conhecer bem as indicações desta terapia é vital para o bom manejo dos pacientes com IC.

Quando o assunto é TRC, existem diferenças consideráveis nos graus de indicação entre as diferentes sociedades de cardiologia mundo afora. O detalhe é que, mesmo dentro dessas sociedades, mais de um documento aborda o assunto, e por vezes com indicações diferentes. Veja a figura 1 referente a um artigo que fez essa comparação em 2017.

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ACCF/AHA indicates American College of Cardiology Foundation/American Heart Association; CCS, Canadian Cardiovascular Society; CRT-D, cardiac resynchronization therapy with defibrillator; CRT-P, cardiac resynchronization therapy with pacemaker only; ESC, European Society of Cardiology; HAS, Haute Autorité de Santé, France; LBBB, left bundle branch block; NICE, National Institutes for Health and Clinical Excellence, UK; NYHA, New York Heart Association functional classification; and QRS, duration of the Q, R, and S waves on an ECG.

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A crítica em cima dessa diferença parte inclusive da própria sociedade Internacional de Ritmo Cardíaco (Heart Rhythm Society), já que todas as recomendações, independente de onde foram criadas, se baseiam na mesma fonte de informações, que são os trabalhos publicados sobre o assunto (Figura 2).

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Adaptado das referências 3 e 4.

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Alguns trabalhos relevantes sobre o assunto também foram publicados nos anos seguintes, destaque para o Echo-CRT, que indicou possível dano com o uso de TRC com intervalo QRS de duração < 130ms.

A partir disso, esse documento vai trazer as recomendações mais claras (que são consenso em todas as diretrizes), focando na última diretriz sobre o assunto (2021 ESC Guidelines on cardiac pacing and cardiac resynchronization therapy). Veja abaixo.

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Indicações clássicas de TRC:

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A indicação mais clássica de TRC hoje requer um conjunto de três pré-requisitos:

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  • Insuficiência cardíaca com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) < 35%
  • ECG de repouso com ritmo sinusal e padrão de bloqueio de ramo esquerdo (BRE) e duração do intervalo QRS > 150 ms
  • Presença de sintomas de insuficiência cardíaca a despeito de terapia médica otimizada (NYHA CF II, III ou IV)

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Esse conjunto de características é indicação I-A em todas as diretrizes nacionais e internacionais (o detalhe para a Diretriz Brasileira de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis, que por ser de 2009 ainda não incorporava os resultados de trabalhos como o MADIT-CRT, e, portanto, ainda não incluía pacientes com NYHA CF II).

O grau de recomendação (e de probabilidade de resposta à TRC) vai caindo progressivamente para os casos que não se encaixam adequadamente na descrição acima.

Outros cenários em que recomendações de TRC também se aplicam, mas variam conforme o Guideline:

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(1) em pacientes com BRE com intervalo QRS de duração menor que 150ms;

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Tanto a diretriz da AHA/ACC 2014 quanto a diretriz da ESC 2021 colocam como IIa-B a indicação nesse cenário, no entanto, a ESC usa o intervalo de QRS de duração entre 130 e 149ms (baseado nos resultados do Echo-CRT), enquanto a diretriz da AHA/ACC usa 120 a 149ms para esta indicação.

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(2) em pacientes com bloqueios de ramo não-BRE;

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Pacientes com ECG com padrão não BRE tem menor probabilidade de resposta com TRC. Uma metanálise dos grandes trials (COMPANION, CARE-HF, MADIT-CRT, RAFT e REVERSE) com 6523 pacientes, não identificou redução de morte ou hospitalização por IC nesses casos (HR 0.99, 95% CI 0.82 – 1.2). Outros estudos, no entanto, favoreceram o uso de TRC quando existe um prolongamento importante do QRS, mesmo em padrão não-BRE. Recentemente, algum papel tem sido implicado para os casos de BAV de 1G associado, onde a população com bloqueios de ramo não BRE podem ter algum benefício, para melhora de sincronia AV.

A ESC 2021 traz como indicação IIa-B nos casos de ritmo sinusal, QRS > 150ms e padrão não BRE, e IIb-B quando o intervalo QRS tem duração entre 130 e 149ms.

