Quem já atendeu a algum episódio de parada cardiorrespiratória (PCR) certamente já ouviu sobre a necessidade de se sistematizar a abordagem dessa situação de maneira que se consiga uma otimização de tempo. Tradicionalmente, as vítimas de PCR são divididas em 2 grupos:

  1. Acometidos por PCR com ritmos chocáveis: Taquicardia Ventricular (TV) sem pulso e Fibrilação Ventricular (FV).
  2. Acometidos por PCR com ritmos não-chocáveis: Assistolia e Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP).

Uma vez definido qual o ritmo de apresentação da PCR devem se tomar atitudes específicas em relação a esses doentes, mas elas podem mudar de acordo com a evolução do cenário clínico, de forma tal que um indivíduo que inicia com um ritmo pode degenerar rapidamente para outro e, assim, ter seu manejo alterado.

A definição da PCR em ritmo de AESP é aquela situação onde o ritmo demonstrado no monitor em condições normais deveria produzir pulso, mas, nesse caso, não o está fazendo efetivamente. Há quem refine essa divisão para situações de AESP verdadeira (”True PEA”) e falsa (”False PEA”), onde naquela, não há, de fato, batimento cardíaco e nem registro de pressão aórtica, enquanto nessa, apesar de não se conseguir palpar pulso central adequadamente – vasculopatia, inabilidade técnica, etc – há registro de batimento cardíaco e pressão em raiz de aorta. Por exemplo, quem nunca ficou na dúvida em relação a presença ou não de pulso em um indivíduo obeso?

Tradicionalmente, reforçamos durante a instrução dos cursos de ACLS que nessa situação o aluno busque por causas potencialmente reversíveis de parada que podem ser memorizadas através dos chamados ‘Hs’ e ‘Ts’, quais sejam:

H’s

  • Hipo ou HiperCalemia
  • Hipóxia
  • Hipotermia
  • H+ (Acidose)
  • Hipovolemia

T’s

  • Trombose Coronária
  • Tromboembolismo Pulmonar
  • Tamponamento Cardíaco
  • Toxinas
  • Tensão no Tórax (Pneumotórax Hipertensivo)

Contudo, há algumas críticas a metodologia de ensino aplicada, sobretudo quanto a dificuldade em se conseguir memorizar e se conseguir buscar, na vigência de uma PCR real, todas essas causas. De fato, mesmo durante os cursos de ACLS percebemos uma dificuldade dos alunos para conseguirem memorizar todos os 10 Hs e Ts e, na vida real, não é diferente.

Além disso, ainda há certa dúvida a em relação a algumas causas a serem lembradas, seja pelo fato de sua apresentação ser óbvia (um termômetro detecta rapidamente a hipotermia) ou mesmo controversa como causa de PCR (no caso da hipocalemia e até mesmo a hipóxia).

Enfatizando esses pontos, Haley, MW e cols, em artigo publicado em 2014 (veja aqui), propuseram um novo enfoque para abordagem dos ritmos em AESP utilizando um algoritmo utilizando duas ferramentas: ECG (do próprio monitor do paciente) e Ecocardiograma beira-leito

  1. ECG: QRS estreito ou largo
  2. Ecocardiograma beira-leito

ECG: QRS estreito ou largo

O primeiro passo seria definir se o QRS do paciente é estreito ou largo. A idéia por trás é de que as causas de AESP que cursam com QRS estreito habitualmente são secundárias a entidades que alteram o fluxo de sangue de maneira ‘anatômica’ e muitas vezes, o coração inclusive está batendo, mas sem conseguir gerar onda de pulso palpável (situação descrita como uma ‘falsa-AESP’). Inclusive, há quem postular que inciar compressões torácicas nesse cenário poderia, eventualmente, até mesmo ser deletério. Deveríamos, portanto, focar no tratamento da causa do ritmo. As principais entidades desse do braço ‘QRS Estreito’, segundo os autores, seriam: TEP, Tamponamento Cardíaco, Pneumotórax e Hiperinsuflação Mecânica (no caso de aprisionamento extremo de ar intra-cavitário).

