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Morte súbita em atletas – Como prevenir?

Ouvimos por diversas vezes que nosso corpo foi feito para se movimentar e sobre as consequências para a saúde do sedentarismo, mas, ao presenciar um atleta da alto nível apresentando uma parada cardiorrespiratória durante sua atividade, nos questionamos sobre como obter os benefícios da atividade física com segurança.

Primeiramente, o movimento faz parte das atividades diárias do ser humano. Por definição, todo movimento corporal produzido pelos músculos esqueléticos que resulta em gasto energético é denominado atividade física. Exercício físico é um tipo especial de atividade física que é planejada, tendo como objetivos a manutenção e a melhoria da saúde, do condicionamento físico, da estética corporal ou performance em competições. É considerado atleta aquele indivíduo que se encaixa nos 4 critérios: (1) estar treinando esportes com o objetivo de melhorar seu desempenho ou resultados; (2) estar participando ativamente em competições desportivas; (3) ser formalmente federado em nível local, regional ou nacional; (4) ter o treinamento e a competição esportiva como sua atividade principal (forma de vida). Dessa forma, aqueles que se exercitam regularmente e que, por vezes, competem eventualmente, tais como os participantes de maratonas e de outros eventos esportivos, devem ser chamados de praticantes de exercício ou esportistas.

O objetivo e importância da avaliação médica pré-participação para atividades esportivas consiste na pesquisa por doenças que sejam incompatíveis com a realização de determinados tipos de exercício e a detecção precoce de doenças causadoras de morte súbita. As sociedades internacionais de Cardiologia e Medicina do Esporte indicam essa avaliação para todos os atletas profissionais e sugerem a sua realização para esportistas que realizam atividades de moderada a alta intensidade (classificação de Bethesda na figura 1). Na Itália, após uma lei federal exigir a avaliação pré-participação para todos os atletas, foi observado uma queda na incidência de morte súbita em atletas de quase 90%.

A principal causa de óbito em atletas após os 35 anos é a doença arterial coronariana. Em indivíduos mais jovens, causas genéticas como miocardiopatia hipertrófica e cardiopatia arritmogênica de VD são as causas mais comuns (MCH nos EUA e CAVD em registro da Itália).

Nossa Diretriz em Cardiologia do Esporte da Sociedade Brasileira de Cardiologia e de Medicina do Esporte recomenda, além da avaliação clínica, a realização do eletrocardiograma de 12 derivações. Já se sabe que a prática regular e intensa de exercícios físicos de alto rendimento pode alterar em até 80% das vezes o ECG, refletindo adaptações cardíacas induzidas por exercício com aumento do tônus vagal e remodelamento intracavitário, alterações consideradas normais do coração do atleta. O importante é diferenciar as alterações patológicas das alterações esperadas no coração do atleta de alto rendimento pois essa correta diferenciação muitas vezes pode significar o afastamento desse atleta de sua modalidade. A utilização do ECG é questionada por algumas sociedades como a AHA por considerar que talvez não seja uma estratégia custo-efetiva pois discretas alterações identificadas desencadeariam a solicitação de novos exames (ex: ecocardiograma, ressonância cardíaca, etc). Para tentar corrigir esse problema, em 2012 foram estabelecidos os “Critérios de Seattle ” (figura 2), uma ferramenta que demonstrou diminuir o número de atletas que seriam desnecessariamente afastados momentaneamente por alterações consideradas “benignas “ do (falsos positivos), e, ao mesmo tempo, conseguiu identificar alterações patológicas e identificar os atletas que realmente possuíam doenças e prosseguir a investigação (verdadeiros positivos).

Existem orientações de que instalações esportivas que tenham mais de 2.500 frequentadores ou que desenvolvam atividade física com indivíduos pertencentes a certos grupos de risco (cardiopatas e idosos), possuam desfibriladores disponíveis para eventuais emergências.

Não existe, até o momento, recomendação absoluta nem fluxograma ideal para avaliação de atletas. A história clínica bem feita, o exame físico e o eletrocardiograma de 12 derivações parecem ser as melhores ferramentas de triagem para proteger nossos atletas e esportistas da temida morte súbita.

Leitura sugerida:

  • Ghorayeb N, Stein R, Daher DJ, Silveira AD, Ritt LEF, Santos DFP et al. Atualização da Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte – 2019. Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):326-368.
  • Corrado D, Basso C, Pavei A, Michieli P, Schiavon M, Thiene G. Trends in sudden cardiovascular death in young competitive athletes after implementation of a preparticipation screening program. JAMA. 2006;296(13):1593-601.
  • Drezner JA, Ackerman MJ, Anderson J, Ashley E, Asplund CA, Baggish AL, et al. Electrocardiographic interpretation in athletes: the ‘Seattle criteria’. Br J Sports Med. 2013;47(3):122-4.
  • Maron, et al. Eligibility and Disqualification Recommendations for Competitive Athletes With Cardiovascular Abnormalities A Scientific Statement From the American Heart Association and American College of Cardiology. Circulation. 2015 Dec 1;132(22):e281-91

Sobre o Autor

Afonso Dalmazio Souza Mario

Graduado em Medicina na Santa Casa de Misericórdia de Vitória - EMESCAM. Residência Médica em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP).

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