A AHA/ACC 2014 também traz como IIa-B nos casos de ritmo sinusal com QRS > 150ms e padrão BRE, no entanto ainda coloca como necessário a presença de NYHA CF III a IV. Nos casos de CF II, a recomendação é IIb-B. Para os casos de intervalo QRS entre 120 e 149ms, no entanto, apenas aqueles com NYHA CF III-IV teriam recomendação, que é IIb-B.

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(3) em pacientes assintomáticos (NYHA CF I);

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Pacientes com CF I foram pouco estudados em estudos de TRC. Apenas uma porcentagem de 15% no MADIT-CRT e uma porcentagem pequena no REVERSE incluíram pacientes com CF I, e ambos os trabalhos utilizaram apenas TRC-D (TRC associado a desfibrilador). Em ambos os casos, no entanto, uma redução de mortalidade não foi encontrada na população em CF I, apenas benefício de redução de sintomas, por isso hoje, as recomendações de TRC incluem apenas pacientes sintomáticos (NYHA CF II a IV).

Em vista disso, baseando-se no MADIT-CRT, a diretriz da AHA/ACC 2014 é a única a colocar como indicação IIb-B os pacientes com CF I na sua recomendação, e exclusivamente aqueles com FEVE < 30% de etiologia isquêmica, em ritmo sinusal padrão BRE com QRS > 150ms.

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(4) em pacientes com fibrilação atrial (FA);

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A presença de IC e FA aumenta morbi-mortalidade. De uma forma geral, o controle de ritmo com ablação por cateter se mostrou como uma terapia adequada para pacientes com IC e FE reduzida, com redução de morbi-mortalidade em mais de um estudo randomizado, de tal forma que a diretriz da ESC 2021 coloca a avaliação para implante de TRC apenas nos casos em que a ablação por cateter é contraindicada ou é recusada pelo paciente.

Limitações da TRC na FA é a dificuldade em conseguir pacing biventricular adequado devido à resposta ventricular frequentemente elevada na FA, de tal forma que uma subanálise do RAFT mostrou que a TRC não conseguiu reduzir desfechos de morbi-mortalidade sem uma ablação do nó AV em conjunto.

Em vista disso, a diretriz da AHA/ACC 2014 coloca como IIa-B a TRC para pacientes com FA e IC FEVE < 35% desde que o paciente se encaixe na indicação habitual de TRC e se consiga um pacing biventricular próximo a 100%.

A recomendação da ESC 2021 é:

IIa-C: TRC indicada nos casos de IC FEVE < 35%, FA associado a BRE com QRS > 130ms e NYHA CF III-IV, desde que se consiga um pacing biventricular > 90-95%.

IIa-B: Ablação do nó AV indicada nos casos em que não se consegue pacing biventricular > 90-95%.

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(5) em pacientes em planejamento de ablação do nó AV para controle de frequência cardíaca de FA ou arritmias atriais refratárias;

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Conforme discutido acima, a ablação do nó AV é uma estratégia para auxiliar no controle de FC dos pacientes com FA e indicação de TRC, a fim de atingir um pacing biventricular adequado.

Vale ressaltar, no entanto, que naqueles pacientes com FA de difícil controle em que a ablação do nó AV está sendo considerada para controle de frequência, o implante do TRC vem ganhando indicação mesmo em pacientes com intervalo QRS normal, e mesmo naqueles sem disfunção ventricular.

Quando realizamos uma ablação do nó AV, induzimos um BAVT no paciente. Por este motivo, a TRC, que evita a assincronia causada pela estimulação de VD nos marca-passos convencionais, faz ainda mais sentido no paciente que portador de FA.

Um estudo recente, por exemplo, o APAF trial, com 186 pacientes, identificou uma redução do desfecho composto de morte por IC, piora de IC ou internação por IC nos subgrupos com em sem FEVE < 35% e com e sem QRS > 120ms.

Portanto, a ESC 2021 coloca da seguinte forma:

Em pacientes com FA sintomática e FC não controlada que são candidatos a ablação do nó AV (independente da duração do QRS):

I-B: TRC está recomendada em pacientes com IC de FE reduzida

IIa-C: TRC em vez de MP convencional deve ser considerado em pacientes com IC de FE mid-range (40-50%)

IIa-B: MP convencional deve ser indicado nos pacientes com IC de FE preservada

IIb-C: TRC pode ser considerado em pacientes com IC de FE preservada.

