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Amiodarona ainda é o antiarrítmico de escolha no contexto de parada cardiorrespiratória?

Sabemos que as principais medidas relacionadas ao retorno da circulação espontânea (RCE) e sobrevida em pacientes com parada cardiorrespiratória (PCR) secundária a ritmos chocáveis (fibrilação ventricular/taquicardia ventricular sem pulso – FV/TV) são a cardiodesfibrilação elétrica e as manobras de compressão cardíaca. Até o momento, não existem estudos consistentes que correlacionem o uso de drogas antiarrítmicas com melhora do desfecho neurológico ou sobrevida a longo prazo. Portanto, o objetivo primário desses medicamentos consiste em facilitar a restauração e manutenção do ritmo cardíaco espontâneo.

Até recentemente, a medicação antiarrítmica recomendada para uso rotineiro como primeira linha no contexto de PCR em FV/TV era a amiodarona. Entretanto, já vimos em post anterior no site que seu benefício em relação à lidocaína (e até mesmo ao placebo) vem sendo questionado. Em 2018, a American Heart Association (AHA) publicou uma atualização em relação ao uso de antiarrítmicos nesse contexto, trazendo novamente à tona essa questão.

O uso da amiodarona 300 mg durante PCR em FV/TV demonstrou melhora da sobrevida na admissão hospitalar, em comparação ao placebo, no estudo ARREST. Já no estudo ALIVE, a amiodarona na dose de 5 mg/kg esteve relacionada à maior sobrevida na admissão hospitalar quando comparada à lidocaína 1.5 mg/kg. Não houve melhora nos desfechos neurológicos ou sobrevida a longo prazo nesse pacientes, porém os estudos citados acima não tiveram poder para avaliar esses desfechos.

Em 2016, foi publicado o estudo randomizado ROC-ALPS, que comparou  o uso de amiodarona, lidocaína e placebo em pacientes que apresentaram PCR em FV/TV refratárias a ao menos 1 choque. Esse estudo não demonstrou diferença em desfechos neurológicos ou mortalidade a longo prazo entre os grupos. Apesar disso, houve maior taxa de retorno à circulação espontânea no grupo “lidocaína” em comparação ao placebo, sem diferenças quando comparados os grupos “amiodarona” e placebo. A sobrevida na admissão hospitalar foi semelhante entre os grupos “amiodarona” e “lidocaína”, e ambos foram superiores ao grupo placebo.

Atualmente, as recomendações da AHA para o uso de drogas antiarrítmicas durante PCR por FV/TV são: “o uso de amiodarona ou lidocaína podem ser considerados no contexto de FV/TV sem pulso que não respondem à desfibrilação. Essas drogas podem ser particularmente úteis em PCR presenciadas, nas quais o tempo para administração das medicações costuma ser menor em relação às PCR não-presenciadas (grau de recomendação IIb, nível de evidência B)”.

Existe indicação de manutenção da lidocaína após retorno à circulação espontânea?

Apesar da melhora na sobrevida ser o objetivo primário no tratamento da PCR, a redução de desfechos a curto prazo também é de grande valia. A redução da recorrência de arritmias e manutenção do ritmo cardíaco próprio justificam o seu uso, tendo em vista a ausência de evidências de efeitos nocivos relacionados a ele. Apenas os betabloqueadores e a lidocaína foram estudados nesse contexto (a amiodarona não).

Com isso, as recomendações atuais da AHA para a infusão de manutenção de lidocaína  após retorno à circulação espontânea são:

–  Não há evidência suficiente para recomendar ou refutar o uso de lidocaína precocemente após retorno à circulação espontânea;

– Na ausência de contra-indicações, seu uso pode ser considerado em situações especiais (grau de recomendação IIb, nível de evidência C).

 ** Observação: É importante lembrar que, apesar das modificações recentes nas recomendações, nenhum estudo demonstrou benefício concreto no uso de medicações antiarrítmicas no contexto de PCR em ritmo chocável, principalmente no que diz respeito a prognóstico neurológico e sobrevida a longo prazo. Compressões torácicas efetivas e cardiodesfibrilação precoce continuam como as medidas de maior impacto no tratamento dessa condição.

 Referências:

  1. Panchal AR et al. 2018 American Heart Association Focused Update on Advanced Cardiovacular Life Support Use of Antiarrhythmic Drugs During and Immediately After Cardiac Arrest. Circulation, 2018; 138: e740-e749;
  2. Kudenchuk PJ et al. Amiodarone for Resuscitation after out-of-hospital cardiac arrest due to ventricular fibrillation. N Engl J Med. 1999;341:871-878;
  3. Dorian P et al. Amiodarone as compared with lidocaine for shock-resistantventricular fibrillation. N Engl J Med. 2002;346:884-890;
  4. Kudenchuk PJ et al. Amiodarone, lidocaine, or placebo in out-of-hospital cardiac arrest. N Engl J Med. 2016; 374: 1711-1722

Sobre o Autor

Bernardo Rosário

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Paraná e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP).

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