Por outro lado, nas situações de AESP com QRS alargado, habitualmente há problema metabólico envolvido, sobretudo hipercalemia, acidose metabólica ou intoxicação por tricíclicos. Nesse cenário, o papel do bicarbonato de sódio 8,4% in bolus endovenoso ganha um papel importante por ser antídoto eficaz para as 3 situações.

Ecocardiograma beira-leito

Após feita a análise do ECG, o ECO beira-leito – sobretudo usando a janela sub-costal – poderia ser uma opção para tentar buscar achados que corroborassem algum das hipóteses, por exemplo:

  1. TEP: aumento do volume e do diâmetro do VD (>30 mm), rechaçando o septo em direção ao VE, disfunção importante do VD, VD com formato de ‘D’, etc.
  2. Tamponamento: visualização de derrame pericárdio, colabamento diastólico do AD e do VD (câmaras de menor pressão).
  3. Pneumotórax: ausência de ‘lung-sliding’, ausência de linhas A e B, etc.
  4. Sinais de ruptura miocárdica com complicação mecânica de IAM: ruptura de musculatura papilar com IM grave, CIV aguda, etc.
  5. Detecção de hipovolemia: ventrículos hiperdinâmicos, colabamento de veia cava.
  6. Visualização do miocárdio acinético (”AESP verdadeira”).

Finalmente, após avaliação da hipótese mais provável, seguiria-se do tratamento direcionado: pericardiocentese para o tamponamento, toracocentese de alívio para o pneumotórax, dentre outros, conforme podemos observar na figura abaixo, que foi retirada do artigo original de Haley e cols e modificada por nós.

AESP

Resumo da abordagem da AESP (”PEA – Pulseless Electrical Activity”), adaptada do artigo original de Haley e Cols, exemplificando a abordagem baseada no QRS estreito x largo e as condutas relacionadas a cada achada. Narrow = Estreito; Wide = Largo; LV = Left Ventricle = Ventrículo Esquerdo; RV = Right Ventricle = Ventrículo Direito; PTX = Pneumotórax. Fonte:retirado de Littmann /Bustin /Haley. A Simplified Teaching Tool for PEA. Med Princ Pract 2014;23:1–6 e modificado por este autor.

Obviamente, estamos aqui apenas apresentando um ponto de vista diferente de abordagem da AESP, que muda um pouco em relação ao tradicional apresentado pelo ACLS em sua última edição. A intenção é fazer com que o leitor veja que há várias outras estratégias de aprendizado que podem ser propostas e, a depender dos seus recursos,  ser utilizadas sempre pensando em uma melhor forma de atender ao seu doente de acordo com os recursos que você detém, ou seja, uma individualização do cuidado!  O ECO beira-leito realizado pelo emergencista/intensivista já é uma ferramenta incorporada no arsenal diagnóstico de muitas UTIs e Pronto-Socorros e nas diretrizes de 2015 do ACLS  é reconhecido como uma ferramenta de auxílio a decisões terapêuticas na PCR, desde que com operador treinador em sua realização e interpretação, e que não atrapalhe os cuidados habituais da RCP.

Leitura sugerida
Conacher ID: Dynamic hyperinflation – the anaesthetist applying a tourniquet to the right heart. Br J Anaesth 1998;81:116–117
Hogan TS: External cardiac compression may be harmful in some scenarios of pulseless electrical activity. Med Hypotheses 2012;79: 445–447.
Littmann /Bustin /Haley. A Simplified Teaching Tool for PEA. Med Princ Pract 2014;23:1–6. Disponível aqui
A Zafiropoulos and others.  Critical care echo rounds ID: 14-0052; December 2014. Disponível aqui.

 

 

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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