Cardiologia Geral

Alergia ao AAS no PS: simplesmente ‘aceitar’ ou dessensibilizar?

O uso do ácido acetilsalicílico (AAS) na doença arterial coronária (DAC), em seus diversos cenários, está bem estabelecido como redutor de eventos clínicos graves e mortalidade.
Contudo, uma parcela da população ainda acaba sendo privada do benefício da droga pelo fato de ter relato de reação de hipersensibilidade ao AAS. Essa situação torna-se ainda mais no doente  submetido a terapia com uso de stent, seja no cenário da DAC crônica ou durante as Síndromes Coronárias Agudas (SCA).
Na prática, o fato de o doente relatar que é alérgico a AAS acaba resultando na ‘não prescrição’ desse importante fármaco e aceitando-se o relato pessoal como fator final para se contra-indicar o medicamento.
Mas será que não há outra opção? Devo simplesmente ‘barrar’ o uso do AAS?
Existe a possibilidade de se realizar a dessensibilização ao AAS de maneira rápida e segura, com protocolos que não duram mais do que 3 horas, desde que o doente em ambiente devidamente monitorizado. Há vários estudos, de fato com N pequeno, que testaram essa possibilidade.
Um deles, desenvolvido por Wong e Cols, tem duração rápida e pode ser utilizado para pacientes no ambiente do próprio PS.
O protocolo consta na diluição do AAS para uma solução de 1mg/ml que pode ser conseguida através da maceração de 1 comprimido de 100 mg de AAS + 100 ml de água e fazer administração de acordo com as doses que se seguem:
Os pacientes devem estar monitorizados com PA periódica, oximetria, controle de FC e vigilância de surgimento de lesões cutâneas ou dispnéia. Qualquer suspeita de reação a medicação deve levar rapidamente a suspensão do protocolo.
Após o final dessa sequência o paciente deve receber AAS 100 mg 1x ao dia e ter seguimento em conjunto com Alergologista. Caso doente passe a ficar sem tomar a medicação por algum tempo, sugere-se a repetição do protocolo.
Advoga-se que NÃO SE FAÇA o protocolo naqueles doentes que tiveram ANAFILAXIA comprovada previamente, apesar de não ser consenso entre os autores.
Há diversos protocolos publicados, inclusive alguns utilizando até dose EV de AAS (veja aqui ). Uma metanálise recente, avaliou 11 estudos a respeito de protocolos de dessensibilização e conclui sobre a segurança dos mesmos. Contudo, a maioria dos serviços de cardiologia não tem um protocolo específico para manejo desses casos.
Veja qual deles se encaixa melhor em seu serviço, converse com o doente e faça a dessensibilização sempre que possível!

Leitura sugerida:
Johnson T. Wong e Cols. Rapid oral challenge-desensitization for
patients with aspirin-related urticariaangioedema. J ALLERGY CLIN IMMUNOL
MAY 2000. Disponível aqui
Apostolos Christou e Cols. Rapid Desensitisation of Patients with Aspirin
Allergy Who Undergo Coronary Angioplasty. Hellenic J Cardiol 2011; 52: 307-310. Disponível aqui

Prof. Philippe Gabriel Steg, FESC. Hypersensitivity to aspirin in patients with coronary artery disease : rapid desensitisation is feasible,  An article from the e-journal of the ESC Council for Cardiology Practice.Vol. 3, N° 37 – 31 May 2005. Disponível aqui

Efficacy and Safety of Available Protocols for Aspirin Hypersensitivity for Patients Undergoing Percutaneous Coronary Intervention. A Survey and Systematic Review. Reference: Bianco M et al. Circ Cardiovasc Interv. 2016 Jan;9(1):e002896.

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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