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Infarto no paciente jovem – quais as peculiaridades ?

A doença aterosclerótica coronariana ( DAC ) é uma doença que tende a manifestar-se em pessoas mais velhas. A definição de infarto agudo do miocárdio (IAM) em pessoas jovens ocorre quando este evento situa-se em uma população abaixo dos 40-45 anos.
A prevalência de doença coronariana nessa população é difícil de ser estimada, haja vista a grande casuísta que é assintomática.
Em estudos populacionais, observa-se uma taxa cerca de 5-10 x maior da incidência de IAM em pessoas com mais de 45 anos em comparação aos de menor idade.
A presença de história familiar de doença coronariana, tabagismo, alterações de colesterol, intolerância a glicose, obesidade e uso de cocaína são mais frequentes nessa população. Essa maior intensidade de fatores de risco (FR) pode ser responsável pela  ‘perda do efeito protetor relacionado a idade’ e estar diretamente relacionada ao aumento de IAM nessa população esperado nos próximos anos, uma vez que há cada um aumento gradual de jovens com essas condições predisponentes.
O fato, contudo, é que os jovens também infartam e temos de estar atentos para isso. Muitas vezes um tempo de atendimento precioso é perdido nessa população por ficarmos ‘desconfiados demais’ se estamos, ou não, lidando com uma Síndrome Coronariana Aguda (SCA).
Devemos agir com rapidez pois, quando bem manejado, o prognóstico em jovens acaba sendo melhor que na população idosa e isso tende a minimizar o impacto financeiro a sociedade, além de grande repercussão psicológica no indivíduo afetado. 
Podemos dividir em a abordagem baseado em 4 cenários:
1) Doença coronariana aterosclerótica
A doença ateromatosa começa ainda na infância e está ligada a fatores convencionais de risco coronariano, sobretudo o uso de cigarro, que é o fator modificável mais frequente.
Anormalidades lipídicas, especialmente hipertrigliceridemia e HDL baixo, associados a intolerância a glicose tem uma prevalência alta nesses indivíduos.
Outros fatores de risco, com a questão do stress e raiva, bem como o papel da hiperhomocisteinemia parecem desempenhar um papel importante.
2) Doença coronariana não-aterosclerótica
A presença de anomalias congênitas podem estar presentes e diretamente relacionadas ao infarto do doente. Muitas vezes, só será descoberta através de uma dificuldade de se realizar o localizar o óstio da coronária.
Também pode ocorrer as chamadas pontes miocárdicas, onde ocorre um trajeto intramiocárdico dos vasos coronarianos, que não é habitual. Assim, durante a sístole, a compressão muscular pode gerar colabamento da luz coronariana e, consequentemente, isquemia.
Dissecção espontânea coronária, sobretudo em mulheres e na descendente anterior, também pode causar IAM. Chama a atenção as mulheres em período periparto. 
Outras causas menos usuais: embolia séptica de vegetação em valva aórtica com endocardite, embolia paradoxal através de forame oval patente e a presença de aneurismas coronarianos congênitos ou adquiridos.
3) Estados de hipercoagulabilidade
Ganha destaque a Síndrome de Anticorpo Antifosfolipide ( SAAF) – também conhecida por Síndrome de Hughes – que está associado a embolia arterial e venosa, podendo ser primária ou associada a doenças reumatológicas, sobretudo o Lupus Eritematoso Sistêmico ( LES)
Mutação do fator V de leiden e deficiência de proteína C e S são outras potenciais causas.
Pacientes portadores de Síndrome Nefrótica também estão em estado de maior coagulação, sobretudo pelo déficit da antitrombina III, que passa a ser importante quando temos albumina menor que 2,0 mg/dl.
Por fim, lembrar do uso de anticoncepcionais orais, sobretudo em mulheres jovens que tenham outros fatores de risco, como obesidade e tabagismo.
