Consensos / Diretrizes

10 coisas que você precisa saber sobre a nova Diretriz da AHA/ACC/HRS 2019 de Fibrilação Atrial. ​

Diretrizes e Guidelines são importantes para a atualização da prática médica, trazendo a mais recente evidência disponível sobre um determinado assunto. Se você bem lembra, a última diretriz sobre o assunto Fibrilação Atrial (FA) era a diretriz da Sociedade Européia de Cardiologia (do inglês, ESC), publicada em agosto de 2016, enquanto a II Diretriz Brasileira de Fibrilação Atrial, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), publicada em abril de 2016, é a última diretriz nacional vigente.
Hoje, discutiremos com você de um ponto de vista prático as principais atualizações que a nova diretriz de Fibrilação Atrial da AHA/ACC/HRS de 2019 traz para a medicina hospitalar e de consultório. Claro que este resumo não contempla todo o conteúdo da diretriz (por isso vale a pena você conferir também o texto completo), mas certamente reforça os seus pontos principais! Vamos lá:
  1. Reforça a diferença entre FA valvar (basicamente aqueles pacientes com prótese mecânica ou estenose mitral moderada a importante, que sempre devem ser anticoagulados) e não valvar (todo o resto, inclusive pacientes com lesões valvares outras, mesmo aqueles com plastias valvares ou biopróteses prévias. Estes nem sempre devem ser anticoagulados – veja o item 2).
  2. Embasa o uso de NOACs para anticoagulação na FA não valvar, inclusive favorecendo o uso destes em preferência à Varfarina (classe I, nível de evidência A), com base no escore CHA2DS2-VASC (≥ 2 para homens e ≥ 3 para mulheres). A diretriz ainda adiciona o uso de Edoxabana como novo NOAC disponível.
  3. Pouca evidência existe a respeito do uso dos novos anticoagulantes orais (NOACs) em pacientes com próteses biológicas. Poucos pacientes no ARISTOTLE (41 pacientes) e no ENGAGE-AF (191 pacientes) aparentemente se beneficiaram do uso de NOACs, no entanto nenhuma recomendação formal ainda pode ser feita.
  4. Reforça o uso de dose reduzida de NOACs frente a pacientes com disfunção renal (Clearance de Creatinina < 50 para o Rivaroxabana e a Edoxabana, entre 15 e 30 para a Dabigatrana e Creatinina ≥ 1,5 para a Apixabana). A diretriz recomenda ainda (classe de recomendação IIb e nível de evidência B-N) o uso de Varfarina ou Apixabana (e contraindica Rivaroxabana, Edoxabana e Dabigatrana por falta de evidência ou por evidência de malefício) para pacientes homens com CHA2DS2-VASC maior ou igual a 2 e mulheres com CHA2DS2-VASC maior ou igual a 3 e em hemodiálise por doença renal em estágio terminal (DRC-ET). Essa recomendação se baseia em estudos retrospectivos da varfarina e em uma coorte pareada retrospectiva que comparou duas doses de apixabana vs varfarina em pacientes com DRC-ET, e mostrou que a dose de Apixabana 5mg 2xd reduziu mortalidade em comparação com as outras opções.
  5. Recomenda com classe IA o uso de Idarucizumab e IIA o uso de Andexanet-alfa para reversão dos efeitos da Dabigatrana e da Rivaroxabana/Apixabana, respectivamente, em caso de sangramento potencialmente fatal ou devido a procedimento de urgência.
  6. Baseado nos resultados do estudo BRIDGE, publicado no New England Journal of Medicine em 2015, recomenda o uso de ponte de anticoagulação com Heparina Não Fracionada ou Heparina de Baixo Peso Molecular para realização de procedimentos cirúrgicos ou diagnósticos que envolvam risco de sangramento, apenas nos pacientes com alto risco tromboembólico, como nos pacientes em uso de próteses mecâncias ou CHA2DS2-VASC muito elevado.
  7. Baseado nos resultados de dois estudos (PROTECT AF e PREVAIL) quanto ao uso de dispositivo de exclusão do apêndice atrial esquerdo (WATCHMAN® Device), recomenda com classe IIb e nível de evidência B-NR o seu uso em pacientes com FA e alto risco tromboembólico porém com contraindicações à anticoagulação a longo prazo – vale ressaltar o “longo prazo”, já que nesses trials foi utilizada anticoagulação por até 45 dias após o procedimento.
  8. Valida os NOACs para uso peri-cardioversão elétrica, com Classe I e Nível de Evidência B-R.
  9. Recomenda a anticoagulação baseada no CHA2DS2-VASC para pacientes que se apresentam com FA e uma Síndrome Coronariana Aguda (SCA). Recomenda ainda, com classe IIa e nível de evidência B-R, com base nos resultados dos estudos WOEST, PIONEER AF-PCI e RE-DUAL PCI, e também por estudos de coorte retrospectiva com Ticagrelor e Varfarina, o uso de terapia dupla (Varfarina + Clopidogrel, Varfarina + Ticagrelor, Rivaroxabana 15mg 1xd + Clopidogrel e Dabigatrana 150mg 2xd + Clopidogrel) desde o início, em pacientes submetidos a angioplastia coronariana em contexto de SCA.
  10. Baseado nos resultados do estudo CASTLE-AF, com classe de recomendação IIb e nível de evidência B-R, recomenda a ablação de FA como alternativa em pacientes com Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Reduzida (ICFEr) e sintomáticos, para reduzir mortalidade e a taxa de re-hospitalização. Vale ressaltar que o CASTLE-AF foi um estudo conduzido em centros com alta experiência no procedimento, e isto deve ser levado em conta na indicação do mesmo.

Referência:

January CT, Wann LS, Calkins H, Chen LY, Cigarroa JE, ClevelandJr JC, Ellinor PT, Ezekowitz MD, Field ME, Furie KL, Heidenreich PA, Murray KT, Chea JB, Tracy CM, Yancy CW. 2019 AHA/ACC/HRS Focuse Update of the 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrilation. A Report of the American College of Cardiology/American heart Association Task Force on Clinica Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation. 2019;139. doi: 10.1161/CIR.0000000000000665 

Sobre o Autor

Rodrigo M. Kulchetscki

Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná. Residência Médica em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP).
Atualmente é Fellow em Arritmia, Eletrofisiologia e Estimulação Cardíaca Artifical na mesma instituição.

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