Insuficiência Cardíaca Terapia Intensiva Cardiológica

ECMO-VA: conceitos fundamentais.

Esse post visa ilustrar tópicos essenciais a respeito do uso da ECMO veno-arterial (ECMO-VA) para suporte cardiopulmonar:

Indicações:

Suporte cardiopulmonar temporário como ponte para: decisão (trial de curto prazo para definir grau de investimento), recuperação, para um dispositivo de longa permanência (por exemplo, Heart-Mate) ou para transplante cardíaco. Via de regra, o paciente candidato é escolhido baseado em julgamento clínico que considera uma grande instabilidade clínica e risco imininente de óbito caso não seja tomada uma atitude para além do suporte clínico disponível (drogas vasoativas, volume, anti-arrítmicos, monitorização em UTI).

Alguns exemplos de indicação: Choque cardiogênico após IAM, após cirurgia cardíaca, em pacientes com miocardite, intoxicação, arritmias incontroláveis, em contexto de PCR, tromboemnbolismo pulmonar com falência de ventrículo direito, dentro outras.

Desfechos de curto prazo por indicação:
Na média, baseado em dados do registro da ELSO, a taxa de alta hospitalar dos pacientes em ECMO fica em torno de 40%. Doentes com falha de enxerto de transplante cardíaco e de miocardite fulminante chegam a 70-80% de sucesso. Em pacientes no contexto de implante durante PCR parecem ter sucesso em 20-30% dos casos ( Embora esse número pareça baixo é, certamente, melhor do que a média dos indivíduos submetidos a PCR sem ECMO). Pacientes idosos, com disfunção renal e no contexto de choque pós-pericardiectomia aparentam ter pior prognóstico.

Contra-indicações:
Distúrbio de coagulação ativo, doença arterial periférica severa, dissecção aórtica não reparada, insuficiência aórtica moderada-grave, co-morbidades limitantes de vida (doença neoplásica grave, estado neurológico grave, etc). Os casos devem ser sempre discutidos com o time de ECMO almejando a melhor indicação possível para que não haja uso fútil dessa ferramenta e que se consiga uma relação de custo-efetividade favorável.

Circuito:
Componentes básicos: cânulas, tubos, bomba centrífuga, membrana oxigenadora com controle de temperatura sanguínea e console de controle da ECMO.

Cânula de influxo ou de drenagem: permite a drenagem do sangue no sentido corpo -> membrana de oxigenação.

Cânula de efluxo ou retorno: permite a drenagem do sangue no sentido membrana de oxigenação -> corpo.

A configuração mais comum de ECMO-VA é a periférica, com sítio de canulação da cânula de drenagem sendo a veia femoral e a cânula de retorno na artéria femoral.

O que você pode controlar na ECMO:

  • Ajuste da temperatura do circuito.
  • Ajuste da FiO2 da ECMO.
  • Ajuste de velocidade de gás no Sweep.
  • Ajuste da rotação por minuto (RPM) da centrífuga (indiretamente se tem o débito cardíaco proporcionado, mas a variável que se controla, via de regra, são as RPM).

O que você deve monitorizar:

  • Gradiente transmembrana (idealmente < 30 mmHg).
  • Valores de gasometria pré e pós-membrana (o que se almeja no pós-membrana é aumento de PaO2 > 200 mmHg e pCO2 em valores pCO2 35-45 mmHg).
  • Pesquisa por sinais de hemólise.

Trajeto do sangue:

O sangue sai do paciente através da cânula de drenagem sendo direcionada a bomba centrífuga. Após passagem pela bomba, irá ser direcionado à membrana de oxigenação. Antes e após a membrana de oxigenação existem espaços para coleta de gasometria e monitorização das pressões no circuito. O controle da oxigênio é feito através do ajuste do FiO2 da ECMO (que vai de 0 a 100%) e controle de dióxido de carbono é controlado através da vazão de gás passando pelo oxigenador, o Sweep, em litros/minuto (quando mais gás ‘livre’ de CO2 passar pelo oxigenador, maior o gradiente de CO2 entre o gás e o sangue do paciente e, por conseguinte, maior a velocidade de remoção do CO2 do sangue do doente. Sendo assim, quando se aumenta o Sweep, espera-se uma queda da pCO2 e quando se diminui o Sweep espera-se um aumento dos valores de pCO2 do paciente). Adicionalmente, há um console para controle de temperatura do sangue, onde podemos controlar a temperatura do sangue no circuito. Também é possível conectar uma linha de diálise no encaixe do sistema de ECMO, sem a necessidade de ‘punção vascular adicional’. Em geral, basta-se adicionar um conexão no sistema de tubos no circuito de ‘drenagem’, ou seja, entre o paciente e a membrana de oxigenação.

Canulação:

A canulação central é aquela onde uma das cânulas é posicionada através de acesso torácico (toracotomia ou esternotomia). O óstio da cânula de drenagem fica em topografia de átrio direito e a cânula de retorno está localizada na aorta, artéria pulmonar, subclávia ou troncobraquiocefálico. Vantagens: sem limitação ao fluxo, menor taxa de hemólise, sem aumento de pós-carga do VE (uma vez que o fluxo é anterógrado). Desvantagens: necessidade de toracotomia, alto risco de infecção, sangramento e necessidade de equipe de cirurgia cardiovascular.