4) Secundário a substâncias de abuso
 Uso de drogas recreacionais, mais comumente a cocaína, é responsável por até 50% de quadros de dor torácica não traumática em algumas emergências. Lembre-se que os efeitos da cocaína podem ser tão longos quanto próximo de 80 horas após uso e não apenas quando ‘acabou de usar’. Além disso, muitos pacientes usuário da droga também são fumantes. O mecanismo causador da isquemia é múltiplo: hipercoagulabilidade, vasoespasmo e aumento de tônus simpático. Além de infarto, podemos ter quadros de arritmias ventriculares e endocardite, quando o uso via endovenosa, que não é tão prevalente em nosso País.
* Há autores que optam por uma divisão de causas baseado em achados de coronariografia normal x anormal. Por consideramos que o conceito de ‘normalidade’ angiográfica pode ser relativo e considerando que uma parcela não desprezível de pacientes jovens com SCA acaba, por diversos motivos, não sendo submetido a angiografia optamos por não utilizarmos essa abordagem.
APRESENTAÇÃO
A grande maioria desses paciente tem o IAM como primeira manifestação isquêmica. É incomum a apresentação na forma de angina em crescendo ou mesmo história prévia de Angina Estável.
Podem apresentar sudorese, midríase, algum grau de ansiedade, maior tendência a hipertensão, sobretudo quando fizeram uso de drogas.
Procure estigmas de dislipidemia, sobretudo quadros familiares. Presença de xantomas, xantelasmas, espessamento de calcâneo, halo corneano 
MANEJO
Os cuidados em relação a esses pacientes seguem as mesmas rotinas das principais diretrizes nacionais e internacionais sobre o assunto. Selecionamos abaixo alguns pontos peculiares:
– Realize ECG seriado. Muitas vezes não há elevação do ST inicial e, em outras, a permanência do supra do ST é transitória secundária a fenômeno de vasoespasmo
– Tenha sempre em mente outros diagnósticos diferenciais para dor torácica do doente: TEP, pericardite, miopericardite, dissecção de aorta
– Evite uso de betabloqueadores em pacientes com história do uso de cocaína, haja vista que pode-se ter uma piora do vasoespasmo. Isso ocorre pela a suspensão do estimulo beta adrenérgico deixando com que a resposta alfa-adrenérgiga – que é vasoconstrictora – predomine. Uso de benzodizeapinicos nesse situação é preferencial e não há dose definida. Aplica-se e vai vendo a resposta do paciente.
– No caso de supra do ST, avalie se o uso de nitratos não reverte a anormalidade. Do contrário, proceda a trombólise química ou coronariografia a depender do que é disponível sem seu serviço. Nessa situação, em particular, recomenda-se que a coronariografia seja a primeira opção, pelo fato de haverem outros mecanismos que não a aterosclerose como possíveis implicados nesse evento em que o uso do trombolítico poderia ser ineficaz. Contudo, na falta de laboratório de hemodinâmica, deve-se trombolisar o doente sem hesitar!
– Suspenda a anticoncepção oral e mude, preferencialmente, por métodos não hormonais.
– O papel do anticoagulante no manejo crônico desses doentes pode ter papel fundamental, haja vista o risco de a SCA ter sido desencadeada resultando de alguma trombofilia. Em geral, após 2-3 meses do evento, costumamos realizar alguns exames para rastreio dessas doenças:
– Anticoagulante Lúpico
– Anticardiolipina IgM e IgG
– Anti-B2 Glicoproteina 1
– Homocisteina
– Mutação do Fator V de leiden
– Proteína C e S
– Protrombina mutante

Leitura sugerida:
Egred, Viswanathan, Davis .Myocardial infarction in young adults. Review. Postgrad Med J 2005;81:741–745. doi: 10.1136/pgmj.2004.027532. Disponível aqui
Osula, Bell, Hornung. Acute myocardial infarction in young adults: causes and
management. Postgrad Med J 2002;78:27–30. Disponível aqui

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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