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(6) em pacientes que tem indicação de marca-passo por outro motivo, em que se prevê uma necessidade de pacing ventricular alta (em geral maior que 40%; por exemplo, no caso de um BAVT), e que já apresentem disfunção ventricular de base;

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Baseados nos resultados de vários trabalhos randomizados comparando marca-passo convencional com TRC em pacientes com disfunção ventricular, como o COMBAT, BLOCK-HF (este com critério de inclusão de FEVE e < 50%, porém com média de FEVE 42,9%), as indicações são:

– ESC 2021: Indicação I-A de TRC em vez de marca-passo convencional em pacientes com IC de FE reduzida (FEVE < 40%) independente da classe funcional, que tem indicação de pacing ventricular por BAV de alto grau, a fim de reduzir morbidade (essa recomendação inclui pacientes com FA)

– AHA/ACC 2014: Indicação IIa-C de TRC para pacientes com FEVE < 35% com indicação de pacing ventricular, em que se espera pelo menos 40% de pacing.

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(7) upgrade de dispositivo em pacientes que estão evoluindo com disfunção de VE por assincronia causada por um marca-passo convencional.

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Assim como no implante “de novo”, nos casos de upgrade (ou seja, para os pacientes que já possuem um marca-passo convencional e evoluem com disfunção ventricular), o grau de recomendação da ESC 2021 é IIa-B para upgrade para TRC quando a FEVE é < 35% a despeito de terapia médica otimizada e existe uma porcentagem de pacing ventricular elevada com o marca-passo atual.

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            Perspectivas

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Novas formas de estimulação ventricular por meio de eletrodos acoplados ao sistema de condução (pacing de His ou pacing de ramo esquerdo) vem ganhando espaço como alternativas em pacientes com e sem disfunção ventricular. Trabalhos randomizados grandes, no entanto, ainda são necessários para maiores recomendações dessas promissoras formas de pacing, e devem ser as cenas dos próximos capítulos da estimulação cardíaca artificial.

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Referências

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  • Almeida ND, Suarthana E, Dendukuri N, Brophy JM. Cardiac Resynchronization Therapy in Heart Failure: Do Evidence-Based Guidelines Follow the Evidence?. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2017;10(12):e003554.
  • Kutyifa V, Cannom D, Klein HU, Moss AJ. Discrepancies in the U.S. and European guidelines involving the implantable cardioverter-defibrillator and cardiac resynchronization therapy: Need for a single shared international publication. Heart Rhythm. 2017;14(4):474-475.
  • Gi-Byoung Nam, Recent Clinical Trials on Cardiac Resynchronization Therapy. Int J Arrhythm. 2012;13 (3): 17-21.
  • Acena M, Regoli F, Auricchio A. Cardiac resynchronization therapy. Indications and contraindications. Rev Esp Cardiol (Engl Ed). 2012;65(9):843-849.
  • Tracy CM, Epstein AE, Darbar D, DiMarco JP, Dunbar SB, Estes NAM 3rd, Ferguson TB Jr, Hammill SC, Karasik PE, Link MS, Marine JE, Schoenfeld MH, Shanker AJ, Silka MJ, Stevenson LW, Stevenson WG, Varosy PD. 2012 ACCF/AHA/HRS focused update of the 2008 guidelines for device-based therapy of cardiac rhythm abnormalities: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation. 2012;126:1784–1800.
  • Glikson M, Nielsen JC, Kronborg MB, et al. 2021 ESC Guidelines on cardiac pacing and cardiac resynchronization therapy. Eur Heart J. 2021;42(35):3427-3520.
  • Brignole M, Pentimalli F, Palmisano P, et al. AV junction ablation and cardiac resynchronization for patients with permanent atrial fibrillation and narrow QRS: the APAF-CRT mortality trial [published online ahead of print, 2021 Aug 28]. Eur Heart J. 2021;ehab569. 
  • Goldschmidt H. Biventricular pacing for atrioventricular block and systolic dysfunction. N Engl J Med. 2013;369(6):578-579.

Sobre o Autor

Rodrigo M. Kulchetscki

Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná. Residência Médica em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP).
Atualmente é Fellow em Arritmia, Eletrofisiologia e Estimulação Cardíaca Artifical na mesma instituição.

1 comentário

  • Bom dia, muito bom o artigo,,
    Tenho Fa acabei de fazer a terceira abração mais agora no eletrocardiograma deu um prolongamento no intervalo PR o médico explicou mais não entendi nada.

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