A canulação periférica é aquele onde as cânulas são posicionadas em situação periférica (habitualmente através dos vasos femorais, mas podendo-se utilizar a veia jugular interna). Via de regra cânulas drenagem de 15-17 Fr e cânulas de retorno de 25 Fr são adequadas para maioria dos pacientes. Desvantagens: risco de isquemia distal do membro (mesmo com o uso de cânulas adicionais de perfusão), aumento de pós-carga do ventrículo esquerdo por competição de fluxo, risco de hemólise. Vantagem: passagem a beira-leito, maior diversidade de profissionais que podem realizar o procedimento (cirurgiões, anestesistas, cardiologistas, intensivistas,etc), menor volume para conseguir realizar a técnica e possibilidade de passagem durante atendimento a PCR.

Manejo:

Chicoteamento: o chicoteamento do circuito é um dos problemas mais comuns que podem ocorrer. Via de regra, ele ocorre pois a cânula de drenagem passa a ter contato com a parede vascular venosa e passa a ‘aspirá-la’ e acaba transmitindo essa pressão negativa para o circuito (por exemplo, para entender melhor isso, veja o que acontece se você colocar um aspirador de pó e ocluí-lo com sua mão). O limiar para esse acontecimento depende do status volêmico do paciente, da localização da extremidade da cânula e do débito cardíaco que está sendo aspirado. Se não corrigida, essa alteração pode gerar hemólise, dano na parede do vaso e queda do débito cardíaco adicional. Em resumo, causas de chicoteamento são: baixa volemia, aumento da pressão intra-abdominal/intratorácica (causando compressão extrínseca do vaso), débito cardíaco muito elevado, cânula pequena, coagulação e ‘dobras’ das cânulas (causando acotovelamento). Na hora que é percebido o chicoteamento deve-se buscar dobras no sistema, avaliar se não necessidade de expansão volêmica ou transfusão de hemoconcentrados  e reduzir a vazão do débito da ECMO temporariamente até entender o que se está acontecendo.

Anticoagulação: o objetivo da anticoagulação é evitar a interação entre o sistema coagulação do paciente e o circuito artificial da ECMO, diminuindo a formação de trombos e prevenindo embolização sistêmica, que poderia ter consequências catastróficas. Os valores ótimos para controle do nível de anticoagulação em ECMO não são estabelecidos. Em geral, é feito um bolus de heparina não-fracionada na dose de 50-100 Ui/kg. O nível terapêutico deve ser manter uma relação de TTPa acima de 1,5 ou nível de anti-Xa em torno de 0,5 Ui/ml. De toda forma, a avaliação de risco-benefício, bem como a definição de faixas de parâmetros de anticoagulação deve ser definida individualmente.

Hemólise: uma grau de hemólise discreto é esperado. Contudo, em torno de 5% dos pacientes podem desenvolver hemólise franca – níveis de hemoglobina livre > 50 mg/dL. Manifestação clínica inclui escurecimento da urina ou do dialisato, alterações eletrolíticas,

Outras complicações foram abordadas nesse post que você confere aqui.

Desmame:

Há 3 desfechos básicos para os pacientes em ECMO: 1) recuperação com desmame 2) necessidade de progressão para suporte mecânico mais duradouro/Tx Cardíaco 3) morte

Não há um protocolo universal mas alguns princípios básicos devem ser seguidos:

  1. Sinais de má-perfusão orgânica está resolvidas?
  2. A função cardíaca resolveu ou estabilizou? (Sobretudo através de medidas ecocardiográficas seriadas – testes seriados com diminuição do débito da ECMO com FEVE > 30%, VTI > 10 cm e a velocidade de pico do anel mitral lateral > 6 cm/s, mas também através de uma manutenção de valores adequados de PAM mesmo com baixo débito da ECMO também é importante, boa perfusão periférica).
  3. A função pulmonar? (Parâmetros ventilatórios baixos, capacidade do paciente manter a função de oxigenação e renovação de CO2 de forma autônoma?).
  4. Função neurológica preservada.
  5. Os declínios do suporte da ECMO devem ocorrer de maneira gradual: 0,5 – 1 L/min em intervalos de tempo a serem definidos de acordo com a instituição.
  6. Fique atento ao risco de trombose do sistema com a queda do débito, sobretudo com valores menores de 2,5 – 3,0 L/min.

Decanulação:

Uma vez decidida pela retirada da ECMO a decanulação deve ser programada para o mais breve possível, no intuito de minimizar risco trombótico. A anticoagulação é suspensa e o time deve se preparar para retirada das cânulas. Nos sítios de punção femoral alguma complicação vascular é esperada e deve-se ter um backup do time cirúrgico para sutura vascular, se necessário. Deve-se, também, ficar atento ao surgimento de hematoma tardio.

Referências:

Veno-Arterial Extracorporeal Membrane Oxygenation for Cardiogenic Shock. An Introduction for the Busy Clinician. Circulation. 2019;140:2019–2037. DOI: 10.1161/CIRCULATIONAHA.119.034512

Weaning of extracorporeal membrane oxygenation using continuous hemodynamic transesophageal echocardiography. PERIOPERATIVE MANAGEMENT| VOLUME 146, ISSUE 6P1474-1479, DECEMBER 01, 2013

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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